Quase cem anos já se passaram desde a morte de Émile Durkheim (1858?1917), mas esse tempo ainda não foi suficiente para que descobríssemos todos os recônditos de sua biografia pessoal e intelectual. Nos últimos vinte ou trinta anos foram descobertos textos de diversas naturezas, que contribuíram para trazer ao público acadêmico uma ideia mais precisa sobre quem realmente foi Durkheim, desafiando, assim, a imagem “mitológica” transmitida pelos muitos livros introdutórios, por manuais e mesmo pela tradição oral.
Resumo
O artigo apresenta um balanço das mais recentes descobertas documentais relativas ao sociólogo francês Émile Durkheim, e reflete sobre seu impacto na reavaliação, seja ela histórica e/ou teórico?metodológica, de seu legado. Almeja?se armar o leitor frente à leitura de sua correspondência com Salomon Reinach, enfatizando particularmente o debate sobre o tema do totemismo, que é um dos eixos centrais de As formas elementares da vida religiosa, obra que neste ano completa seu centenário de publicação, e o envolvimento de Durkheim no Caso Dreyfuss, que representa um dos principais aspectos de seu engajamento político.
A oposição entre uma “imagem real” e uma “imagem mitológica” foi proposta por William Watts Miller1 como uma forma de salientar a diferença existente entre uma visão sobre Durkheim consagrada a partir do final da década de 1930, baseada em algumas interpretações teóricas incorretas ou enviesadas e em informações biográficas inconsistentes, e as novas visões que vêm sendo lentamente construídas nas últimas décadas, a partir da reconsideração de seus escritos e da descoberta de novos textos e dados biográficos. Giovanni Paoletti parte de outro argumento, mas também se refere a uma “dupla identidade” da obra durkheimiana, que recebe um tratamento completamente diferente nos trabalhos de especialistas, que se atêm às minúcias da obra do autor e citam especialmente seus artigos e correspondências, e aquela que aparece nos manuais, a partir de uma leitura que “inevitavelmente é de segunda ou terceira mão”.
Não há nada socialmente mais constrangedor do que, convidado a uma festa, ser ignorado pelo anfitrião. É isso que Henry James, o anfitrião, de certo modo faz ao incluir o conto “Os amigos dos amigos” no volume 17 de sua esplêndida Edição de Nova York de obras escolhidas e não dedicar a ele quase que o menor comentário.
Resumo
Por meio do exame do conto “Os amigos dos amigos” (“The friends of the friends”), de Henry James, bem como de seu processo de criação, este trabalho investiga a categoria do duplo, confrontando as suas fontes primitivas com sua adoção na narrativa moderna — um confronto que nos permite sugerir uma chave de interpretação para a ficção jamesiana, e ainda discutir a presença do sobrenatural numa sociedade que privilegia o espetáculo, a publicidade, a novidade, o consumo e o progresso.
O enredo gira em torno de dois personagens, um homem e uma mulher muito parecidos um com o outro, que nunca se veem, apesar das inúmeras tentativas de seus amigos de lhe promoverem o encontro. A estranha simetria de suas circunstâncias reside sobretudo no fato de que cada um deles recebeu, pouco antes do anúncio do falecimento, a visita do espectro de seu genitor (o pai, no caso dela; a mãe, no dele). Se o evento funesto fez com que ela viesse a ser conhecida como aquela que viu o fantasma do pai, a longa sucessão de desencontros passa a ser tema de fofoca e até de pilhéria na sociedade, apesar do crescente desconforto, vergonha e até mesmo terror que a situação começa a infundir em ambos. A história é contada por uma narradora que, no curso dos acontecimentos, fica noiva do homem e, por ciúmes, decide frustrar um encontro que ela própria precipitadamente marcara entre os dois. Ela desmarca com o noivo, mas nada avisa à amiga, que vai até sua casa e, no fim, imagina que foi o outro o responsável pelo novo desencontro. O fato é que horas mais tarde, na mesma noite da reunião frustrada, a mulher morre. A narradora toma ciência do falecimento no dia seguinte quando, arrependida, vai à casa da amiga para confessar a fraude. Ao contar a notícia ao noivo, este revela que a amiga lhe fizera uma visita na noite anterior. Para a narradora, ele a vira como anteriormente havia visto a mãe: numa visitação fantasmagórica. Para o noivo, a outra fora ter com ele ainda em vida. O cotejo dos fatos não conduz a nenhuma conclusão definitiva. Os preparativos para o casamento seguem conforme o planejado até que a narradora confronta o noivo, acusando?o de continuar encontrando?se, todas as noites, coma mulher morta. Ele refuta a alegação, mas, quando é instado a escolher entre a narradora e a outra, mostra?se evasivo e zombeteiro. Ela rompe o compromisso de casamento. Seis anos mais tarde, ao saber da morte dele, comenta que o óbito só confirma a sua teoria, no sentido de que este seria o “resultado de um insaciável desejo”, a “resposta a um chamado irresistível”.
Afinal, quais são os determinantes de mudanças na composição da burocracia — ou sua “rotatividade” — no Brasil? A estabilidade de ministros e burocratas é considerada importante por analistas políticos, para que o setor público atinja bons resultados e seja responsivo às demandas dos cidadãos. O excesso de estabilidade dos burocratas em seus cargos, no entanto, pode ser também associado à corrupção.
Resumo
Quais fatores determinam a rotatividade dos servidores de confiança do governo federal brasileiro? Este artigo mostra que mudanças partidárias na direção dos ministérios não necessariamente se traduzem em mudanças na composição dos cargos de confiança. Funcionários de confiança com funções de policymaking são mais afetados pela mudança de ministro do que os demais. Além disso, órgãos afetados por escândalos de corrupção tiveram uma taxa de permanência de seus funcionários de confiança maior do que a dos demais órgãos. Fica evidente a necessidade de considerar a policy expertise dos funcionários, medida em tempo de serviço público, para entender a rotatividade. O artigo aponta para a pertinência de estudar as relações “Executivo?Executivo” no Brasil.
Em 7 de outubro de 2007, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva nomeou Luiz Antonio Pagot para a presidência do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Essa nomeação, de acordo com a mídia à época, era um agrado ao governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, e ao Partido da República (PR). Naquele ano, o pr só não foi mais fiel ao governo em plenário, com uma taxa de 89,63% de apoio às propostas do Executivo, do que o Partido dos Trabalhadores (pt), com taxa de 93,95%2. A nomeação de Pagot seguiu, portanto, critérios relativos à formação de maiorias no presidencialismo de coalizão.
O presente artigo pretende propor uma nova agenda para a reflexão dos processos de desconcentração produtiva no Brasil, referidos à abordagem de seus impactos locais.
Resumo
O artigo busca chamar a atenção para os impactos sociais da desconcentração econômica do município de São Paulo em direção ao interior do estado. Apesar de a literatura especializada considerar tais impactos relativamente benéficos, aspectos relacionados à guerra fiscal intermunicipal vêm minando a capacidade da cidade em continuar crescendo e oferecendo empregos tanto no setor industrial quanto no setor de serviços, na mesma proporção da região metropolitana e do restante do estado.
Ao refletir sobre a dinâmica regional da economia brasileira, diferentes autores fazem uso de importantes ressalvas para pensar o processo de desconcentração produtiva verificado a partir da Região Metropolitana de São Paulo desde os anos 1980. Tal desconcentração se daria para áreas próximas, no campo aglomerativo de São Paulo; a região continuaria a reter as atividades associadas à capacidade de comando; a desconcentração seria “concentrada espacialmente”, sem alterar os padrões nacionais de distribuição das atividades produtivas; a região manteria as atividades intensivas em conteúdo tecnológico, bem como aquelas articuladas aos principais circuitos comerciais e financeiros do país; a desconcentração seria limitada setorialmente, com tendência à reconcentração em alguns setores; a desconcentração industrial seria limitada a setores secundários, devendo ser interpretada de modo associado ao fortalecimento da região como centro de serviços.
Pode parecer estranho, e até mesmo retrógrado, pensar a prática da arte contemporânea em termos da nacionalidade e local de nascimento dos artistas, numa época em que se fala muito em globalização, hibridização e transnacionalização, mercados globais e daí por diante. No entanto, a questão da nacionalidade é crucial para o que as bienais (ou trienais, ou quinquenais) passaram a representar a partir dos anos 1980.
Resumo
Terá o mundo das artes se tornado poroso, aberto a todos os artistas, independentemente de suas origens — mesmo se vierem de lugares que Paris ou Nova York consideram os mais marginais?
Meu interesse por bienais e pela nacionalidade de seus participantes surgiu na Bienal de Taipei de 2004, a quarta edição do evento na cidade, devido principalmente a uma provocação curatorial ocorrida ali. Fizeram?me esperar por mais de três horas pelo que acabou sendo uma entrevista de meia hora com um dos dois curadores da mostra, a belga Barbara Vanderlinden. Comecei pedindo a ela que explicasse a política curatorial do evento no que dizia respeito ao número de artistas taiwaneses convidados — cinco. Ela respondeu, sem
titubear, com uma nova pergunta: “Você sabe quantos artistas taiwaneses foram representados na Bienal de Xangai?”. O que ela queria dizer é que cinco artistas locais convidados era um número bastante adequado, obrigada, e que as pessoas não deveriam esperar mais do que isso. Aquela resposta tirou meu fôlego. Não tinha uma resposta para dar naquele momento — não apenas porque não sabia a resposta, mas porque sentia que estava falando com uma especialista estrangeira que sabia muito mais do assunto que eu. Na época, eu não tinha
nem recursos nem condições de trabalho que me permitissem viajar longas distâncias para visitar bienais, como conhecedores do mundo da arte aparentemente fazem. Mais recentemente, no entanto, tive a oportunidade de ir a bienais tão remotas como as de Havana e São Paulo, assim como à maioria dos eventos europeus e asiáticos, e percebi que a questão da representação artística em tais acontecimentos internacionais, depois de todo esse tempo, ainda me assombra.
Edição crítica da correspondência entre Émile Durkheim e Salomon Reinach, publicada pela Novos Estudos em comemoração ao centenário da publicação da obra As Formas Elementares da Vida Religiosa, de 1912.
Resumo
Bourdeaux, sexta?feira [março de 1898]:
Senhor e caro camarada,
Estou muito feliz que a revista L’Année Sociologique tenha lhe sugerido a ideia de convidar?me a encontrá?lo. Estarei em Paris nos dias 3, 4 e 5 de abril e passarei ainda alguns dias do final da semana de Páscoa. Salvo qualquer manifestação contrária de sua parte, irei à sua casa no domingo pela manhã, entre 10 e 11 horas. Se estiver ocupado, peço que me diga quando terei oportunidade de encontrá?lo novamente. Meu endereço em Paris é o seguinte: Faubourg Saint?Martin, 162. Eu estarei nesse local a partir de sábado à noite, dia 2 de abril.
Bourdeaux, Boulevard de Talence, 218, 15 de junho de 1898
Caro senhor,
Recebi ontem de meu sobrinho Mauss, que atualmente está em Oxford, uma carta na qual ele me relata uma conversa que teve com o autor do artigo da National Review. É provável que ele não tenha tomado o conhecimento de nada que o senhor já não soubesse. No entanto, para tranquilizar minha consciência, creio dever reportar?lhe a aquilo que ele me disse, a fim de que possa ver se existe algo de novo e, nesse caso, se há algo a ser feito.
Resenha de Luto e melancolia, de Sigmund Freud.
Resumo
A leva de novas traduções surgida recentemente e disseminada graças à passagem da obra de Freud para o domínio público tem, finalmente, fornecido ao leitor brasileiro versões condizentes com a envergadura intelectual e literária desse grande pensador. Além de permitir um contato mais direto com o próprio texto do pai da psicanálise, essa nova situação abre caminho para a diversificação dos modos de acesso a escritos quase sempre reunidos em volumes organizados cronologicamente. Destaca?se nesse conjunto a bela edição da Cosac Naify para “Luto e melancolia”, um grande clássico escrito em 1915 (e publicado em 1917) cujo interesse só se renova, especialmente em tempos marcados por uma aparente profusão de quadros depressivos.
Acompanhada de textos de duas importantes psicanalistas brasileiras, Maria Rita Kehl e Urania Tourinho Peres, a edição traz uma tradução — de Marilene Carone — que fez história e permanecia inédita em livro, tendo sido publicada pela Novos Estudos Cebrap em 1992. Ela conta, ainda, com uma introdução e comentários da tradutora, além de uma curta nota do escritor e tradutor Modesto Carone, que foi seu marido. Como salienta o professor e tradutor André Medina Carone, estudioso, como a mãe, da prosa científica de Freud (sobre a qual fez sua tese de doutorado em filosofia), “Luto e melancolia” jamais foi publicado como livro pelo próprio autor, e seu aparecimento ao lado da contribuição de outros autores reproduz, de maneira pertinente, a condição polifônica que era aquela das primeiras publicações de seus textos na época, em geral em revistas reunindo textos de seus discípulos.
São Paulo é uma cidade com grafites surpreendentes e extraordinária profusão de pixações, imensas manifestações públicas e intensa produção artística. Estriada pela rápida movimentação das motos por entre as filas de carros em avenidas congestionadas, assim como pela prática do skate e do parkour, do rap e do break, a própria cidade é local e tema de uma variedade de atividades públicas que se apropriam do espaço urbano e o produzem de maneiras inusitadas. São essas intervenções em áreas públicas que vêm transformando e rearticulando as profundas desigualdades sociais que sempre marcaram esses espaços.
Resumo
Uma série de intervenções produzidas por homens jovens estão transformando os espaços públicos de São Paulo e rearticulando as profundas desigualdades sociais que sempre marcaram a cidade. O artigo analisa dois modos de intervenção: a produção de inscrições e o deslocamento pelo espaço urbano. A “produção de inscrições” refere?se à proliferação de grafites e pixações, ambos em estilos típicos de São Paulo. Já o deslocamento espacial alude às novas práticas de circulação pela cidade, como o motociclismo, o skate e o parkour. Essas intervenções garantem uma nova visibilidade a jovens vindos das periferias, desafiam noções prévias sobre o funcionamento dos espaços públicos, e revelam novas contradições da esfera pública democrática.
Meu propósito aqui é analisar algumas das transformações e tensões geradas em São Paulo por dois modos específicos e sobrepostos de intervenção: a produção de inscrições e o deslocamento pelo espaço urbano. A “produção de inscrições” refere?se à proliferação de grafites e pixações, ambos em estilos típicos de São Paulo. Já o deslocamento espacial alude não só às novas práticas de circulação pela cidade, que incluem o uso de motos e skates, assim como o parkour, mas é muito mais amplo, uma vez que tais deslocamentos são cruciais para a sociabilidade e o lazer de grupos juvenis, e também constituem aspecto relevante da grafitagem e da pixação. Os praticantes de ambas as modalidades de intervenção são quase exclusivamente jovens do sexo masculino, que, à medida que recriam o espaço público, acabam ainda por configurar hierarquias de gênero. Tais práticas, sem dúvida, não esgotam as atuais possibilidades de constituição do espaço público urbano, e seus adeptos representam uma minoria entre os moradores da metrópole. No entanto, hoje elas estão incorporadas à rotina da cidade, afetam a vida dos cidadãos para além do grupo estrito de seus adeptos e ocasionam mudanças paradoxais no ambiente urbano. Essas intervenções pressupõem a desigualdade e, portanto, a naturalizam. Elas privilegiam a agressividade e a transgressão como modos de articulação, ao mesmo tempo que recorrem à linguagem dos direitos e das liberdades, e ainda revelam um prazer genuíno na livre circulação pela cidade. Colocam em questão certo modus vivendi, mas não evocam alternativas reconhecidas, como as articuladas em termos de cidadania e igualdade. Por tudo isso, essas práticas requerem uma nova concepção tanto do espaço público democrático, como do papel dos grupos subalternos na produção da cidade.
Passados vinte anos, nenhuma autoridade competente foi capaz de atribuir responsabilidades pelo Massacre do Carandiru. Apesar de diversos esforços da sociedade civil, os processos de responsabilização disciplinar, criminal, civil e internacional iniciados após o massacre foram interrompidos ou permanecem sem conclusão. No Brasil, os órgãos do sistema de justiça nem sequer chegaram a declarar formalmente que o episódio que levou (pelo menos) 111 cidadãos sob a custódia do Estado à morte se tratou de um massacre.
Resumo
Este texto expõe os resultados preliminares de um projeto de pesquisa em curso sobre a atuação do sistema de justiça no caso do Massacre do Carandiru e prioriza um desses mecanismos de responsabilização: o processo criminal, a partir da análise integral dos autos da ação penal movida contra os policiais militares envolvidos na ação. O objetivo é compreender a construção das imputações, desvendar os processos decisórios e identificar de que modo diferentes atores do sistema de justiça intervieram nesse caso. Sobretudo, interessa explorar as implicações que fatores externos ao processo — como a aprovação da Lei Bicudo e a eleição de Ubiratan — tiveram no fluxo processual.
No Estado de direito, somente a decisão de responsabilização quebraria a teia de possíveis explicações sobre o que ocorreu naquela tarde e permitiria afirmar que o massacre não foi obra do destino, culpa dos próprios presos “amotinados” ou da fumaça, da escuridão e do piso escorregadio. Até agora, essas são explicações oferecidas para o que o promotor de justiça militar que atuou no caso descreveu como “verdadeira ação bélica, pois os policiais militares, fortemente armados, desencadearam a maior matança já consignada mundialmente em um presídio”. A Polícia Militar paulista mantém em seus quadros os réus que respondem criminalmente pela morte de 111 cidadãos em privação de liberdade e pelas lesões a outros 92. A maioria dos réus de maior patente àquela época (tenentes?coronéis, majores e capitães) figura atualmente no portal da transparência do governo estadual como coronel, patente de hierarquia superior — o que indica que os procedimentos disciplinares ou não foram concluídos, ou, caso tenham sido, não deram ensejo à sanção de expulsão. Dois deles foram recentemente nomeados comandantes da Ronda Ostensiva Tobias de Aguiar (Rota) pelo governador do estado de São Paulo Geraldo Alckmin. A dúvida quanto à existência e ao desfecho dos processos disciplinares permanecerá enquanto não for franqueado acesso público aos autos desses procedimentos.
Resenha de Raúl Prebish (1901-1986): a construção da América Latina e do Terceiro Mundo, de Dosman Edgar Jr.
Resumo
Raúl Prebisch e Ernesto Che Guevara, antípodas em quase tudo, foram as duas maiores contribuições argentinas para a política internacional do século XX. A tal ponto se tornaram cidadãos do mundo que o apodo argentino vem apenas como local de origem. Mas enquanto Che possui várias biografias, figura como símbolo pop e é perseguido por estudiosos em cada uma de suas facetas, don Raúl parecia relegado ao esquecimento.
O leitor latino?americano tem agora acesso à bela e rigorosa biografia escrita por Edgar Dosman — professor de ciência políti? ca da Universidade de York, no Canadá — publicada em inglês em 2009, lançada em espanhol em 2010 e em português em 2011. Sim, um autor canadense produziu a obra que nenhum latino?americano se dispôs a escrever como forma de erguer trincheiras contra a avalanche livre?cambista que tomou a região no último quarto do século XX.
Resenha de Das recht der freiheit, de Axel Honneth.
Resumo
Das Recht der Freiheit [O direito da liberdade], o livro mais recente de Axel Honneth representa, por um lado, a tentativa mais sistemática de organizar sua teoria, que — como se sabe — tem seu centro no conceito de reconhecimento, e, por outro, a tentativa de atualizar o pensamento hegeliano. É necessário considerar este último objetivo para melhor entender os alcances e os limites do primeiro. Em geral, tem?se a impressão de que o autor, ao seguir de perto a estrutura da Filosofia do direito de Hegel, coloca sua própria teoria em um corpete rígido e justo demais.
A proximidade com Hegel parece mais evidente na segunda parte do livro, a mais propriamente sistemática, que é estruturada de forma tripartida e segue de perto a estrutura da seção “Eticidade” da Filosofia do direito. À parte sobre família do texto hegeliano corresponde, no texto de Honneth, a parte sobre relações pessoais; àquela sobre sociedade civil corresponde a parte sobre o mercado; finalmente, à parte sobre o Estado corresponde a parte sobre o Estado democrático. Não se trata de meras analogias formais, já que a pretensão é atualizar o pensamento hegeliano, livrando?o da sobrecarga metafísica.
É com imensa alegria que o Cebrap celebra a premiação John W. Kluge que foi outorgada a Fernando Henrique Cardoso pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos em julho de 2012. Trata?se do maior reconhecimento que um cientista social pode receber. O Prêmio Kluge, que começou a ser concedido em 2003, distingue o conjunto de uma obra científica nas áreas das humanidades não cobertas pelo Prêmio Nobel reconhecendo seu impacto e influência para a compreensão da experiência humana e social.
Resumo
“Discurso de apresentação”, por Paula Montero; “Estimado Fernando”, por Elza Berquó; “Fernando Henrique Cardoso: teoria da dependência e transição democrática”, por Fernando Limongi; “A ousadia da formação”, por Fernando Henrique Cardoso.
Fernando Henrique Cardoso foi o primeiro latino?americano a ser agraciado com o prêmio; ele foi escolhido pelos membros do conselho curador da Biblioteca do Congresso americano, após consulta a cerca de três mil intelectuais e homens públicos. Apenas sete pessoas foram reconhecidas com o prêmio antes de Fernando Henrique: o filósofo e historiador polonês Leszek Kolakowski, conhecido pelos seus estudos sobre o marxismo; o filósofo e pensador francês Paul Ricoeur; o historiador norte?americano Jaroslav Pelikan; o emérito também historiador norte?americano especialista em escravidão John Hope Franklin; o filósofo chinês Yu Ying?shih; o escocês Peter Robert Lamont Brown, especialista em história antiga e medieval; e a historiadora indiana Romila Thapar.
“Sou uma observadora distanciada e escrevo pouco. Talvez seja inexato qualificar minhas manifestações críticas como militância, porque não defendo uma linha de poesia ou um programa estético. Faço o que posso para me surpreender e ser desconcertada pelo novo. No panorama atual, não tem sido fácil. É claro que a atividade docente por suas implicações formativas é uma forma de intervenção crítica, em consequência, ficar entre as quatro paredes da classe é impossível.”
Resumo
Narrando a sua formação intelectual, Iumna Maria Simon analisa a situação da crítica literária na universidade e fora dela, a poesia contemporânea e as condições da leitura da obra literária hoje. A entrevista expõe o modo como desenvolveu sua compreensão da literatura brasileira mais recente e como organiza seu foco crítico e suas referências teóricas, enquanto professora e crítica.
O foco na produção literária contemporânea é um desdobramento natural do meu interesse pela atualidade, que vem de meus estudos sobre a poesia moderna e as vanguardas dos anos 1950/1960. O desejo de juntar crítica e história literária, ambas disciplinas de prestígio declinante, levou?me a inserir a poesia na atualidade para valorizar a força de criação e conhecimento dela, cada vez mais subestimada pelos próprios poetas e pela teoria, e, no fundo, para reconceituar o que é invenção. No mesmo impulso, procurei inscrever de modo sistemático a produção poética contemporânea na dinâmica da literatura brasileira — afinal, não são muitos os que acreditam nessa dinâmica ou se propõem a pensá?la como tal.
Quanto à minha inclinação para a poesia, entra nesse quadro por vias inesperadas e bem antigas: primeiro porque desde criança gostava de ouvir, ler, decorar e recitar poemas. Meu pai, um imigrante sírio, explicava a vida poeticamente por meio de imagens, metáforas, parábolas, provérbios e de poemas que traduzia para o português (ele adorava poesia árabe e sabia de cor poemas de Lamartine); minha mãe ao piano nos puxava para a música, erudita e popular, neste caso familiarizando?nos com melodia e letra. Daí a me interessar pelo estudo da poesia foi um passo, cada vez mais complicado. Pode ser essa a origem da minha inquietação, mas devo acrescentar que a descoberta da poesia moderna foi das grandes experiências estéticas da minha vida.
Mauro Restiffe