“A filosofia não é uma das ciências da natureza”, não se situa no mesmo plano; está “acima ou abaixo”, escreve Wittgenstein, para quem a filosofia não é um corpo de doutrinas, mas uma atividade. Se admitimos também, com o autor do Tractatus, que seu propósito, ou pelo menos um de seus propósitos, é a clarificação lógica dos pensamentos, e o seu resultado a clarificação das proposições, a filosofia diz respeito à atividade científica na medida em que esta última é uma forma de pensamento. Precisamente, a clarificação das proposições faz parte em grau elevado do método de Einstein, de seu estilo científico próprio. Nem que fosse por isso, a filosofia refere-se não apenas à ciência acabada, mas à que está em vias de elaboração.
Resumo
Nesse sentido, não vemos por que conceitos científicos como espaço, tempo e causalidade seriam mais pertinentes à filosofia que outros aspectos da física e de sua construção. Além disso, privilegiá-los nessa ordem não significaria conceder-lhes o status de objetos, quando seria preciso considerar ao contrário, com Gilles G. Granger, que a filosofia é uma
“disciplina sem objeto”4, que não se preocupa tanto com a descrição, mas em destacar ou “interpretar as significações”, substituindo os fenômenos, seus conceitos e esquemas representativos “na perspectiva de uma totalidade”, por oposição à ciência no sentido estrito, que “constrói estruturas de objetos” e, para fazê-lo, fragmenta5 e simplifica?
Um sermão deve conter frases adequadas. Uma igreja alberga a pretensão à eternidade. Não pude resistir, porém, ao esto da atualidade e tornei-me sua presa. Quando comecei a escrever este texto, a divergência que escolhera como tema era manifesta, mas dificilmente objeto de discussão pública. Mas eu deveria ter sabido — o tempo passa de um modo diferente nos tempos atuais. Neste ínterim, o papel de importantes escritores e de parte dos intelectuais de esquerda de Oeste e Leste foi proposto como tema de um grande caderno de cultura, e vejo-me ao lado de pessoas com quem até então não me julgara identificada.
Resumo
Em 1980, quando Günter Grass intercedeu por uma declaração pública em favor do Solidariedade; quando mais tarde rejeitou o convênio cultural entre as duas Alemanhas porque nele via o acordo de burocratas da cultura de ambos os lados; quando abandonou a União dos Escritores, porque não suportara a autoritária política de poder do sindicato, fiquei
feliz em saber que minhas opiniões eram também por ele defendidas. Desta vez, no debate sobre a unidade alemã e o teor utópico da convivência dos dois Estados, não partilho sua opinião, mesmo se a considerasse válida como resistência a modismos e excessos nacionais.
Vivemos sob o patrocínio do novo, tudo o que é novo vale de per si, possui valor intrínseco. Despreza-se o velho porque é velho. Existe para o ancião maior elogio do que lhe dizer que não aparenta sua idade? Nada mais distante de nós do que as palavras do Eclesiastes: Nil nove sub sole, notadamente agora, quando a tecnologia se acredita capaz de descobrir ou fabricar novos sóis, dominar os processos mais elementares da matéria, transformar massa em energia, mobiliando desertos e as profundezas da terra com cogumelos de luz. Se a tecnologia contemporânea pode criar sóis, não seria ela também capaz de instaurar novas sociedades?
Resumo
A idéia de revolução, a reconstrução ab ovo duma sociedade, se cruza, pois, com a idéia de engenharia social, por conseguinte, duma razão tecnológica capaz de divisar os fins duma nova sociedade e de encontrar os meios para sua implementação. Pouco importa, nesta altura, que a engenharia social traduza a ideologia duma burocracia esclarecida, pensando-se onipotente, e que os revolucionários imaginem o motor da transformação repousando no seio das massas; ambos praticam uma categoria particular de razão.
Uma cozinheira sem grandes méritos é capaz, no entanto, de “fazer o trivial”. Esta expressão bastante comum denota um sentido da palavra trivial, para o qual chamamos a atenção. Uma coisa se torna trivial quando perdemos a capacidade de diferenciá-la e avaliá-la, quando ela se torna tão comum que passamos a conviver com ela sem sequer nos apercebermos disto.
Resumo
O tema dos direitos humanos constitui, sem dúvida, uma preocupação jurídica universal. Largamente discutido e explorado, sua menção entre os juristas tende a evocar conhecidas fórmulas, algumas até de gosto retórico duvidoso, muitas suficientemente vazias para banalizar a sua importância. Esta banalização aponta não poucas vezes para um tratamento
do tema com nobres mas nem sempre convincentes intenções moralizantes, recorrendo o jurista a expressões tornadas vazias, cuja força argumentativa remonta aos séculos XVIII e XIX.
É claro que as esculturas de Amilcar nascem da evidência do plano. Mas que evidência é essa que elas vão contrariar? O encontro euclidiano de duas retas ou o abismo do mundo que se acaba no fim do mundo plano, no Novo Mundo? Esses planos dobrados, recortados me falam de uma geometria ideal ou do vazio do oceano onde a terra acaba, onde vertigem e medo se misturam ou daquele que traça os limites de meu corpo e começa ali, onde apenas meu braço não alcança?
Resumo
Cantos vazados, na brecha que abrem na opacidade da lâmina, indicam tanto o infinito na transparência aérea como apenas o outro lado, um logo ali imediato. Separam o lugar de onde as observo de todos os outros lugares, ao assumirem uma posição indicam a minha e, sem querer, me obrigam a me localizar num jogo de relações. Na obra indispensável para
se constituírem, afirmam uma exterioridade quase absoluta se não houvesse a matéria, manifestação de uma existência interior. O corte e a dobra são os atos fundadores de cada escultura. O corte e essa mesma dobra que contraria o plano, são as únicas presenças que restam do ato de trabalho, testemunhas da ação dirigida, do gesto deliberado construindo o espaço, a opacidade e a transparência.
Albert Hirschman fez recentemente uma conferência sobre a retórica reacionária na Universidade de Michigan, no quadro das “The Tanner Lectures on Human Values”. Com a perspicácia que lhe é característica, Hirschman sintetizou as profecias reacionárias no que ele chamou de “two hundred years of reactionnary rhetoric: the case of the perverse effect'”. No âmago delas está o pessimismo sobre qualquer transformação que seja valorada positivamente: “Plus ça change, plus c’est la même chose”.
Resumo
Claro está que o pensamento reacionário não assume o simplismo da máxima acima. Ele se sofistica, mas quase sempre termina por “demonstrar” que, por melhores que sejam as intenções de reformar, existem sempre conseqüências inesperadas dos atos reformadores que terminam por minar os bons propósitos e por reforçar uma tendência preexistente. Foi assim, por exemplo, com a crítica à primeira “Lei dos pobres” na Inglaterra, quando os reacionários contra-atacaram para mostrar que ela gerava mais indolência e mais crimes.
Resenhas dos livros La Société de Cour, Paris, Calmann-Lévy, 1974, 323 pp.; O Processo Civilizador — Uma História dos Costumes, Rio de Janeiro, Zahar, 1990, 271 pp., de Norbert Elias, feito Heloísa Pontes, e A Máquina de Narciso — Televisão, Indivíduo e Poder no Brasil, de Muniz Sodré, S. Paulo, Cortez, 1990, 141 pp, feita por João H. Costa Vargas.
Todos os observadores da cena alemã, tanto no país quanto no exterior, estão de acordo num ponto: já não se trata do “Se”, mas apenas do “Como” no que diz respeito à unificação alemã. Esta, porém, não é uma questão de estilo, nem uma mera questão de gosto político. O modo pelo qual se operará a unificação será um testemunho mais decisivo sobre a maturidade democrática dos alemães do que todas as afirmações de sua inserção definitiva e irrevogável na família dos Estados constitucionais do Ocidente.
Resumo
Recentemente Robert Leicht exaltou, para certamente não pequena surpresa de seus leitores da Die Zeit, a unificação mediante o artigo 23 da Lei Fundamental como sendo o melhor caminho possível, e classificou como disparate as analogias, feitas em toda parte, com a idéia de “anexação” (Anschluss). Para ele, a união mediante o artigo 23 não consiste,
como no caso austríaco de 1938, num ato de vontade — eventualmente enfatizado como uma demonstração de poderio militar — de um Estado expansionista, mas sim numa decisão livre e unilateral da RDA, vale dizer, de seus estados: é à RDA, não à RFA, que cabe a escolha.
Transição vesga, trambolhos no sistema eleitoral, troca-troca partidário, assembléia trapalhona nacional e constituinte, inflação cavalar, pacotes pleonásticos de salvação nacional e medidas cesaristas provisórias chacoalham o equilíbrio constitucional do país há mais de uma década. Quando se passa dos fatos contemporâneos para o fado nacional, brota a desconfiança: terão os brasileiros do século XX vivido sob o signo da miséria e do autoritarismo com o mesmo torpor que tetanizou seus compatriotas escravistas do século passado?
Resumo
Enquanto esperamos que os cientistas sociais captem toda a dimensão das mudanças que o país sofreu desde o fim da II Guerra Mundial; enquanto não se escreve uma consistente história política da ditadura e da transição para a democracia, não dá para ficarmos reduzidos às impressões evanescentes das sondagens eleitorais ou às digressões capciosas sobre a inviabilidade da democracia nos Trópicos.
Entrevista de Gilles Deleuze a Toni Negri
Os países industrializados encontram-se atualmente no sétimo ano de um processo de recuperação caracterizado pela sustentação de taxas de crescimento econômico na faixa de 3% a 4% a.a. Em 1980-82, estas economias atravessaram uma das piores recessões do pós-guerra, acusando queda acentuada da taxa de crescimento e forte elevação das taxas de desemprego da mão-de-obra e da capacidade ociosa. Em 1983, contudo, inicia-se uma recuperação que se revelaria mais duradoura do que a princípio se previa.
Resumo
Ao contrário do que se poderia talvez esperar, o protecionismo dos países industrializados não retrocedeu nesse período. Como se sabe, o ressurgimento de práticas protecionistas nesses países, desde meados dos anos 70, vinha sendo atribuído a pressões resultantes da desaceleração do crescimento econômico após o primeiro choque do petróleo. A valer esta explicação, caberia, em princípio, esperar que a recuperação das economias industrializadas a partir de 1983 viesse a se traduzir, cedo ou tarde, em reversão das práticas protecionistas que, em maior ou menor grau, marcaram a política comercial desses países desde a recessão de 1974-75.
Leipzig, pouco tempo atrás. Dia de primavera antecipada. À tarde, numa espécie de presságio em relação ao qual quisesse tranquilizar-me, visitei mais uma vez a Igreja de São Nicolau com o intuito de encontrar, na praça onde tudo começou, uma placa de rua pintada à mão. Com a borda azul, decorativa e fora de moda, e com a inscrição, também em azul, pincelada de maneira fina e límpida, parecia realmente autêntica, tendo sido dela que o ponto de partida da Revolução do outono do ano passado recebeu seu novo nome: “Praça dos Logrados”. Sob esta inscrição, podia-se ler em caracteres pequenos: “Os Filhos de Outubro vos saúdam. Ainda estamos aqui”.
Resumo
Não sei o que foi feito da placa, que parecia tão autêntica. Talvez possa ter sido salva como reminiscência, para o que não faltarão museus: muita coisa agora já pertence ao passado. Para mim, todavia, essa versão condensada de uma desilusão de graves conseqüências continuou presente, pois não apenas os resultados das eleições de 18 de março e 6 de maio, mas também o desenvolvimento ulterior do processo de unificação alemã (até a união monetária) deixaram de lado, por ora ou para sempre, os “Filhos de Outubro”, os logrados, os verdadeiros revolucionários que, de forma pacífica, romperam o monopólio de poder do Estado e do Partido.
Para variar, a literatura francesa de idéias está novamente mudando de pele. Só que desta vez não se trata de mais uma figura a se acrescentar ao habitual cortejo de novidades parisienses. Respira-se hoje em dia na França filosófica um clima de inegável restauração.
Resumo
Uma reconversão aparentemente tão rasa que até mesmo os mais alérgicos à fraseologia imperante nos últimos anos não podem deixar de constatar, e quase lastimar, uma queda evidente na voltagem da inteligência francesa. No centro, a reconstrução do Humanismo — filosófico, jurídico, antropológico etc. Entretanto, um observador menos paciente que, sobrevoando o tabuleiro parisiense bem rente à sua linha de flutuação doutrinária, julgasse estar assistindo à revanche do estilo de pensamento escarnecido e sepultado nos anos 60 pela voga estruturalista, erraria o alvo.
Muitos localizam o início da transição democrática brasileira em 1974, ano em que a Arena – partido de sustentação parlamentar do regime militar – sofreu inesperado revés nas eleições parlamentares e o novo presidente, general Geisel, recém-eleito e empossado, declarou sua intenção de levar a cabo uma abertura lenta e gradual do sistema político, na direção de um pluralismo limitado e sob tutela militar. Outros consideram que o processo foi deslanchado pela intensificação do conflito sindical ocorrido em 1978/79, pouco antes da anistia política concedida pelo governo Figueiredo – com a aprovação do Congresso Nacional – e da suspensão do AI-5, instrumento legal outorgado em que se apoiou o exercício do arbítrio autoritário.