A decisão inédita de adiar o censo demográfico de 1990 para 1991 esteve baseada no atraso com que o governo federal liberou ao IBGE a possibilidade de contratação de 180 mil pessoas, entre supervisores e recenseadores. Como se recorda, naquele momento o discurso oficial era o da não contratação de pessoal e de cortes consideráveis na máquina estatal. Sabia o IBGE que o referido atraso acabaria por reduzir o tempo necessário para a seleção e treinamento de seu pessoal de campo.
Resumo
A nosso ver fez muita falta, naquele momento, uma pressão positiva por parte do Executivo, dos meios de comunicação, da comunidade acadêmica e da sociedade em geral, sobre os órgãos competentes do poder central, para que as condições necessárias fossem garantidas, evitando assim o adiamento do censo. A julgar pelo rebatimento que à época o fato teve na mídia, poucas foram as manifestações de preocupação com a falta do perfil demográfico que o país apresentaria, após uma década de profundas transformações na sociedade brasileira.
O que é a modernidade? Poucos conceitos são tão equívocos, ambíguos e polissêmicos. Para evitar as definições arbitrárias, é preferível ater-se ao sentido corrente – ou seja, ao dicionário… Segundo o Petit Robert, a palavra vem do latim modo, que significa recentemente (1361 é a data de referência originária). O moderno seria portanto tudo aquilo que é “de uma época relativamente recente” ou então “atual, contemporâneo”. Ora, o atual, o recente e o contemporâneo são o movimento mesmo do tempo! O que era moderno ontem é hoje obsoleto…
Resumo
A posição do filósofo alemão Jürgen Habermas em relação à modernidade é confrontada com os diagnósticos de Walter Benjamin, Marx e Weber. Para o Autor, a utopia “neo-racionalista” de Habermas pode significar uma regressão às ilusões liberais do racionalismo do século XIX.
Pode-se também definir a modernidade partindo das análises de Marx e de Max Weber — nas quais se inspira frequentemente a Escola de Frankfurt — que são, se não convergentes, ao menos complementares. Desta perspectiva, a modernidade seria a civilização capitalista-industrial baseada na economia de mercado, no valor de troca, na propriedade privada, na reificação (Versachlichung), na racionalidade instrumental (Zweckrationalität), na quantificação, na legitimidade burocrática, no espírito de cálculo racional
(Rechenhaftigkeit) e no desencantamento do mundo.
A situação taciturna pela qual vinha passando o cinema nacional, agravada sobretudo com a entrada do governo Collor, viveu um vago momento de esperanças por ocasião do lançamento de A Grande Arte (1991) do estreante Walter Salles Júnior. Alguns, mais exigentes, cansados de miragens, sempre seguidas de grandes pasmaceiras, mantinham as suas expectativas cercadas de ceticismo. Parecia haver, todavia, qualquer coisa de diferente agora. Todos já haviam concordado que era preciso extinguir o paternalismo e outras distorções do modelo Embrafilme.
Resumo
Este artigo analisa a fita A Grande Arte (1991) do estreante Walter Salles Jr. a partir da expectativa em torno dela criada em função da fase crítica por que tem passado a estrutura de produção do cinema nacional e das esperanças que se depositam nas novas gerações vindas do vídeo e da TV. Tenta pensar os resultados formais das opções estéticas do filme ao adaptar o romance homônimo de seu roteirista Rubem Fonseca. Em face de um certo desígnio industrial da produção e das inclinações autorais do realizador procura-se identificar as soluções encontradas visando à colocação do produto no mercado internacional. O cineasta esboça um tratamento cool da violência própria do crime organizado, combinando os gêneros policial e suspense, com momentos do de aventuras. Faz deste modo uma incursão pelo que seria o submundo do narcotráfico na América do Sul, calcado no ponto de vista de um estrangeiro, um fotógrafo americano, o que traz à baila o problema da visão exótica.
A exaustão e a impaciência eram explícitas. O governo se portava como uma parede. Na falta de maiores legitimações dos nossos produtos, fossem elas provenientes do público, da crítica1 ou dos meios de comunicação — que a forma de legitimação seja de uma vez, único e absoluto, o próprio mecanismo do mercado! Compreenda-se aí não apenas a bilheteria imediata mas o conjunto da performance econômica e publicitária de cada fase da elaboração do produto.
Crítica do livro “Os Candomblés de São Paulo, a Velha Magia na Metrópole Nova”, de Reginaldo Prandi, São Paulo, Editora Hucitec, 1991.
Entrevista com Frank Zappa
Resumo
A música moderna, o rock, a sociedade de consumo e a indústria cultural são alguns dos temas abordados na entrevista do músico Frank Zappa.
Frank Zappa nunca deixou de contribuir para a ampliação das fronteiras do que é musicalmente aceitável. Embora influenciado por Varèse e Stravinsky, seu desprezo pelo lugar atribuído à música na cultura contemporânea e seu desejo de confrontá-la com a sátira, o humor, a paródia e o sarcasmo nos fazem lembrar muito mais de Satie. A discussão a seguir parte do problema do modernismo na música e logo passa para questões relativas à indústria cultural.
No último volume do “Idiot de la famille”, Sartre descreve as condições de possibilidade da tão intensa recepção de Flaubert pelo público literário burguês do Segundo Império, empenhando-se em responder à questão: “como pôde a loucura de um indivíduo tornar-se loucura coletiva e até raison* estética de sua época?”.
Resumo
Diferentemente do que pretendia Sartre, a produção literária de Flaubert e Baudelaire não constitui apenas um momento de falsa objetividade, da ideologia negativa da segunda metade do século XIX. A partir de uma profunda meditação sobre os acontecimentos da época, Flaubert e Baudelaire estabelecem um jogo sistemático de correspondências entre psique individual e dimensão histórico-social, o que os qualifica a figurar entre os autores de uma “estética antiburguesa”.
O êxito dessa nova literatura se prende à única condição de que o ódio por ela gerado permaneça num plano genérico, intemporal, e não toque no trauma de 1848. De acordo com Sartre, Flaubert e Baudelaire, ao contrário de Leconte de Lisle, puderam tornar-se populares — junto ao público burguês, bem entendido — porque, graças à sua neurose, não se deram conta da Revolução.
Promovendo a partir do Quatrocentos a expansão européia nos outros continentes, Portugal conservou até duas décadas atrás domínio e posse sobre vastos territórios e populações da África. Cinco séculos e meio de história ultramarina aparecem portanto marcados pela longa continuidade e brusca derrocada da experiência africana, cujas reverberações ainda atravessam a sociedade contemporânea portuguesa.
Resumo
Depois da descolonização da África portuguesa, o luso-tropicalismo perdeu seu factício embasamento transcontinental e se reinseriu no contexto social brasileiro. Desde logo o luso-brasileirismo deve ser repensado à luz dos impasses da experiência portuguesa em Angola.
O tempo histórico do luso-tropicalismo foi o do século dos Descobrimentos. Até meados do Quinhentos a influência cultural portuguesa no Brasil se espraia através de dois eixos distintos. O primeiro engloba os fluxos diretos de homens e mercadorias entabulados entre a metrópole e os portos sul-americanos. O segundo eixo, propriamente luso-tropical, articula áreas cada vez mais extensas do território brasileiro ao sistema de produção colonial irradiado a partir das ilhas portuguesas no Atlântico.
Quem vai trabalhar com histórias de vida, biografias, depoimentos orais, procedimento hoje tão corrente nas Ciências Humanas, tem a impressão inicial de que a experiência que se desenrola no tempo dispõe de um caráter infinito.
Resumo
O presente artigo busca entender como se dá a percepção quotidiana e o processo de formação do estereótipo. Os padrões reiterados socialmente podem interceptar as informações no seu trajeto rumo à consciência, causando estreitamento do campo mental. Analisa do ponto de vista fenomenológico como se forma a falsa consciência, como convivemos com ela e quais são os caminhos de saída e de conquista de uma percepção mais livre na procura do conhecimento.
Os momentos vividos publicamente possuem entre si interstícios da existência privada ou de um quotidiano que corre incessante na biografia. Quotidiano que frequentemente transborda do seu leito, rompe barragens e confunde a vida íntima com os eventos históricos.
A idéia de apresentar uma amostra de tradução de Freud, aqui representada pelo texto “Luto e Melancolia”, responde a uma dupla finalidade: oferecer uma tradução desse texto a partir do original alemão – tradução que neste sentido é inédita em português (a versão da Ed. Imago foi realizada a partir do inglês) – e abrir um espaço para a discussão da questão da tradução de Freud no Brasil.
Resumo
A notável irresponsabilidade na tradução dos escritos de Freud no Brasil motivou Marilene Carone a se empenhar na retradução de sua obra, projeto que lamentavelmente não pôde concluir. A tradução aqui apresentada de “Luto e Melancolia” é um exemplo de como Marilene Carone conseguia fazer Freud “falar português”.
Na literatura psicanalítica mais recente vem aumentando o número de trabalhos publicados sobre a vasta problemática que envolve a tradução de Freud. A maioria dos estudos publicados nos últimos anos tem se focalizado numa análise da versão inglesa Standard Edition mostrando, neste caso particular, o quanto ela foi norteada pela concepção pessoal de James Strachey a respeito da teoria psicanalítica, e trazendo à tona seus conceitos (e preconceitos) teóricos e seu gosto pessoal em matéria de estilo e linguagem científica.
O estudo dos temas messiânicos em Cristóvão Colombo foi renovado, no último quarto de século, notadamente pelo pe. de Leturia, Salvador de Mariaga, e Marianne Mahn-Lot.
Resumo
Alain Mihlou discute três aspectos ligados à figura de Cristóvão Colombo — a ligação entre a empresa asiática de Colombo e a reconstrução de Jerusalém; o significado de sua vontade de se colocar enquanto leigo providencial em face da hierarquia eclesiástica; a influência que sobre ele exerceram textos proféticos — para esclarecer a importância do messianismo na trajetória do Descobridor.
A rendição de Granada data de 2 de janeiro enquanto as capitulações foram assinadas somente no dia 17 de abril, em Santa Fé e não em Granada, antes de receber a confirmação em Granada no dia 30 de abril; entre 2 de janeiro e 17 de abril houve tempo para que se produzisse a derradeira ruptura entre Colombo e os Reis, cuja história é bem conhecida. Por outro lado, a medida de expulsão dos judeus só foi tomada em 31 de março6. Eis o que pôde dar lugar a muitas das glosas por parte dos historiadores.
Este ensaio reúne algumas reflexões preliminares sobre os mecanismos e políticas de financiamento das religiões mundiais contemporâneas; o caso em questão é a Igreja Católica Romana e o período em análise é, na maior parte, o papado do papa João Paulo II (de 1978 até o presente).
Resumo
O Autor analisa o inter-relacionamento entre políticas e mecanismos de financiamento e estratégias ideológicas da Igreja Católica Romana, que vive hoje a pior crise financeira que já teve de enfrentar neste século.
A perspectiva é a de ‘”sistema mundial’ moderno” de Immanuel Wallerstein. Em sua análise, as religiões não se situam, basicamente, nem na divisão do trabalho nem nos sistemas estatais, os dois focos fundamentais de sua radical reconstrução histórica. Elas constituem, antes, ainda um “terceiro eixo” segundo o qual se dedicam a moldar a ordem mundial, ora em competição, ora em cooperação com atores ancorados em todos os três eixos.
Em 1987, Júlio Lobos, analista de relações trabalhistas e consultor sindical de empresas, afirmou que é impossível às lideranças sindicais sustentar por muito tempo, no Brasil, um discurso apolítico e apartidário como orientador da ação sindical.
Resumo
Este artigo procura delimitar as condições de fundo que possibilitaram a emergência do ator político Força Sindical segundo uma determinada feição, a partir da análise da trajetória de Luis Antônio de Medeiros. O Autor mostra como alguns condicionamentos estruturais relativos ao padrão histórico de incorporação dos trabalhadores na sociedade brasileira, associados a uma conjuntura de aguda crise econômica e de crise dos sistemas representativos durante o governo da “Nova República”, vedaram o caminho pragmático que o discurso de Medeiros prescrevia como meta de um sindicalismo posto por ele como “moderno”. O próprio discurso pragmático daquele sindicalista mostrou-se fortemente político, pois incidiu num cenário dominado pela CUT, e em que as forças no comando da transição estavam em busca de interelocutores no meio sindical para um controle pactuado da crise econômica.
Pretendo argumentar aqui que alguns condicionamentos estruturais relativos ao padrão histórico de incorporação dos trabalhadores na sociedade brasileira, associados a uma conjuntura de aguda crise econômica e de crise dos sistemas representativos durante o governo da “Nova República”, vedaram o caminho pragmático que o discurso de Medeiros
prescrevia como meta de um sindicalismo posto por ele como “moderno”. Muita água correu entre o ponto que analiso e a criação da Força Sindical. Mas sustento que ela é resultado 3 de desdobramentos cujos pressupostos procuro fundar neste artigo.
“Ciências Sociais” e “Ciências Humanas”, ou humanidades, são expressões quase sinônimas em nosso meio. No entanto, elas têm sentidos distintos em seu ambiente de origem, na Europa, e o fato de parecerem intercambiáveis talvez explique algo de nossas atuais dificuldades.
Resumo
O ensino de graduação em ciências sociais e humanidades passa por momentos de perplexidade, na USP e fora dela, sendo bastante razoável indagar se parte da solução não estaria na busca de uma interdisciplinaridade efetiva entre as diversas linhas de trabalho que hoje coexistem sob esta denominação tão geral. O autor trata desta questão de quatro pontos de vista. Em primeiro lugar, há uma discussão sobre o que são as “ciências sociais” e as humanidades; em segundo lugar, este tema mais geral é ligado ao contexto da Faculdade de Filosofia da USP, em uma perspectiva histórica. Em terceiro lugar, há uma discussão sobre a questão da interdisciplinaridade; finalmente, são feitas algumas conexões entre a questão da interdisciplinaridade e a discussão sobre as perspectivas futuras da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
Na tradição européia, a separação entre “humanidades” e “ciências” correspondia, essencialmente, à divisão entre o “trivium” (gramática, retórica e lógica) e o “quatrivium” (geometria, aritmética, música e astronomia), que formavam as sete “artes liberais” cujo estudo precedia a educação para as profissões universitárias, o direito, a teologia e a medicina. Com o tempo, o campo das humanidades se ampliou com o estudo da filosofia, da literatura e da história, enquanto as ciências se ampliaram pela incorporação da biologia,
da física e da química.
Vamos tomar como ponto de partida o estudo de Antonio Candido sobre O Cortiço. Redigido nos anos 70, foi publicado inicialmente em duas versões parciais, com propósito de dar lastro local a debates sobre método. Na primeira tratava-se de apontar o limite próprio, a dimensão que escapa às leituras estruturalistas em voga. Na outra, o Autor queria demonstrar pelo exemplo a legitimidade e até a necessidade do trânsito entre análise estética e reflexão histórico-social, um vaivém de esquerda, que entre os atualizados com as tendências francesas e norte-americanas era tido como um equívoco metodológico, atentatório à liberdade em arte.
Resumo
O estudo de Antonio Candido sobre O Cortiço vai por um caminho próprio, que foge muito ao que a Teoria Literária recente recomenda. Roberto Schwarz procura apontar e comentar esta originalidade, com as suas implicações críticas e as vantagens que ela comporta.
Contra a idéia pré-moderna (mas afinada com a mídia) da procriação das obras pelas obras, numa espécie de vácuo social, sem referência a realidades extra-textuais, o argumento de Antonio Candido nos mostra o reaproveitamento de assuntos e formas no campo de gravitação de outra experiência histórica, a qual incide e pode revitalizar ou estragar um modelo, transformando-o com ou sem propriedade, e em todo caso teleguiando a sua reorganização e imprimindo-lhe algo de si.
Na década passada, a questão do desemprego ganhou importância considerável no Brasil. Como em toda economia crescentemente industrializada e urbanizada, a recessão gerou desemprego. No início dos anos de 1980, o emprego formal (emprego com registro em carteira) declinou de modo acentuado nos maiores centros urbanos, criando um “problema de desemprego” agudo e visível. O aparecimento desse problema resultou tanto do nível de perda de emprego no setor formal, como do tipo de trabalhador desempregado no período.
Resumo
Este artigo examina criticamente os conceitos de desemprego utilizados na PME e na PED, discute a evolução do conceito de desemprego no Primeiro e no Terceiro Mundos e analisa as razões econômicas, sociais e políticas que tornam a taxa de desemprego difícil de ser medida em cidades como São Paulo.
A recessão que começou em 1981 teve características que alçaram o desemprego à condição de problema social e político. Concentrado nas indústrias de bens de capital e de bens de consumo duráveis, na industrializada região Sudeste, e sobretudo na Região Metropolitana de São Paulo, seus primeiros efeitos se fizeram sentir no setor metalúrgico, de importância política estratégica. Desde 1978 na linha de frente da militância sindical e habituados a salários relativamente altos, acrescidos de benefícios indiretos, os metalúrgicos viram-se defrontados com o desemprego em massa.
Não é fácil para um crítico brasileiro escrever sobre uma comédia seiscentista que se desenvolve toda ela dentro do âmbito do teatro espanhol, desde a língua empregada até os moldes conceituais e artesanais em que foi concebida e executada. Acontece, no entanto, que tal peça, entre as poucas até então escritas no Brasil, foi a primeira a sair editada em livro, ao lado de outra do mesmo autor. Essa prioridade, se não lhe assegura de antemão um lugar de destaque na literatura, e talvez nem mesmo no teatro nacional – é o que se vai discutir com mais vagar -, impõe-se, de qualquer forma, com a obstinação dos marcos históricos, que se pode contornar, não ignorar.
Resumo
A comédia setecentista “Amor, Engaños, y Celos” foi a primeira peça escrita no Brasil a ser publicada em livro, impondo-se, portanto, como marco histórico. Entretanto, por ser toda ela desenvolvida dentro do âmbito do teatro espanhol, torna-se problemática sua inserção na literatura e até mesmo no teatro brasileiro.
Situado em linhas gerais o poeta, voltemo-nos para o comediógrafo. O teatro não parece ter sido uma de suas preocupações centrais — e seria espantoso que o fosse, considerando-se a realidade cênica da época, não apenas no Brasil mas inclusive em Portugal. Entre os autores que cita, só Lope de Vega distinguiu-se como homem de teatro.
Na terceira de suas Cartas Filosóficas sobre o Dogmatismo e o Criticismo (1795) – que contêm uma interpretação precoce e penetrante da filosofia crítica de Kant – Schelling propõe uma tradução, à primeira vista surpreendente, da famosa pergunta: – Como são possíveis os juízos sintéticos a priori?
Resumo
Analisando o conceito de “síntese”, considerado central na Crítica da Razão Pura de Kant, o jovem Schelling conclui que esse conceito envolve necessariamente a exigência pelo incondicionado (fundamento, unidade) — que pode ser interpretado seja como não-eu absoluto (dogmatismo) ou como eu absoluto (criticismo). Só assim é possível uma filosofia completa (não simples prolegômeno) e com unidade (eliminando o “fosso” entre razão teórica e prática). Teoricamente indecidível, toda filosofia exige, assim, a responsabilidade de uma decisão (proairese), para além do “território da síntese” (a “experiência” de Kant). Com essa exigência o pós-kantismo procura preservar a positividade da existência, fora dos limites do conhecimento entendido como theôria.
“Toda filosofia”, aqui, tem o sentido de: a filosofia, qualquer que ela seja, independentemente de sua opção por um não-eu absoluto (dogmatismo) ou por um eu absoluto (criticismo) como princípio e ponto de partida. Quer seja o não-eu ou o eu o objeto de uma escolha absoluta — e a qualquer desses dois pólos se atribua uma positividade plena (uma existência originária) —, os antagonistas irão encontrar-se em um ponto comum: o problema da síntese.
Oscar Niemeyer voltou à ribalta, nestes últimos três anos. Em fins de 1987, a UNESCO incluiu Brasília entre os bens culturais considerados como “patrimônio da humanidade”. Em maio de 1988, foi contemplado com o prêmio Pritzker de arquitetura. O governo espanhol lhe concedeu uma honraria (prêmio Príncipe das Astúrias), bem como o Royal Institute of British Architects. Ganhar prêmios, numa carreira que ultrapassa meio século de atividade, não constitui novidade para o arquiteto brasileiro. Mas é interessante chamar atenção, para iniciar nosso ensaio, para a repercussão que cercou as recentes premiações.
Resumo
Oscar Niemeyer, o mais conhecido e prestigiado arquiteto brasileiro em atividade, foi qualificado trinta anos atrás como um “anti-racionalista pós-moderno”. A repercussão de sua obra nos anos 50 e 60 e em tempos recentes no mundo e o influente conjunto de textos que ele publicou são resgatados e analisados no ensaio, revendo questões como a posição de Niemeyer no quadro da arquitetura dita “racionalista” de meados do século XX e as raízes do polêmico formalismo atribuído ao arquiteto.
Uma polêmica conferência de Pevsner no Royal Institute of British Architects em fevereiro de 1961 introduziu o termo pós-moderno em uma de suas várias interpretações. Nessa fala o crítico e historiador anglo-saxão assinalava uma tendência observada pouco antes da II Grande Guerra e que julgava “um dos menos atraentes desenvolvimentos da arquitetura recente”.
Wittgenstein ocupou-se com a problemática dos estados “f” desde que recomeçou a filosofar no ano de 1929. Nessa época, ele defendeu primeiramente uma posição solipsista, como também já o fizera no Tractatus. Não abordarei essas etapas prévias de sua posição posterior e indico como orientação P. Hacker, Insight and lllusion, caps. 4 e 7. A ruptura para a posição posterior aconteceu no Blue Book, que data dos anos 1933-4.
Resumo
Tugendhat, neste artigo, expõe a sua interpretação da crítica de Wittgenstein à concepção de uma “linguagem privada”. O objetivo de Wittgenstein é superar o solipsismo. Após mostrar a lógica da dissolução interna do realismo levada a cabo pelo solipsismo, Tugendhat explica o que Wittgenstein quer dizer com uma linguagem privada e de que modo a pressuposição inicial do realismo e do solipsismo consiste na aceitação de uma linguagem privada. Com isso, parece estar justificada a interpretação de um problema epistemológico, o do conhecimento dos estados internos de uma pessoa, como um problema semântico, o do significado das palavras para esses significados.
Há, contra essa concepção, as conhecidas objeções céticas, que Wittgenstein sublinha no Blue Book. Como é que eu sei que o outro, quando percebe objetos que percebo como vermelhos, tem a mesma sensação de cor que eu? Uma vez que aqui se começa a duvidar, onde então se terminará? Sei realmente que o outro tem em geral um estado interno ou apenas creio nisso? E se eu apenas creio nisso, não devo então deixar em aberto que sou o único que tem estados internos?