Oswald de Andrade não era poeta. Tido como a grande vocação de romancista da Semana de 1922, merecendo na sua estréia com Os Condenados a louvação quase unânime da crítica, inclusive fora do arraial modernista, num repente ele virou poeta, ainda por cima poeta pau-brasil.
Resumo
A emancipação da narrativa levou-o a cruzar a fronteira poética: a prosa miramarina respira sintaxe de poesia no andamento da própria frase. Ao contrário da hipertrofia dos recursos de imaginação, tão costumeira nos narradores poéticos, Oswald exercitou a versão poética de episódios realistas.
Se considerássemos apenas a sociologia empírica, a afirmação segundo a qual a sociologia é o diagnóstico da modernidade não exigiria maiores explicações. A sociologia empírica movimenta-se numa dimensão temporal que podemos chamar de “presente absoluto”. Toda pesquisa é conduzida no presente absoluto do “agora”.
Resumo
Quando uma pesquisa é conduzida num ambiente social pré-moderno ou num enclave pré-moderno de uma sociedade moderna, falamos em “antropologia” ou “etnologia” e essa não é apenas uma questão de terminologia. A adequação da afirmação introdutória não é, no entanto, tão óbvia quando nos referimos à sociologia teórica. Isto porque a sociologia teórica é uma mistura de filosofia e sociologia.
Este debate foi realizado no Cebrap na noite de 9 de abril. Tratava-se – com vistas à publicação neste número que marca o décimo aniversário de Novos Estudos – de retomar a tradição cebrapiana dos “mesões” em torno de um tema tão atual quanto espinhoso: o desafio teórico e histórico do socialismo.
Resumo
Onde chegamos, ao final dessas cinco horas de debate ininterrupto, vivo, por vezes áspero, mas sempre fraternal, que registramos nas próximas páginas? Ao fim do socialismo, ao fim da história? Certamente não. Ficamos no meio docaminho. Em algum lugar que se situa entre nossas perplexidades de intelectuais contemporâneos e nossa angústia de intelectuais brasileiros. Em algum lugarque se afasta da pasmaceira cultural e política, mas que ainda não chega às respostas que buscávamos. Razão a mais para continuar a discussão.
A algumas braças do final do século, a atitude da maioria dos intelectuais franceses que se tornaram outrora conhecidos na arena acadêmica, política ou da mídia como “marxistas” (e foram numerosos!) pode se resumir no brado de São Pedro: “Non fui, non eram, non novi hominem”. Não participei disso, não estive lá, não conheço esse homem…
Resumo
O desmoronamento da Cortina de Ferro e do Grande Horror no Leste parece liquidar definitivamente a questão: de crise em crise, o marxismo entrou em estado de coma adiantado. De fato, quase tudo já estava decidido no início dos anos 80. Os mesmos que ainda se diziam marxistas nos anos 70 quase não se reconheciam mais no “marxismo do Leste”, sendo freqüentemente até mesmo seus mais rigorosos acusadores. O fato de que hoje a maioria deles não se vangloriem mais nem mesmo de sua inocência de então para se reclamarem de um “outro marxismo”, diz muito sobre a profundidade da crise.
Jacques Rancière
Esta noite farei a arqueologia de uma narrativa singular, tirada de um livro de história, mais exatamente do livro exemplar da “nova história”. No último capítulo de La Mediterranée, logo antes da conclusão, Fernand Braudel nos conta um acontecimento: a morte de Filipe II.
Resumo
Dirão que tudo isso é mera figura de estilo. Mas por que a história erudita deve ter um estilo? Ou antes, o que significa aqui estilo? Poderíamos entremear aqui a observação de Paul Ricoeur: criticar a história-narrativa não seria colocar a construção da história ao lado da construção literária, da narrativa de ficção? E como evitar pensar o lugar desse gênero de figuração na economia dessa construção?
Vocês se lembram do caso do falsário Van Meegeren que foi o tema por excelência de alguns anos após a II Guerra Mundial? O pintor holandês Van Meegeren colocou na cabeça pintar – por razões que mais diziam respeito, como percebemos depois, à autojustificação que ao lucro – um certo número de telas no estilo de Vermeer e se esforçou para fazê-las passar, em sua totalidade, no espírito de reputados especialistas que as autenticaram, como obras originais deste mestre recentemente descobertas.
Resumo
Imaginemos a seguinte situação: imaginemos que eu improvise uma sonata no estilo de Haydn e que esta sonata, graças a uma inimaginável coordenação de fatores artísticos, lembre não somente a de Haydn, mas provoque uma sensação de prazer correspondente à fornecida por uma autêntica obra daquela época. A nossa cultura, com todos os traços de esnobismo que a caracterizam, fará com que atribuamos à minha improvisação o valor de uma obra de Haydn, de tal sorte que chegaremos a persuadir o público de que se trata de uma obra composta por Haydn.
Hoje está na moda dizer que uma obra literária é constituída mais a partir de outras obras, que a precederam, do que em função de estímulos diretos da realidade, – pessoal, social ou física. Deve haver boa dose de verdade nisso. Todas as vezes, dizia Proust, que um grande artista nasce, é como se o mundo fosse criado de novo, porque nós começamos a enxergá-lo conforme ele o mostra. E há o dito de Oscar Wilde, que depois de ter mostrado Corots e Daubignys, a natureza da França mostrava naquela altura Monets e Pissarros.
Resumo
Lembro estes dois autores porque sucedem ao Naturalismo e reagem contra ele. E para o Naturalismo a obra era essencialmente uma transposição direta da realidade, como se o escritor conseguisse ficar diante dela na situação de puro sujeito em face do objeto puro, registrando (teoricamente sem interferência de outro texto) as noções e impressões que iriam constituir o seu próprio texto. A estética fin-de-siècle de Rémy de Gormont, teoricamente tão pouco naturalista, repousa nessa utopia da originalidade absoluta pela experiência
imediata, que o levava a desconfiar da influência mediadora das obras.
Apesar de a violência e a criminalidade serem problemas constantes nas grandes cidades, em cada contexto as experiências da violência são singulares e moldam de maneiras distintas o imaginário a respeito do crime e as práticas adotadas em relação a ele. Na última década, em São Paulo, entre os vários aspectos associados à experiência da violência um chama a atenção por sua importância política e por seu caráter absurdo: o apoio que conseguiu junto à população uma campanha de oposição à defesa de direitos humanos.
Resumo
Não seria demais afirmar que a noção de direitos foi central no debate político dos últimos quinze anos e no processo de democratização da sociedade brasileira. Ela adquiriu nesse período distintos significados, à medida que se associava a diferentes práticas sociais. Muitos desses significados e práticas representaram uma novidade na história política recente e uma ampliação da abrangência do que é considerado como fazendo parte dos direitos dos cidadãos na sociedade brasileira.
Riqueza, consumo, trabalho, progresso: eis aí os temas principais da economia política que estão associados na mente humana à noção de felicidade. Podem estar associados de maneira positiva ou negativa, mas aí estão, desde que a vida ativa e não contemplativa, a ordem natural e não a ordem divina, a ordem burguesa e não a ordem feudal, passaram a reger os destinos humanos, isto é, desde a Idade Moderna.
Resumo
A economia política, a partir dos clássicos, sempre esteve impregnada de um filosofia moral que propõe a felicidade e a liberdade como objetivos viáveis da sociedade humana. A corrente liberal clássica ia em busca da “felicidade geral” ou do bem comum, o que se conseguiria pela liberdade do mercado e dos contratos, em que os interesses egoístas conduziriam, por meio da competição, à harmonia da “mão invisível”, ao equilíbrio da ordem natural ou ao interesse comum do contrato social.