A prosa de Canaã está longe da neutralidade da prosa de código civil postulada por Stendhal como a mais conveniente aos propósitos especulares do romance. Trata-se, antes, de uma prosa trabalhada, onde não é difícil distinguir o ornamento da substância ornada. Nisto, Canaã é bem um livro de época, daquela época de “transição ornamental” a que se referiu David Salles ao lhe estudar um dos autores típicos, Xavier Marques, muito embora o corifeu, em matéria de ornamentalismo, fosse reconhecidamente Coelho Neto.
Resumo
A função decorativa de numerosos lances de Canaã se deixa ver na circunstância de eles nada acrescentarem de efetivamente substantivo à narrativa, seja no que respeita ao “desenrolar dos fatos”, seja no que respeita à “vida interior das personagens”, para repetir as palavras com que Alfredo Bosi caracterizou o ornamentalismo belle époque de Coelho Neto. Mas nem por isso se pode dizer que tais lances decorativos sejam supérfluos na economia ficcional de Canaã. Eles ali funcionam como nexos de mediação — mediação de índole simbólica, já se vê — entre o mundo exterior dos acontecimentos e o mundo interior dos protagonistas. Nesse mundo exterior, a paisagem é uma presença constante, quase se diria obsessiva.
Resenhas de “A dinâmica da Inflação, de Antonio Kandir. Nobel, 1989, 144 pp.” (Paulo Renato Souza), “Nas malhas da Letra, de Silviano Santiago, Companhia das Letras, 1989, 235 pp. (José Antonio Pasta Jr.) e “Segredos internos, de Stuart B. Schwartz, Companhia das Letras/CNPq, 1988, 474 pp.” (Francisco de Oliveira e Luiz Felipe de Alencastro).
Quando manuscritos de “O Espelho de Morse”, de Simon Schwartzman, caíram sobre mim mandados de várias direções, lembrei-me de uma anedota contada a respeito do poeta Vicente Huidobro. Como conta Guillermo Sheridan, “…en ocasión de que un crítico le regresó a Huidobro un ejemplar de una revista alegando que no estaba de acuerdo con nada de lo que ella decía, Huidobro le contestó: ‘No me mande la suya, porque estoy de acuerdo en todo lo que dice'”.
Resumo
Houve um tempo, talvez, em que as nossas visões foram mais afins, como em 1973-75, quando ele e dois outros cientistas sociais brasileiros participaram de um comitê que supervisionou as minhas atividades como conselheiro de programas do escritório da Fundação Ford no Rio. Ou quando no seu São Paulo e o Estado Nacional (1975) ele me concedeu algumas palavras gentis.
As transformações em curso na URSS fundam-se na tomada de consciência, pelo grupo dirigente atual, de que o sistema econômico e social adotado pelo país encontra-se em estado de exaustão. Esse sistema tem sido inapto para traduzir o esforço de acumulação e o avanço da técnica, realizados no próprio país, em efetiva melhoria das condições de vida da massa da população, na qual são evidentes os sinais de frustração e decepção.
Resumo
Existe clara percepção de que a corrida armamentista causou considerável dano ao país, tanto porque absorveu grande parte da capacidade de investimento, como porque impôs uma orientação unilateral à criação tecnológica, isolando-a das atividades propriamente econômicas. Afirma-se, presentemente, que a simples destruição das armas nucleares
envolve um custo considerável, o que postergará no tempo a efetiva liberação de recursos permitida pela melhora nas relações internacionais.
Na edição do outono de 1939 da Partisan Review publicou-se um artigo de Clement Greenberg intitulado “Avant-Garde and Kitsch”. Seguiram-se quatro edições para que, em julho-agosto de 1940, surgisse um outro ensaio abrangente sobre a arte moderna, “Towards a Newer Laocoon”. Estes dois artigos, creio, fundamentam a atividade posterior de Greenberg como crítico, e delineiam os aspectos mais importantes de uma teoria e de uma história da cultura considerada a partir de 1850 – a partir, poderíamos dizer, de Courbet e Baudelaire.
Resumo
Greenberg republicou “Avant-Garde and Kitsch”, sem procurar amainar sua hostilidade mordaz frente ao capitalismo, na abertura de sua coletânea de ensaios críticos, Art and Culture, de 1961. “Towards a Newer Laocoon” não foi republicado, talvez porque o autor sentisse que os argumentos ali apresentados se tornariam mais efetivos em alguns de seus trabalhos posteriores, mais específicos, incluídos em Art and Culture, como os ensaios sobre “Collage” ou “Cézanne”, por exemplo, ou os breves parágrafos sobre “Abstract, Representational, and so Forth”.
Segunda-feira de manhã fui de São Paulo a Alcantis pela estrada entupida de fábricas, trevos de acesso às cidades e cartazes que anunciavam produtos inúteis, para encontrar o Souza às oito e meia da manhã como combinado. Anos atrás a mesma estrada – que já tinha duas pistas – ainda percorria alguns pastos e plantações. As cidades eram menos cretinas, não havia o paliteiro de edifícios que nelas cresceu. Poemas – de Rubens Rodrigues Torres Filho e Antônio Lizárraga
Resumo
Por aqui, já me tinham dito, o calor é muito forte. Não sei se o colega notou como é bem mais quente do que São Paulo, apesar de estarmos perto e da altitude ser pouco menor. 580 metros? Tem razão, tinha me esquecido. Tenho minhas anotações de campo em ordem, mas como a gente começa o nivelamento a partir de uma RN arbitrária (e o que é uma Referência de Nível aqui senão uma cabeça de prego numa estaca de madeira?), a cota 100 que assumimos faz esquecer que 100 é na verdade 580 acima do nível do mar, não é?
Novamente, raiva e tristeza. Outra vez, esperanças frustradas e uma crise que, em muitos aspectos, é pior que as muitas e muito graves por que passamos. Não vou dar detalhes dela – eles são amplamente conhecidos. Além do mais, qualquer dado corre o risco de perder a atualidade, dada a alucinante velocidade com que a crise se precipita.
Resumo
Durante vários dias a Argentina foi um país sem moeda; mesmo aqueles que, nesta economia dolarizada, quiseram trocar seus dólares não conseguiram, já que não havia uma equivalência entre dólares e austrais evaporados. Um Estado sem moeda foi complementado por um Estado sem capacidade de coerção. Para conter os saques foram chamadas as polícias provinciais. Alguns de seus membros deram vazão a suas inclinações assassinas, atirando para matar contra os saqueadores; outros, não menos miseráveis que esses, assistiram passivamente seus vizinhos trazer comida para casa.
No início de 1848, às vésperas da revolução européia, publicaram-se em Londres, com um intervalo de poucas semanas, dois textos antitéticos. Um era o Manifesto Comunista de Karl Marx e Friedrich Engels. O outro era Principies of Political Economy, de John Stuart Mill. O primeiro fazia a famosa declaração de que o espectro do comunismo rondava a Europa e em pouco tempo haveria de apossar-se dela. O segundo, valendo-se da mesma linguagem com uma dose um pouco menor de segurança, só que no sentido inverso, descartava as experiências socialistas como pouco mais que quimeras que jamais assumiriam forma real enquanto substitutos viáveis para a propriedade privada.
Resumo
Hoje, essa antítese não apresenta maior surpresa para nós. Há muito o liberalismo e o socialismo são vistos convencionalmente como tradições intelectuais e políticas antagônicas; há boas razões para tanto, considerando-se a aparente incompatibilidade de seus pontos de partida teóricos — individual e social, respectivamente — e a efetiva crônica dos conflitos, muitas vezes mortíferos, entre os partidos e movimentos inspirados por um e outro.
No presente, tornou-se trivial afirmar o parentesco da linguagem com a psicanálise. A linguagem, depois de Lacan, passou de meio pelo qual opera a prática analítica para a razão de ser da descoberta de Freud. O que antes ninguém parecia ter visto hoje parece evidente a todo mundo.
Resumo
A noção lacaniana do “inconsciente estruturadocomo uma linguagem”, uma vez criada, suscitou grandes discussões, dentro e fora da psicanálise. De adesões incondicionais a oposições sistemáticas — cito como exemplos destas últimas os interessantes trabalhos de Viderman (1970; 1977) e de Laplanche (1980a; 1980b; 1980c; 1981) — a noção foi sendo aceita e converteu-se numa das idéias mais férteis já imaginadas por um psicanalista.
Os países de industrialização recente (NICSa) desafiaram a divisão internacional de trabalho tradicional em vários setores, exportando com sucesso aço, petroquímicos, automóveis, produtos eletrônicos de consumob avançados e até aviões de passageiro. O ingresso em atividades mais projeto-intensivas aumentaria qualitativamente esse desafio, mas os NICs enfrentaram dificuldades para ingressar em setores nos quais a vantagem competitiva depende basicamente de projeto e de marketing.
Resumo
Até agora, os NICs só obtiveram sucesso competitivo na produção de computadores “commodity”c, clones que reproduzem com exatidão arquiteturas de computador padronizadas
e são vendidos com base na competição de preços, exatamente como aparelhos de TV e videocassetes. Quando alguns NICs (Brasil e Índia, por exemplo) projetaram grandes computadores, sua relação preço/desempenho não foi competitiva internacionalmente. Nenhum NIC desenvolveu um computador projetado nacionalmente, em condições de competir no mercado internacional, na classe de tamanho onde a arquitetura é protegida por patente num grau suficiente para erguer barreiras à cópia.
Dicotomias como: ser/dever ser, natureza/cultura, guerra/paz, estado/sociedade civil, infra-estrutura/superestrutura, subjetivo/objetivo, público/privado, direito natural/direito positivo – podem desempenhar uma função heurística no processo do conhecimento. Com efeito, a oposição entre os termos de uma dicotomia, baseada na percepção e na capacidade de observar e descrever diferenças, ajuda a iluminar e organizar uma realidadecomplexa desde que não leve a esquemas conceituais simplificadores.
Resumo
A dicotomia legitimidade/ilegitimidade tem se revelado fecunda no estudo do inter-relacionamento entre a política e o direito pois permite destacar a importância e a presença de valores neste inter-relacionamento. No âmbito do sistema internacional, porque o poder está distribuído individual e desigualmente entre os seus protagonistas, o papel da política
e dos valores na formulação e na aplicação das normas do Direito Internacional aparece de maneira muito explícita.
Chamo pelo interfone. Me convida a subir. Ao sair do elevador, quase nos esbarramos. Ele me espera no patamar. Vamos ao seu escritório. Sento em um pequeno sofá diante de sua mesa de trabalho, enquanto ele senta em um banquinho, meio de lado para mim. Já assumiu a posição que lhe é familiar, quando, sentado, fica sem fazer nada: uma perna cruzada sobre a outra, o queixo sobre a mão, as costas curvadas, os olhos fixos no chão.
Poemas de Antônio Lizárraga (I; II) e Rubens Rodrigues Torres Filho (Proverbial; Imagem)
O discurso de Nicholas Brady, secretário do Tesouro dos EUA, em 10 de março, no Bretton Woods Committee, em Washington, sinalizou uma possível mudança no tratamento da questão da dívida externa dos países em desenvolvimento, revitalizando a expectativa de que uma solução de caráter mais substancial deste problema possa estar mais próxima.
Resumo
Em sua apresentação, Brady deu bastante ênfase aos elementos de continuidade da nova proposta em relação ao Plano Baker. Embora estes sejam importantes, como será discutido mais adiante, alguma desvalorização do estoque da dívida realmente representa um elemento de ruptura com os esquemas anteriores de gestão do problema da dívida.
Os desequilíbrios contemporâneos nas economias devedoras têm sido frequentemente associados a problemas de ajustamento. A idéia básica é terem essas economias tentado crescer além de suas possibilidades, ou seja, além do que permitiria sua capacidade interna de poupança. O endividamento externo teria sido uma solução temporária mas insustentável.
Resumo
A proposta subjacente às recomendações de ajustamento é a volta ao caminho do crescimento equilibrado. A responsabilidade e austeridade permitiriam ao mesmo tempo servir a dívida passada e, no longo prazo, candidatar-se novamente aos créditos voluntários dos bancos internacionais.