Desde a criação da Sudene, em 1959, e mais especificamente, desde a entrada em ação dos mecanismos de dedução fiscal para investimentos no Nordeste, conhecidos anteriormente como dispositivo 34/18 e hoje como Finor, a região nordestina vem sofrendo importantíssimas transformações econômicas e sociais.
Resumo
As transformações ocorridas não se deram numa “terra de ninguém”. Há mais continuidade no Nordeste transformado que na Amazônia redefinida a partir dos grandes projetos- impacto promovidos pelo regime autoritário; mas há profundas rupturas
A apologia e a crítica que acompanharam o experimento ortodoxo não deram maior importância a seus antecedentes históricos. A intensa polêmica em geral concentrou-se em cada uma de suas sucessivas peripécias. Essa indiferença é ainda mais notória na apreciação externa, dominada pelos prismas ideológicos da avalanche neoliberal.
Resumo
existem vinculações múltiplas e substanciais entre aquele passado e a experiência presente. Mais ainda, bem se poderia sustentar que esta não teria podido realizar-se caso não tivesse contado com as bases construídas em diversos períodos daquele passado.
O leitor habitual de Bandeira reconhecerá logo, decerto, um espaço conhecido e várias imagens caras de versos famosos do Autor, sobretudo da “Evocação do Recife”: o Sertãozinho de Caxangá; o banheiro de palha do primeiro alumbramento; o nome popular, “abemolado”, do rio Capibaribe em contraponto com Capiberibe; a cheia que dá título à crônica e uma imagem marcante àquele poema; os pegões da ponte do trem de ferro com os caboclos destemidos em jangadas de bananeiras; o barro das águas do rio crescido monstruosamente, carregando em turbilhão árvores, destroços e os sinistros restos do boi morto, que não se pode e o poeta não pôde esquecer.
Em sua fina análise das instituições imperiais brasileiras, Sérgio Buarque de Holanda criticou a tendência frequente a atribuir à grande lavoura uma avassaladora influência sobre as decisões políticas do período. A proposição lhe pareceu de cunho anacrônico pois a verdade é – diria ele en passant – que o império dos fazendeiros, mas dos fazendeiros das áreas mais adiantadas do país, só começa no Brasil com a queda do Império.
Entrevista com Hans Magnus Enzensberger
Resumo
Eu estava farto do ensaio tradicional tal como ele tinha existido na Alemanha. Significa ter uma tese, e tudo que você escreve consiste em evidência parasustentar sua tese, provando assim triunfalmente o que você queria dizer desde o começo. A longo prazo, isso se mostra muito aborrecido.
Antes de esboçar um modelo de experiência estética no desenvolvimento musical de Arnold Schönberg anterior à Primeira Guerra Mundial, gostaria de adentrar rapidamente algumas premissas sistemáticas de Adorno. Para Adorno, a experiência estética resulta da reflexão sobre (auf) a mimese em torno (an) do belo natural (ÄT, 99, 113, 121, 324, 519) e isto significa: reflexão sobre as obras de arte singulares. É decerto desconcertante a retomada do conhecido conceito de mimese da Dialética do Esclarecimento na Teoria Estética.
Resumo
É compreensível, portanto, que a esperança de Adorno na libertação apóie-se no senhor e não no escravo. Pois este não o ouve, tal qual a tripulação de Odisseus. E, mesmo entre os indivíduos da sociedade burguesa, só à espécie altamente distinta e elitista dos artistas é dado escapar ao círculo mágico da dominação e da mimese socialmente institucionalizada. E isto por duas razões.
O termo “pós-modernismo” exerce fascinação imediata. Sugere que a “modernidade”, paradoxalmente, já faz parte do passado; consequentemente, uma nova forma de consciência é chamada a se apresentar, adequada às novas condições sociais. Mas, como seria de se esperar, não nos é dito o que distingue essas novas condições ou a consciência que lhes é própria. No contexto da teoria política e cultural, as exposições do pós-modernismo tomam frequentemente como ponto de partida negativo a idéia de “Esclarecimento” (Enlightenment).
Resumo
Não resta dúvida de que os textos que escolhi revelam algumas preocupações comuns, sendo talvez a aversão à idéia de universalidade a que mais chama a atenção. O Esclarecimento traçou um quadro da raça humana como estando empenhada num esforço em direção à moral universal e à auto-realização intelectual, e, portanto, como sujeito de uma experiência histórica universal; postulava também uma razão humana universal que dava a medida para se avaliarem tendências políticas e sociais como “progressistas” ou não (sendo a meta da política definida como a realização prática da razão).
Dizem que era comum encontrar estampada nos bondes que circulavam na capital paulista a seguinte frase: “São Paulo, a Chicago da América do Sul”. Porém quando Richard Morse chegou para pesquisar a formação histórica da cidade, ele estranhou a comparação, pois existiam somente “três ou quatro prédios com cem anos de idade”.
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Há analogias entre os dois casos. Chicago era um pequeno agrupamento de índios em 1800, em torno de 1850 possuía uma população de 30.000 habitantes, que em fins do século atingia o número de 1.699.000 (segundo centro urbano dos Estados Unidos)3. São Paulo até 1850 era um povoado de menor importância, com uma população de 20.000 pessoas, num momento em que o Rio de Janeiro concentrava as atenções enquanto capital federal.
Ao Borges, vulgo Outro, é que acontecem as Coisas. Jô caminha pela cidade de Bons-Ares e se detém, já mecanicamente, quiçá, olhando o arco de um saguão ou uma porta envidraçada.Do Borges, o Jô recebe notícias pelo Correio — e vê seu nome fazendo parte de uma banca de Doutoramento ou então num dicionário biográfico tipo Who’s Who. Jô gosta de relógios de areia, da tipografia primitiva, de curtir etimologia, do gosto de café na boca, de prosear com o Stevenson na esquina da Imaginação com a Florida. Outro até se liga nos mesmos lances, mas dum jeito meio vaidoso, fazendo tipo, como se pertencesse à classe teatral.
Resumo
Espinosa entendeu que todas as coisas querem perseverar no seu Ser. A pedra quer ser pedra eternamente, e o Tigre um tigre. Jô há-de permanecer no Borges, não no Jô (se é que Jô é Alguém); porém se reconhece menos nos livros do Outro que nos (muitos) de muitos Outros — ou no laborioso zigarreio de uma cigarra.
“Que foi que você sentiu quando soube que havia nascido no Brasil?” – perguntava em 1961 Don Rossé [sic] Cavaca, autor de Um Riso em Decúbito. O propósito do presente trabalho é submeter a pergunta do humorista a Gilberto de Mello Freyre, o sociólogo pernambucano que marcou a vida cultural do Brasil durante a maior parte do século XX.
Resumo
Não traçarei uma história de vida, mas indicarei como esta se entrelaçou com a própria integridade (inteireza, densidade) da obra gilbertiana, através de um narcisismo individual insidioso. Esse sentimento desmedido, por sua vez, resultou de um “modo de olhar” provinciano — o espírito de aldeia —, que primeiro fez brotar em Gilberto uma admiração incontida pela vida intelectual das metrópoles internacionais, para depois produzir nele um comportamento defensivo e recolhido, de tipo narcisista, diante da “inferioridade” experimentada
em relação àquelas metrópoles.
Uma importante mudança no processo de trabalho industrial está a caminho – ou será apenas uma modificação na mentalidade dos pesquisadores? Até recentemente pensava-se que a aplicação de princípios tayloristas e fordistas de organização do trabalho era do interesse dos empregadores. O esforço implacável para obter aumentos na eficiência requeria a separação entre a concepção e a execução do trabalho e, onde fosse possível, a subordinação do trabalhador à máquina. Reconheciam-se problemas de negligência e sabotagem causados por trabalhadores alienados, porém os esquemas de valorização de funções raramente minavam os princípios vigentes de organização do trabalho.
Resumo
Agora o pêndulo começou a oscilar em outro sentido. Pensa-se que o fordismo está ultrapassado. Isto não apenas porque a tecnologia de automação abole o trabalho fragmentado e ritmado pela máquina, também é claro o avanço do “trabalho morto” (máquinas) às custas do “trabalho vivo”.
A técnica conhecida para sobreviver à areia movediça é agir como se fosse água: evitar o pânico, flutuar. Inverter a ordem; num meio aparentemente sólido comportar-se como se fosse líquido. Ronaldo Brito dedica ao “não-leitor” seu livro “todo de areia”. Como imagem literária a areia é infensa a metonímia: um grão de areia é tão areia quanto a imensidão de uma praia ou do deserto. A epígrafe de Quarta do Singular é de Wallace Stevens: “poetry is a destructive force”.
Resumo
A qualidade atomística dos versos de Quarta do Singular, ou melhor, do approach granular dos versos, deriva de uma atenção indiferenciada: a areia é o todo e o grão. Outra hipótese, quase fantástica, borgianamente fantástica, é a de que a areia movediça seria constituída de minúsculos grãos-engrenagens — o Mundo — pronta, quem sabe, a triturar
“nossos sonhos mesquinhos” (Cartola).
Desejo examinar uma velha questão, a dos microfundamentos de uma sociedade democrática, a da constituição exemplar de uma personalidade democrática, em vez da personalidade autoritária descrita por Adorno. Estou consciente de que a formação daquele tipo de personalidade é como a felicidade, no sentido de que ela se escapa a uma busca direta. Contudo, presumivelmente não será prejudicial – e em algumas circunstâncias poderá ser útil – ter uma noção do tipo humano que se gostaria de fomentar numa democracia.
Resumo
Começo com uma recordação da infância ou do início da adolescência. Ela remonta a Berlim, a cidade em que passei os primeiros dezoito anos da minha vida, de 1915 até 1933, quando me mudei para Paris. Eu tinha provavelmente doze ou treze anos de idade e portanto o fato ocorreu em algum momento do final dos anos 20. Apesar de aqueles dias serem
relativamente tranqüilos e de eu ainda não ser politizado, comecei por aqueles anos a formular para mim mesmo várias perguntas filosóficas e semi-religiosas.
O governo Collor inaugurou-se sob o signo do engodo, reiterando que o presidente eleito, como deixou mais do que claro na campanha eleitoral, é capaz de tudo para conseguir o que quer – como disse Francisco de Oliveira, Collor exibe a “arrogância imemorial” que é marca de sua classe.
Resumo
Escrevendo sobre as possibilidades de se implantarem regimes democráticos na América Latina, Albert Hirschman (“A Democracia na América Latina: Dilemas”, Novos Estudos Cebrap Nº 15) apontou a paciência como um dos valores que podem contribuir para a criação das condições para o estabelecimento da democracia.
Há três poetas gregos contemporâneos cujos nomes ultrapassaram as fronteiras de sua pátria para se projetar internacionalmente – Seféris, Elýtis e Rítsos. Os dois primeiros devem parte de sua notoriedade ao prêmio Nobel com que foram laureados, em 1963 e 1979 respectivamente. Já o prestígio extrafronteiras do terceiro – que não recebeu o Nobel, embora houvesse sido indicado duas vezes para ele, – teve a acoroçoá-lo a militância política de esquerda. Ao lado de Neruda, Aragon e Hikmet, Rítsos figurou em certo momento no altar-mor da poesia socialmente engajada.
Resumo
Nascido em 1909 ao sul da Grécia continental, em Monemvasiá, Yánnis Rítsos teve uma vida cheia de reversos. A tuberculose lhe fragilizou a saúde e a pobreza lhe amargou os dias de juventude. Mais tarde, as perseguições políticas o fizeram passar anos em prisões e campos de concentração das ditaduras gregas. Nada disso o impediu, todavia, de realizar uma vigorosa e extensa obra literária.