Resumo
A Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência incorporou-se, definitivamente, à agenda dos acontecimentos mais importantes do ano no Brasil. Nascida do compromisso de intelectuais com a liberdade e a excelência acadêmicas, foi a partir dessa insubstituível matriz que sua reunião anual alçou-se à condição de um amplo e arejado fórum de discussão dos problemas nacionais, de um compromisso maior com a Liberdade e a Excelência da vida política, econômica, social e cultural da nação.
Apesar de uma espécie de “consciência culpada” frequente entre os intelectuais, a verdade é que os novos caminhos da sociedade brasileira, a denúncia da iniquidade do regime em toda sua dimensão e o anúncio da possibilidade da construção de uma nova sociedade e da modificação do Estado, enfim a busca da democracia, começaram a ocorrer nas reuniões anuais da SBPC, nos seus auditórios lotados, nos corredores das universidades onde se realizavam, nos ginásios de esportes onde shows memoráveis ecoavam na canção o protesto dos anfiteatros. Hoje, a 34ª Reunião Anual da SBPC realiza-se num clima diferente, ainda que o regime autoritário, nos seus estertores, tente, na melancolia da impotência dos casuísmos, torcer a livre expressão da vontade popular. Esse clima, em que outras instituições e organizações, os movimentos sociais e os partidos políticos, atuam e propõem, deve muito à própria SBPC e aos intelectuais. Estes felizmente não caíram na tentação de substituir-se às diversas formas da organização social.
Resumo
Em junho de 1929, Sérgio Buarque de Holanda foi para a Europa a serviço d´O Jornal (do Rio de Janeiro),com o encargo de fazer reportagens sobre a situação em três países: Alemanha, Polônia e Rússia. Mas acabou ficando em Berlim até dezembro de 1930, com uma curta visita à Polônia. Esse ano e meio foi tão importante na sua vida intelectual que muitos pensam que ficou mais tempo.
Chegado a Berlim, foi diversas vezes à Embaixada Soviética saber quais eram as providências e normalidades para seguir viagem; mas ou o funcionário não estava ou o expediente tinha acabado antes da hora ou quem estava não sabia informar. Alguém o aconselhou então a procurar o famoso deputado comunista Willi Münzenberg, que o recebeu com muita cordialidade, comentou que a burocracia soviética tinha ficado pior que a tzarista e prometeu ajuda .
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A prodigiosa acumulação de riquezas produzidas neste país nas duas últimas décadas é apenas uma das faces da nossa história recente. Os números do crescimento econômico brasileiro, irrefutáveis, são a “grande prova” de eficiência apresentada pelos magos e milagreiros de um poder público que, parceiro dos grandes grupos privados (não-nacionais em grande parte), subtraiu ao povo e às suas instituições representativas as decisões econômicas que afetam diretamente o corpo e a cabeça das massas trabalhadoras.
pessoal é hoje um dos aspectos arquiconhecidos desse processo, não fosse ela mesma parte da lógica maior que a explica. O modelo de desenvolvimento brasileiro não é simplesmente perverso por sua essencial condição de processo ancorado numa estrutura social de classes necessariamente não-igualitária, esta superável. É sobretudo e objetivamente pelas seqüelas físicas e mentais, estas sim irreparáveis, a que hoje mais de 40% da população brasileira estão expostos por suas condições de subnutrição. Quando se fala, pois, de “carne e osso”, não se está valendo de nenhuma metáfora.
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As mudanças ocorridas na estrutura produtiva da América Central, entre 1945 e 1975, tiveram efeitos sociais que admitem diversas interpretações. Analogicamente, o processo se parece às mutações que experimenta um animal para chegar ao seu estado definitivo: a oligarquia se metamorfoseou em burguesia. Outra analogia é a da metempsicose, que supõe a transmigração da alma de um defunto para outro corpo vivo: a oligarquia reviveu num corpo burguês. Convém examinar esta mudança.
Há uma hipótese de que a crise política do sistema de dominação oligárquica – que no pós-guerra apareceu sob a forma de luta contra a ditadura e pela democracia – não se tenha completado em nenhum país centro-americano. Essa hipótese supõe que a oligarquia se salva como classe ao mutar-se parcialmente. Isso seria resultado de uma diferenciação funcional interna, no marco de um crescimento capitalista da agricultura e da implantação de uma base industrial após 1960. Recorde-se que nem a experiência histórica, e menos ainda a teoria, apoia a suposição de que a função de produzir bens primários para o mercado internacional constitua em si um obstáculo para o desenvolvimento industrial local. Tampouco a economia agrário-exportadora constitui necessariamente ante-sala do crescimento industrial. Fatores locais e externos podem favorecer ou limitar este resultado.
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Encontramo-nos desprovidos de qualquer método disponível quando procuramos estudar de que maneira uma sociedade se produz a si própria, através dos seus modelos culturais e das suas relações sociais. A intervenção sociológica é o método que se esforça por preencher esta lacuna. Pretende servir ao estudo da produção da sociedade de forma análoga àquela em que o levantamento extensivo serve ao estudo do consumo da sociedade.
A experiência deste século ensinou nos a prudência. Os grandes acontecimentos e as revoluções não são mais simples do que os períodos calmos. Pode-se mesmo pensar que o momento revolucionário é aquele em que as forças sociais são menos visíveis, mais encobertas pelos problemas do Estado, ou em que os mecanismos sociais são mais completamente substituídos pela ditadura das armas ou das falas. Assim, as revoluções, que para os historiadores pemanecem como objetos maiores de reflexão, são provavelmente os momentos menos favoráveis para uma reflexão sobre a ação histórica. Tudo acontece como se, naquele momento, quando talvez os homens de fato façam sua história, eles fossem particularmente pouco aptos a compreender a história que estão fazendo e, mesmo, levados a fazer o contrário daquilo que acreditam estar fazendo.
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Estima-se que mais de 94 milhões de casais estejam esterilizados, em nossos dias, incapazes de procriar ou com chances que variam de zero até valores ainda desconhecidos de voltarem a gozar do direito de ter filhos. Quando se considera que em 1970 a cifra era de 20 milhões de casais, percebe- se o enorme aumento (taxa geométrica de crescimento de 13,8% ao ano) do contingente populacional que, ano a ano, vai tendo necessidade, pelas mais variadas razões, de mutilar seu corpo e seu espírito para fazer frente às perspectivas de vida que se lhe oferecem. As estatísticas falam de casais, mas quando se desce ao detalhe para saber se se trata de esterilização tubária ou de vasectomia, então o que se suspeitava é confirmado: são as mulheres as esterilizadas. Sobre os homens, as informações são mais limitadas, e não raro o silêncio toma conta das tabelas quando se lhes pergunta o peso que tem o sexo masculino nas esterilizações realizadas.
No Brasil, não se dispõe de dados a nível nacional sobre o número de mulheres já esterilizadas. Sabe-se, ntretanto, que em alguns Estados brasileiros este método se tornou bastante freqüente. No Rio Grande do Norte e em Pernambuco, por exemplo, em 1980, 17% e 19%, respectivamente, das mulheres casadas e com idades entre15 e 44 anos já estavam esterilizadas. Estas cifras são maiores que a de São Paulo, que apresentava, em 1978, 16%. No Rio Grande do Norte, a pílula e a esterilização competem pelo primeiro lugar como meios inibidores, enquanto em Pernambuco e no Piauí a esterilização já é a “preferida” das mulheres.
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Sobre a Rússia, Isaac Deutscher, em 1953, após a morte de Stalin, encontrou dificuldade em convencer os membros da academia inglesa de que o monolitismo totalitário stalinista não era eterno. Na Rússia, também, a história não terminara. Só por esta atitude vale a pena voltar a Deutscher. Parece que ele foi o único que, desde logo, apostou na viabilidade e na probabilidade, dada sua análise estrutural e marxista, de crises e revoluções nos países do “socialismo real”.
Há razões para se retomar Isaac Deutscher. Para reler não só as magistrais biografias de Stalin e Trotski (livros que não perdem os seus leitores), mas também sua produção jornalística após a morte de Stalin, que com o tempo corre o risco de ser esquecida. As próprias qualidades de biógrafo e de jornalista podem ter escondido para muitos a argúcia de sua análise política. Análise original, filiada às idéias de Trotski, tida em alta conta pelos marxistas ingleses. Na verdade, Deutscher revela um pensamento marxista comprometido com o socialismo, avesso a formulas estéreis e atento aos aspectos emergentes da realidade. Pensamento singular, no meio das loas e vitupérios que dominavam a discussão.
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O passado senhorial e escravocrata do Brasil teve na família patriarcal – intimamente associada ao binômio casa-grande & senzala no Nordeste açucareiro, mas também significativa em outras regiões do país – um centro de poder político e de dominação social, econômica e cultural. O processo de formação, apogeu e crise da dominação patriarcal foi analisado, com erros porém com muitos acertos, na obra de Gilberto Freyre. Referimo-nos aqui aos seus dois melhores trabalhos, Casa-Grande & Senzala (1933) e Sobrados e Mucambos (1936), já que muito de sua obra posterior que trata do período escravocrata, exceção feita ao excelente trabalho sobre O Escravo nos Anúncios de Jornais Brasileiros do Século XIX (1963), é largamente repetitivo e pobre quanto à interpretação.
A organização do trabalho numa economia escravista obviamente não permitia à família patriarcal a mesma participação que se pode constatar na organização das atividades produtivas em regiões de trabalho de tipo familiar, como é o caso, por exemplo, das colônias puritanas da Nova Inglaterra. Com efeito, se de um lado temos um senhor de engenho ou de fazenda ausente do processo produtivo e exercendo um poder monolítico sobre seus escravos, de outro temos o colono puritano diretamente envolvido nas atividades produtivas, quando muito dispondo de um ou outro indentured servant, mas apenas por um certo número de anos, e com limitados poderes sobre ele.
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O “procedimento menos’ na literatura brasileira terá talvez uma data privilegiada para o registro histórico de sua discussão: o ano de 1897, em que Sílvio Romero, com truculenta retórica fisiológica, denunciou o estilo de “gago” de Machado de Assis: “O estilo de Machado de Assis, sem ter grande originalidade, sem ser notado por um forte cunho pessoal, é a fotografia exata do seu espírito, de sua índole psicológica indecisa.
O paradigma estava estabelecido. A arte da prosa de Machado de Assis era uma arte carente, uma arte “pobre”. Alguns passos antes, no mesmo estudo, as deficiências do estilo machadiano são contrastadas por Romero com uma norma artística que envolve o seu oposto: o colorido, a abundância, a variedade (“O estilo de Machado de Assis não se distingue pelo colorido, pela força imaginativa da representação sensível, pela movimentação, pela abundância, ou pela variedade do vocabulário”). Se à tartamudez se opõe a fluência da elocução, como ao pobre o rico, o antiparadigma também é prontamente oferecido por Romero: numa enumeração exemplificativa de autores dotados das qualidades que minguam no depauperado estilo machadiano, o crítico empenha-se em assinalar o período “amplo, forte, vibrante” de Alexandre Herculano, passa pelo ‘variegado, longo, cheio” de Latino Coelho para, depois de algumas outras escalas, culminar na evocação enfática do escrever “abundante, corrente, colorido, marchetado” de Rui Barbosa.
Resumo
Nos Estados Unidos, ao sair para as compras, a primeira coisa é pegar os cupons que se tem em casa, isto porque os cupons dão direito a um reembolso sobre determinados produtos e porque proliferam. Aos domingos eles vêm com o jornal; em dias de semana chegam pelo correio. Às vezes basta uma única compra para obter infinitas reduções de preço que, daí em diante, serão contínuas: o vale pode estar flutuando milagrosamente dentro da cera líquida, ou pode estar no dorso de uma pizza congelada, facilitando uma próxima aquisição.
Estas práticas nada têm de surpreendente. O consumidor, sufocado pela abundância quase obscena de produtos e pressionado pela publicidade, sente-se tentado a experimentar ao menos uma vez aquele artigo que lhe promete uma pequena economia. A démarche para receber dinheiro por um cupom é chamada, significativamente, de redenção (redemption). A roupagem religiosa que disfarça esta troca certamente não oculta a sua raiz comercial evidente, mas eu suspeito que estejam em jogo mais outras razões psicológicas e culturais.