Faz tempo que o país se acostumou com a idéia da crise econômica. Por mais que a versão oficial tivesse dito, primeiro, que a crise não nos atingiria, depois que ela vinha só de fora, a recessão engolfou tudo.A expressão visível da crise é a dívida externa, mas sua materialidade vai além: é a contração do comércio mundial, o desinvestimento, a luta feroz para ver quem fica com a maior tacada do bolo na época das vacas magras. Tudo isto num contexto de mutação do sistema produtivo mundial, que torna o ciclo recessivo penoso e longo.
Resumo
Vê-se hoje nas grandes cidades o que sempre se viu endemicamente nas zonas da seca e da fome: o saque aos armazéns, a violência dos desesperados e dos revoltados. Pior ainda: no esgarçamento da sociedade notam-se sinais de descolamento entre o social e o político. O autoritarismo gerou um vácuo entre o Estado e a Sociedade. Mas a sociedade civil reagiu e constituiu teias. Os próprios partidos — alguns pelo menos — mergulharam na sociedade. Não chegaram, é certo, a serem delegados dela; mas construíram pinguelas que permitem correr a seiva da reivindicação, como ocorre com a circulação lateral do sangue num coração enfartado.
Não é só o discurso sobre a violência que é escandaloso. Falar da diminuição da fecundidade no Brasil é também entrar em assunto controverso em que os diversos contendores desqualificam, de saída, os argumentos que contrariam suas posições. São visões radicais e incompatíveis. Esta polarização, visível quando se trata de violência urbana ou de planejamento familiar ocorre também em outros campos, quando os problemas do cotidiano são explicados a partir de visões políticas globalizantes nas quais servem mais como apoio para denúncia inflamadas do que como questões que exigiriam uma reflexão analítica.
Resumo
No debate sobre planejamento familiar é preciso medir as palavras. Cada expressão usada será o signo de um complexo ideológico que tem suas raízes na maneira de ver a conservação ou a mudança da estrutura econômica. Estas posições totalizantes, quando cristalizadas, servem de freio à análise e dificultam a leitura dos fatos. Devo dizer que não acredito na neutralidade do pensamento científico e não pretendo defender uma posição de desvinculação política. Entretanto, acho necessário tomar distância para ampliar a compreensão sobre a realidade e estar sempre disponível para a revisão do que já foi dito. No que diz respeito ao planejamento familiar, é tempo de se tentar uma releitura destes discursos com olhos abertos para as novidades que talvez levem a reinterpretações.
Na Nicarágua a luta de classes continua – mas onde? Evidentemente, e num sentido importante, continua nos confrontos militares com as forças contra-revolucionárias e hondurenhas, treinadas e financiadas pelo governo dos EUA. Mas o que está contecendo no front interno? No campo, persiste um amplo e dominante setor capitalista agrícola, mas não há muito conflito: o governo negocia com os agricultores os salários que paga e os preços dos produtos; os trabalhadores, por sua vez, parecem pouco motivados para ações de ruptura. Nas cidades, a maior parte da indústria está nas mãos do Estado e aí também ouve-se falar pouco de conflitos nas fábricas.
Resumo
O que fez com que um dos mais ousados críticos de Somoza (evidentemente, um dos poucos que podiam pronunciar-se naquela época) se tornasse líder da oposição interna à revolução sandinista? A resposta mais comum é que o Arcebispo se identificou com aqueles setores da oligarquia nicaragüense excluídos do poder por Somoza. O governo de Somoza não foi simplesmente uma ditadura, e sim um Estado administrado como negócio particular da dinastia e sua máfia, que utilizaram o poder para excluir a outros do motim.
Quando, em julho de 1980, o Papa visitou a cidade de Manaus durante sua viagem pela América Latina, houve uma pequena mas significativa mudança de protocolo, na última hora. Segundo o programa previsto, os membros de uma tribo indígena da Amazônia deveriam apresentar suas danças ao Papa antes do seu encontro reservado com os representantes dos índios.
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Permitir que o Papa tirasse prazer das danças como mero divertimento seria profanar-lhes o conteúdo sagrado. O Presidente da República tivera uma audiência com o Papa sem antes ter que dançar diante dele. Por que os índios teriam que dançar? À primeira vista, pode parecer uma curiosidade o fato de alguns bispos católicos, encarregados de propagar sua fé, procurarem defender os rituais pagãos da corrupção do seu próprio superior. Mas a mudança de protocolo não foi uma mera deferência às sensibilidades do Terceiro Mundo. Subjacente à modificação da etiqueta, há uma profunda transformação da maneira pela qual a esquerda latino-americana — que inclui muitos dirigentes da Igreja — aborda a questão da cultura popular. E até agora essa transformação passou quase despercebida fora das fronteiras do continente.
Este trabalho procura desenvolver uma perspectiva diferente: no lugar de se pôr no terreno da discussão sobre o “verdadeiro” ou o “falso” marxismo, tenta-se reconstituir a história do marxismo como um processo de construção social de um sistema de conhecimento que funciona dentro de parâmetros políticos e sociais, e que, por razões históricas a serem desvendadas, é constantemente reinterpretado e modificado.
Resumo
Este trabalho procura desenvolver uma perspectiva diferente: no lugar de se pôr no terreno da discussão sobre o “verdadeiro” ou o “falso” marxismo, tenta-se reconstituir a história do marxismo como um processo de construção social de um sistema de conhecimento que funciona dentro de parâmetros políticos e sociais, e que, por razões históricas a serem desvendadas, é constantemente reinterpretado e modificado. Ao invés de definir o marxismo, pretendemos (re)construí-lo como objeto sociológico, mostrando como se formam tendências dominantes que definem o discurso correto e que ao mesmo tempo marginalizam, ou mesmo desconhecem, as outras interpretações que não estão de acordo com a versão dominante.
As utopias seriam o que existe de mais confortável se não fosse um risco de vida. Dos “ismos” do nosso tempo, o feminismo é, talvez, o mais utópico, o mais perturbador, o mais alegre e o mais triste dos projetos de futuro. Resposta aos desencontros de uma época, a que dói mais fundo e de maneira mais secreta, a menos épica mas, talvez, a mais sentida.
Resumo
De dois corpos afogados, Rosa Luxemburg levava nas costas uma bala do inimigo de classe. Virgínia Woolf levava nos bolsos um monte de pedras, por ela mesmo escolhidas. Uma afundou num canal de Berlim, a outra num riacho do jardim da própria casa. Uma fazendo História a outra inventando vidas. Qual das duas morreu mais? Rosa, que queria ser como um homem, deixou cartas do amor carente, dirigidas ao homem que ela não era. Virgínia deixou ao marido e melhor amigo um bilhete curto pedindo perdão pela sua angústia que lhes estragara a vida, vida que desistiria de viver. A androginia de Orlando sobreviveu graças à literatura. Virgínia não.
Diz Breton, no Manifesto do Surrealismo, que o caráter circunstancial e inutilmente particular da prosa de romance tem algo irrisório. E conta a este propósito a declaração que ouvira de Valéry, para quem não tinha cabimento inventar, por exemplo, que a marquesa havia saído às cinco horas. Hoje as artes em sua totalidade correm o risco de se verem confundidas com aquela marquesa. Perseguidas pelo sentimento da irrelevância, procuram endurecer a voz e salvar-se pelo rigor, o que se faz à custa da ficção. Se a disciplina adotada é interna, o trabalho formal é levado a seu extremo, suprimindo o lado veleitário da fantasia.
Resumo
Enquanto isso, noutra raia, que é tudo menos rigorosa, ou que é rigorosa só na exclusão do rigor, ou também cujos rigores são outros, a ficção triunfa em escala colossal. Com os mass-media ela se torna um elemento que é tão indiscutivelmente real e da paisagem quanto a sinalização do trânsito. Mas é em escrúpulos como aqueles de que falávamos inicialmente que está viva a consciência histórica das artes. A estética da ficção é uma questão central de nosso tempo.
Diferenças sensíveis de geração e circunstâncias outras que são parte considerável de nossa vida impediram-me de ser aluno ou amigo pessoal de Sérgio Buarque de Holanda. Mas os muros que as pedras do acaso levantam no meio do nosso cotidiano têm fendas por onde passa o vento do Espírito que, como diz a Escritura, sopra onde quer. Mas os muros que as pedras do acaso levantam no meio do nosso cotidiano têm fendas por onde passa o vento do Espírito que, como diz a Escritura, sopra onde quer. O aluno que eu não pude ser no tempo propício surge no discípulo que eu posso ser em qualquer tempo.
Resumo
A História como o curso dos feitos humanos, a História como res gestae dos nossos antepassados, chamava-o com a força irresistível da sua coralidade. Não por acaso os seus estudos de reconstrução do mundo dos viajantes e cronistas, ou do mundo dos bandeirantes e mamelucos, ou do mundo mineiro e barroco, sempre começam in medias res, como quem já está falando no meio da travessia e no foco das lutas e trabalhos que dão matéria ao seu discurso. Nada de perder tempo com aqueles “prelúdios extravagantes”, de que falava um velho humanista anglicano, o Dr. Bolingbroke, nas Letters on the study of History, de 1751, para esconjurar os ruídos estrídulos e irritantes que precedem aos concertos e servem para afinar os instrumentos, mas que só um ouvido embotado poderia tomar por música.
Em junho os gestores da política econômica do governo Figueiredo decretaram um novo pacote econômico. Entre outras medidas que provocaram maior celeuma estavam a retirada dos subsídios à cana-de-açúcar e ao trigo e a redução do nível de subsídios ao crédito agrícola. A primeira, pelo impacto inflacionário que provocará (o INPC será expurgado do aumento de preços daí decorrentes) e a segunda, pelos protestos de setores do empresariado rural e pelas contradições que gerou no próprio governo (basta lembrar a oposição, ainda que discreta, do Ministro da Agricultura).
Resumo
A importância dada a essas medidas é clara. A retirada dos subsídios ao açúcar e ao trigo representa um rude golpe na política de contenção de preços ao consumidor de dois produtos básicos na cesta de consumo da população de baixa renda. O aumento da taxa de juros para o crédito rural pode ser considerado como o canto do cisne do modelo de modernização da agricultura, adotado a partir do início da década de 70. Estas notas pretendem contribuir para o debate em torno do papel do setor agrícola na solução da atual crise econômica, através da adoção de políticas alternativas.
Este trabalho não pretende avançar nenhuma novidade sobre a relação entre política e gramática, mas apenas divulgar algumas reflexões correntes sobre o tema em certos círculos. O tom do trabalho será, é evidente, político. Para tratar, mesmo que sumariamente, do tema, é necessário antes de tudo conceituar gramática. Ver-se-á que, qualquer que seja a acepção em que se tome este termo, a questão da política lhe está inexoravelmente ligada. Distinguir-se-ão três conceitos correntes, que equivalem a três maneiras de se entender a expressão “conjunto de regras linguísticas”.
Resumo
No sentido mais comum, o termo gramática designa um conjunto de regras que devem ser seguidas por aqueles que querem “falar e escrever corretamente”. Neste sentido, pois, gramática é um conjunto de regras a serem seguidas. Usualmente, tais regras prescritivas são expostas, nos compêndios, misturadas com descrições de dados, em relação aos quais, no entanto, em vários capítulos das gramáticas, fica mais do que evidente que o que é descrito é, ao mesmo tempo, prescrito. Citem-se como exemplos mais evidentes os capítulos sobre concordância, regência e colocação dos pronomes átonos.
Segundo estimativas do Grupo de Conjuntura do CEBRAP, a queda do Produto Interno Bruto oscilará em dezembro próximo entre 2% e 5,2% em relação a 1982. Um prognóstico mais preciso, conforme as previsões dos desempenhos setoriais, apontará uma cifra negativa não inferior a 4%. Se isto ocorrer, a renda per capita brasileira média em 1983 será 12,8% inferior à de 1980. Os números apenas confirmam um diagnóstico já formulado a partir dos mais diversos ângulos e perspectivas: trata-se da mais grave e prolongada crise econômica desde a década de 30. Se a observação da conjuntura permite detectar tendências, os dados mais recentes indicam que a curva recessiva não mostra sinal algum de reversão. Ao contrário, os indícios de que o “fundo do poço” ainda não foi atingido obrigam, em todo caso, a caracterizar com maior precisão o significado da fase atual da crise.
Resumo
O que está em pauta é toda uma tentativa de “reajustar” a economia nacional às exigências de uma reestruturação do mercado mundial comandado pelo capital financeiro e os grandes conglomerados monopólicos: total liberdade de movimentos para o capital externo, desvalorização dos ativos nacionais e da mão-de-obra, eliminação dos mercados cativos, realinhamento da política externa. A competência para levar em frente esta linha de trabalho não pode ser negada (uma das tolices mais generalizadas no último período é falar da política econômica em termos de “incompetência” e “incapacidade técnica”). Trata-se, ao contrário, de sair do âmbito puramente “técnico”, de enxergar o fundamental.