O autor analisa a evolução da arte da guerra no contexto da expansão da fronteira do império português na América, tendo em vista sobretudo a tecnologia e estratégia militar lusobrasileira mobilizada contra indígenas irredentos no sertão nordestino. Estuda a formulação das ordenanças no século XVI e a estrutura militar da colônia americana, para entender as transformações da arte militar “brasílica” na guerra holandesa e nas expedições organizadas para combater os grupos indígenas tidos como “bárbaros” ou os negros quilombolas, no curso do século XVII. A incorporação de grupos paulistas e das inovações formais decorrentes resulta em um novo padrão da arte militar.
O artigo constrói um comentário antropológico acerca da chamada “explosão da avaliação” nas universidades britânicas: a proliferação de procedimentos para avaliar o desempenho acadêmico. Como instituições, estas universidades estão cada vez mais sujeitas a exames nacionais de competência de ensino, pesquisa e administração. Na onda deste escrutínio surge um novo aparato cultural de expectativas e tecnologias. Ainda que a metáfora da auditoria financeira indique questões importantes, como a da responsabilidade, a avaliação vai além de um monitoramento: tem uma vida própria que põe em risco a vida que examina. Assim, o caráter descontrolado das práticas de avaliação é aqui analisado da perspectiva das práticas culturais.
Examinando o caso do Departamento de Filosofia da USP, o artigo procura explicar a disparidade entre a ausência de massa crítica e de fóruns de debate institucionalizados e a excelente qualidade de muitos trabalhos de filosofia produzidos no Brasil. Esta qualidade se deveu a um movimento de pretensões estritamente exegéticas voltado para a própria história da filosofia e do pensamento e a um outro movimento que buscou pensar os problemas clássicos da filosofia em confronto com as questões prementes das ciências, das artes e da realidade social. A ditadura militar produziu uma ruptura nesse processo, provocando um isolamento da filosofia de seus parceiros tradicionais nas ciências e nas artes, situação que perdura até hoje.
A Metaetnografia de James Clifford e os Native Americans
Crítica: Livros “A experiência etnográfica. Antropologia e literatura no século XX”, de James Clifford (org. de J. R. Santos Gonçalves). Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1998, 320 pp.
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A Metaetnografia de James Clifford e os Native Americans
A Metaetnografia de James Clifford e os Native Americans
Henri Matisse: A Lição de Piano, ou a Arte das Artes
O artigo desenvolve minuciosa interpretação de um quadro de Henri Matisse: A lição de piano, de 1916, em que se vê seu filho caçula a exercitar-se ao piano. A partir da singular disposição e inter-relação dos objetos e representações que compõem a cena pictórica, onde comparecem fragmentos de outras obras do próprio Matisse, o autor argumenta que o tema central do quadro seria a própria arte em suas múltiplas manifestações (música, escultura, pintura) e seu permanente exercício, ao passo que se contrapõe a leituras da obra feitas em chaves biográficas e alegóricas.
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Henri Matisse: A Lição de Piano, ou a Arte das Artes
Henri Matisse: A Lição de Piano, ou a Arte das Artes
A dimensão produtiva da globalização tem recebido menos atenção do que a chamada globalização financeira. O debate sobre a mundialização opõe habitualmente os negacionistas àqueles que aceitam o fenômeno como uma evolução natural e automática do sistema econômico. Questionando ambas as interpretações, bem como a imagem idealizada de uma mundialização com homogeneidade crescente do sistema, o artigo procura identificar alguns mecanismos da produção mundializada que representam um reforço de antigas hierarquias e ocasionam redução das oportunidades para o desenvolvimento das economias (semi-) industrializadas das periferias do sistema econômico capitalista.
O artigo aborda os escritos do memorialista Pedro Nava sobre medicina, ofício que desempenhou antes de se dedicar às suas Memórias. Trata-se de duas obras, publicadas ao final da década de 1940, que versam sobre a história e a prática da medicina no Brasil nos aspectos científico, social, antropológico e cultural, mas em que já comparecem as perspectivas literárias, as marcas estilísticas e as fontes documentais que duas décadas depois conformariam a prosa memorialista do escritor.
Neste artigo, uma passagem da obra etnográfica de Henri Junod em torno da representação dos portugueses como povo colonizador no final do século XIX, no sul de Moçambique, é catalisadora de um conjunto de narrativas que dizem respeito à história recente deste país da África Austral. Colonialismo e pós-colonialismo se entrelaçam e, segundo o autor, correspondem a períodos de uma história em que a violência é um dos elementos centrais. Um universo de associações simbólicas acaba por dar sentido às relações interétnicas na região, à passagem do tempo histórico e a uma esperança de futuro.
O artigo estuda a articulação entre os princípios e valores de universalização e de exclusão que orientaram as ações e representações dos indivíduos que participaram de um momentochave na história das relações entre universidade e política na Argentina: o período imediatamente posterior à derrubada do governo Perón, em 1955. Os sentidos que estes indivíduos deram a ações, paixões e identidades coletivas, por eles mesmos consideradas políticas, implicam abandonar o conteúdo teórico da “política” em face da dimensão prática dessa categoria. Argumenta-se a necessidade de compreensão histórica dos processos de politização na sociedade argentina, considerando as relações entre configurações sociais e formas de sensibilidade.
O artigo discute a natureza e viabilidade dos programas de renda mínima em curso em alguns municípios brasileiros. Descrevem-se três estudos de caso, em Brasília, Belo Horizonte e Vitória, e com base em simulações questionam-se as reais possibilidades de os municípios brasileiros, na sua grande maioria, implementarem programas afins. A conclusão mais geral é a imperiosa necessidade de se constituir um programa nacional, co-financiado pelas três esferas de governo, em que a participação dos governos federal e estadual deve ser diretamente proporcional ao número de pobres no município e inversamente proporcional à sua capacidade fiscal.
Esse artigo aborda a relação entre teoria crítica e teoria democrática, uma relação que permanece obscura. Na primeira parte analisam-se os elementos que tornaram a teoria proposta por Adorno e Horkheimer uma teoria sobre a impossibilidade da democracia. Especial atenção é dedicada aos conceitos de não-identidade e razão objetiva. Na segunda parte, a reconexão entre teoria crítica e teoria democrática é abordada com base nos conceitos de publicidade em Habermas, reconhecimento público da diferença em Melucci, política dual em Cohen e Arato e reflexidade em Thompson. A idéia central defendida no artigo é que um conceito dialógico e reflexivo de publicidade constitui o principal elemento de uma teoria crítica da democracia.
Neste artigo, as últimas obras do cineasta italiano Lucchino Visconti são caracterizadas pela percepção melancólica, como experiência da passagem do tempo, do fracasso, da ruína e da morte, e pela perspectiva neobarroca, como estética da simulação, do artifício. Com ênfase no filme O Leopardo (1963), expõe-se a configuração desta estética e percepção – pautada por estilo anacrônico, interpretações teatralizadas e lenta composição do espaço – em contraponto a valores e procedimentos caros à arte moderna, como metalinguagem, realismo crítico, utopia, transgressão, originalidade.
O ensaio analisa a presença de Max Weber nas interpretações sobre o processo de modernização brasileira, feitas pela perspectiva do “atraso”. Tem-se um Weber descortinado pelo ângulo de suas análises sobre o Oriente, o qual não seria, assim, o analista das patologias da modernidade, e sim o das formas patológicas de acesso ao moderno. Tal presença de Weber é estudada a partir de duas vertentes analíticas, dominadas respectivamente pelos temas do patrimonialismo de Estado (Raymundo Faoro e Simon Schwartzman) e do patrimonialismo de sociedade civil (Florestan Fernandes e Maria Sylvia de Carvalho Franco).