Caio Prado Jr., o grande historiador da dominação do capital mercantil no Brasil desde o período colonial, recusou-se a reconhecer a emergência do capital industrial no Brasil a partir dos anos trinta. Em seu memorável ensaio de 1965, A Revolução Brasileira, escrito, portanto logo após o golpe de Estado de 1964, ele reafirmou de maneira dramática a perfeita continuidade do capitalismo mercantil no Brasil. Esse ensaio foi a base teórica de uma interpretação equivocada porque ressentida sobre o Brasil que denominei “interpretação funcional-capitalista”.
Resumo
Neste trabalho pretendo fazer a análise da crise política brasileira atual a partir das categorias do capital mercantil e do capital industrial. Começarei por uma rápida definição da crise atual do Brasil, da crise da Nova República. Em seguida retornarei aos conceitos de capital mercantil e capital industrial e discutirei a aplicabilidade desses conceitos ao Brasil. Estarei então em condições de rever a análise de Caio Prado Jr. do permanente caráter mercantil da economia e da sociedade brasileiras, que deu origem, após 1964, à “interpretação funcional-capitalista” do Brasil.
Nada há que espantar nos deva nesta série de rebeliões que desde a época de nossa independência até hoje têm arrebentado nas províncias do Império. Os povos livres, e os que procuram ser, se removem continuamente, ambiciosos do bem sonhado, e impacientes do que lhe escapa; mas ativa e vertiginosa é sua vida, e sujeita às alterações provenientes do exaltamento das idéias; além de que vivemos em época de transição, em que pensamentos de reformas são os que ocupam o espírito humano.
Resumo
O caráter transitório do tempo e a convicção de sua instabilidade de tal modo sobrenós tem operado que, nas nossas dúvidas, em contínuas expectativas e malogradas experiências, quase que perdemos a fé do futuro. Se porém, aos olhos do filósofo, tais acontecimentos, conseqüências legítimas de princípios conhecidos, facilmente se explicam, o mesmo não sucede ao vulgo, a quem se apresentam os fatos desligados de suas verdadeiras causas, supondo assim outras, e muitas vezes exagerando aquelas que lhe embute a perversa política dos partidos; e essa mesma falsa política do tempo gerada em cabeças ambiciosas e dominadas pelo espírito efêmero da época, tem propagado o ceticismo, e impelido o Brasil no desfiladeiro das rebeliões.
Julia chega em casa do trabalho. Tarde de sábado. O marido ficou tomando conta das crianças. Na cabeça de Julia: “O bebê vai começar a chorar… ele já devia ter dado a chupeta pro nenê dormir”. A criança não está chorando, ainda. Julia pergunta: “Cadê a chupeta?” e o marido: “No berço”. Já está nervosa. Não acha, procura pelos cantos da casa de poucos cômodos e nada… Julia: “Você perdeu a chupeta…” e ele: “Não, está no berço”. Ela dá um berro, procura um pouco mais, volta para o berço e encontra a chupeta. E ele: “Você devia procurar direito, antes de berrar…”. E ela: “Vai à puta que te pariu”. E tudo começa.
Resumo
Julia está nervosa, brava de ter que fazer algo que cabe ao marido — do seu ponto de vista: trabalhar para trazer dinheiro para casa ou cuidar direito dos filhos. Regina tem todo o direito de gostar de Yoko Ono e seu marido é machista. Mas existe algo que perpassa essas cenas além do conteúdo das réplicas, além do motivo da briga. Ter que procurar a chupeta, dizer que gosta da Yoko são a origem de um diálogo conflitivo — com réplicas ordenadas. Falam disso para dizer outra coisa: a irresponsabilidade do marido de Julia, o machismo do de Regina. E, da parte dos maridos: querer tudo a seu modo, como Julia; identificar-se com mulheres “liberadas”, como Regina.
Nossa bruxuleante curiosidade filosófica, como é sabido, sempre viveu à mercê das marés ideológicas da metrópole, literalmente a reboque dos vapores da linha da Europa, como diziam os desaforados desde os tempos de Silvio Romero. Ora, a partir da viagem do Mendoza, em fevereiro de 1935, navio misto da Compagnie des Transports Maritimes, que trazia a bordo o jovem normalien Jean Maugüé (vinha substituir seu compatriota Etienne Borne, primeiro professor responsável pelos cursos de Filosofia da nova Faculdade), principiamos a importar, peça por peça, um Departamento Francês de Filosofia, quer dizer, juntamente com as doutrinas consumidas ao acaso dos ventos europeus e dos achados de livraria, a própria usina que as produzia em escala acadêmica. Uma reviravolta decisiva em nossa malsinada dependência cultural.
Resumo
Para um intelectual europeu desembarcado, era automático, e fatal para nós, o cotejo vexatório entre o inveterado filoneísmo dos nativos e os hábitos mentais fixados pela regularidade da evolução de conjunto da cultura européia, confirmando de viva voz a disparidade, que pesava na consciência dos brasileiros cultivados, entre a “tenuidade nacional” e a “densidade européia”, para usar o par antitético cunhado por Gilberto Amado.
Este trabalho tem duas limitações. A primeira é que foi escrito “do Brasil”. A segunda é que as observações sobre as ciências sociais na América Latina só têm valor se consideramos a produção das ciências sociais como um conjunto e não como unidades separadas; pois individualmente encontraremos esforços científicos importantes na história do conhecimento das estruturas sociais do continente.
Resumo
Nos anos sessenta e setenta o Brasil foi para a grande maioria dos estudiosos da América Latina um grande laboratório de transformações sociais. O outro país de referência, Cuba, permaneceu, na região, praticamente inalcançado pelo debate e pelas análises científicas. O Brasil nesse período se configurava como uma ditadura militar que introduzia um forte dinamismo econômico com importantes transformações sociais; era um paradigma de processo de acumulação capitalista. Esta modernização incluiu o próprio conjunto da investigação científica, sendo que o Brasil, sob a ditadura militar, gerou e institucionalizou um conjunto imponente de cursos de pós-graduação e centros de pesquisa nas diversas áreas das ciências sociais.
Este texto é um relatório sobre o estágio atual de um livro que estou tentando escrever. Apresentarei aqui sobretudo o texto abreviado de seu primeiro capítulo, mas, para começar, gostaria de falar-lhes a respeito da concepção do trabalho como um todo – tal como o vejo neste momento.
Resumo
Meu ponto de partida é uma célebre conferência de 1949 do sociólogo inglês T.H. Marshall sobre o “desenvolvimento da cidadania” no Ocidente1. Marshall distinguiu entre as dimensões civil, política e social da cidadania, e, a partir daí, pôs-se a explicar, bem no espírito da interpretação whig da história, como as sociedades humanas mais esclarecidas tinham lidado com essas dimensões uma após a outra, convenientemente concedendo cerca de um século para cada uma dessas três tarefas.
As eleições para as prefeituras, em novembro de 1988, merecem mais que uma comemoração. É mais uma para a caixa: o que pode parecer banalização para os saudosos do autoritarismo, é para as forças sociais e políticas que pugnam por um Estado Democrático de Direitos a forma e o conteúdo do caminho democrático.
Resumo
De um ponto de vista sociológico-político, parece ter havido o direcionamento das eleições pelas grandes cidades. Não apenas a renhida disputa nas capitais, mas o espraiamento dessa “metropolização” em direção a outras importantes cidades. O que é um bom resultado, já que corresponde à demografia da urbanização, e inverte um dos mais tradicionais andamentos da política brasileira a nível municipal: a municipalização das eleições.
Sem a menor cerimônia, chamou Augusto Meyer a correspondência machadiana de “monumento de insignificância”. Tinha inteira razão, do ponto de vista que decidira assumir naqueles anos de 1932, 1933. Um desafio que prolongava, no campo do ensaio, certo revisionismo anti-convencional de modelo ainda modernista: apaixonado corpo-a-corpo com o mago necromante de O Velho Senado. A ânsia de Meyer era então virar pelo avesso o universo desse escritor que o Establishment acabara de transformar numa espécie de mestre amavelmente préanatoliano.
Resumo
Encarada de um ponto de vista objetivo, voltado para o documental, a correspondência de Machado oferece bem mais do que isso de “insignificância”. Momentos de expansão afetiva é verdade que são raros. Registrados em algumas cartas — a Salvador de Mendonça (“meu Salvador de sempre”), a José Veríssimo, a Joaquim Nabuco, a Lúcio de Mendonça — e, num registro mais paterno que fraterno, naquelas endereçadas a Magalhães de Azeredo e Mario de Alencar —, alcançam certa efusão que alguma vez pode ingressar na área da criatividade literária. De modo geral, no entanto, tem sempre razão Augusto Meyer.
O princípio da demanda efetiva afirma que o nível de renda e emprego da comunidade é determinado pelas decisões de gasto dos capitalistas. Estas decisões (dado o estoque de equipamento existente) são tomadas a partir de avaliações efetuadas isoladamente por cada capitalista sobre as quantidades que imaginam vender a um determinado preço (de oferta). O conjunto das decisões de gasto dos capitalistas (e não o seu somatório) determina em cada momento no tempo qual será o nível de renda da comunidade. Portanto o que os capitalistas estão gastando agora na produção de bens de consumo e de bens de investimento (pagamentos de salários nos dois setores) é a renda da comunidade.
Resumo
É importante ressaltar a simultaneidade das decisões de produção nos dois setores para evitar interpretações equivocadas a respeito do multiplicador keynesiano ou dos multiplicadores de Kalecki. Em ambos os autores a idéia de multiplicador busca estabelecer uma hierarquia das decisões de gasto em que as decisões de produzir correntemente bens de investimento determinam o volume que deve estar sendo produzido no setor de bens de consumo (Keynes). Mais importante: esta hierarquia procura estabelecer o tipo de decisão capitalista que é fundamental para a determinação do lucro.
Poemas de Mario de Andrade (Epitalâmio; Rondó do recenseamento) e Carlos Vogt (Jardins)
Nada há que espantar nos deva na irrealidade que impregna a maioria das interpretações sobre a unidade nacional brasileira. O balaio de cocos provinciais atado ao cetro carioca sacudiu-se por décadas, ameaçando se esborrachar nas praias atlânticas, num ribombo parecido com o que ecoava no Pacífico quando implodiam os vice-reinos espanhóis. Entretanto, o processo histórico materializado na unidade mantida do vice-reino português desaparece nas brumas do passado, como se essa questão tivesse sido solucionada de uma vez por todas em 1822, ou melhor ainda, em 1808.
Resumo
A interpretação dominante sobre 1808 — dentro e fora da historiografia brasileira — vê na Abertura dos Portos a substituição mecânica do colonialismo português pelo neocolonialismo britânico, “resolvendo” desde logo o problema da unidade nacional: o agregado colonial brasileiro foi inteirinho tragado pelo leão britânico, não há por que pensar que ele pudera se fragmentar após a Independência. Na outra ponta do século, a interpretação de 1889, influenciada pelas certeiras verrinas republicanas, completa essa visão redutora do Estado imperial.
Contemporaneamente, a discussão acerca do estatuto da imagem ganhou um papel de relevo no processo cultural. Pensada criticamente por alguns e positivamente por muitos outros, ela passou a ser um dos pontos centrais no debate em torno da questão pós-moderna, e perpassa toda uma gama de eventos, da refilmagem de antigos clássicos do cinema às polêmicas sobre a noção de simulacro. No entanto, que imagem é essa? Afinal, o termo adquiriu significados tão diversos através dos tempos que não seria impossível traçar toda uma história dos seus vários momentos.
Resumo
Falando de uma das marcas distintivas dos Tempos Modernos, do.pensamento que se desenvolve sobretudo a partir de Descartes, Heidegger afirma que “onde o mundo torna-se imagem, a totalidade do ente é compreendida e fixada como aquilo sobre o que o homem pode se orientar, como aquilo que ele quer, por conseguinte, trazer e ter diante de si, e com isso, em um sentido decisivo, representá-la (vor sich stellen)”. E a esse movimento corresponde simultaneamente à transformação do homem em “um subjectum em meio ao ente”.
O fenômeno complexo, ou síndrome, da filosofia contemporânea, que eu gostaria de deixar registrado sob o dístico “crítica total da razão”, não pode ser suficientemente caracterizado no início destas minhas reflexões. Posso apenas introduzi-lo na forma de uma afirmação de sua existência e de sua significação sintomática. E talvez possa evocar provisoriamente uma idéia aproximada do que quero dizer, ao remeter-me ao discurso ora em moda sobre o questionamento ou o transcender da modernidade pela pós-modernidade.
Resumo
Sob desafio da crítica total da razão não entendo em absoluto aquelas tentativas de uma autocrítica da razão e, menos ainda, aquelas de uma crítica da forma de racionalidade científica dominante na idade moderna — na modernidade — européia. Desde a Crítica da Razão Pura, de Kant, a autocrítica da razão (na qual a razão figura no genitivus objectivus e no genitivus subjectivus) é reconhecida como reivindicação legítima e até como tarefa permanente da filosofia. E há muito tempo eu mesmo tenho me dedicado à crítica da racionalidade científica dominante na modernidade (no sentido de tornar absoluto o interesse pelo controle axiologicamente neutro dos fatos em função da disponibilidade técnica dos mesmos) — e isso exatamente na linha da filosofia hermenêutica, também em sua origem inspirada por Heidegger
Economia próspera, um alto nível de urbanização, gigantesca afluência imigratória, atraída por salários equiparáveis aos da Europa Mediterrânea: a Argentina da década de 1920 se alucina na própria miragem esplêndida. Para as classes dominantes, até uma arriscada aposta política tinha dado certo: o voto popular voltou a confirmar o Partido Radical no governo, mas na sua feição oligárquica, afastando os desplantes plebeus de Yrigoyen. Culminava assim o que Angel Rama denominou “o maior projeto de sistemática reestruturação de uma sociedade latinoamericana, incluindo como eficaz motor desse plano o transvazamento de uma cultura, de bases européias mas adequada às necessidades dessa dominação”.
Resumo
Aos 46 anos, Ricardo Piglia pode ser considerado o mais arquetípico dos escritores argentinos da sua geração, precisamente porque sua obra se situa em um território de ligação das principais tradições do sistema narrativo dessa sociedade. Jogo de caixas de surpresas, os grandes relatos sociais e suas estratégias de legitimação se entrecruzam em um gigantesco cebolão, deflagram-se encarniçadamente ao se arvorar em regimes de verdade. Esse é o núcleo temático do romance de Piglia, Respiração Artificial. A sociedade como um sistema de espelhos tortos, como labirinto de metáforas: a crítica, a política, a pesquisa histórica, a intriga policial, a memória, as cartas, as utopias.