Ana Maria Tavares vive e trabalha em São Paulo. Graduada em Artes Plásticas pela FAAP, (São Paulo 1978-1982), mestre pela School of the Art Institute of Chicago (1984-86) e doutora pela Universidade de São Paulo (1995-2000). Ganhou as bolsas de pesquisa Guggenheim Foundation Grant (NY 2001); Ida Ely Rubin Artist-in-Residence at MIT (Massachusetts 2007); Lynette S. Autrey Visiting Scholars do Humanities Research Center of the Rice University (Houston 2014). Ensina arte desde 1982 e, no período entre 1993 e 2017, foi docente da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde atualmente colabora no Programa de Pós-Graduação. Interessada na conceituação de obras como “armadilhas para os sentidos” sua produção resulta da inter-relação entre vários materiais e linguagens visuais – imagens digitais, vídeo, peça sonora, objeto e instalação. A partir de uma intensa pesquisa de meios, processos e técnicas, as obras tencionam processos industriais com artesania para interrogar as implicações políticas, econômicas e sociais do movimento moderno no Brasil, mais especificamente, sobre gênero, raça e alteridade – questões comumente ignoradas nas visões que celebram o modernismo no Brasil. Neste contexto, natureza tropical e a arquitetura, presentes nos diálogos das obras por meio do pensamento dos arquitetos modernistas, figuram como centro de suas investigações a partir dos anos 1990. Desde 1982 a participa de exposições no Brasil e no exterior e está presente em várias coleções nacionais e internacionais. No lugar mesmo: uma antologia de Ana Maria Tavares (2016-2017), exposição idealizada para a Pinacoteca do Estado de São Paulo, recebeu o prêmio APCA de Melhor Retrospectiva 2016. Possui obras em inúmeras coleções privadas e acervos públicos no Brasil e no exterior. Dentre eles destacam-se: Kröller Müller Museum, Holanda; FRAC-Haute Normandie (Fonds Régional d’Art Contemporain), França; Fundação de Serralves, Portugal; Culturgest, Portugal; Fundação Arco, Espanha; Museum of Fine Arts Houston, EUA; e, no Brasil, Pinacoteca do Estado de São Paulo; Museu de Arte Contemporânea da USP; Museu de Arte Moderna de São Paulo; Museu de Arte de Brasília; Coleção de Arte da Cidade de São Paulo do Centro Cultural São Paulo; Casa da Cultura de Ribeirão Preto; e SESC Belenzinho, entre outros.
Sobre o ensaio visual da artista na Novos Estudos 121
“As gravuras de Piranesi a partir de meados do Iluminismo apontam para
uma compreensão crítica e alternativa da modernidade que sempre se
opôs à crença ingênua no progresso e no aperfeiçoamento moral da humanidade”.
Andreas Huyssen, “Nostalgia for Ruins” Grey Room 23 (Spring 2006): 14.
Em Campo Fraturado, SOS tomo como inspiração a série Airshaft (para Piranesi) já em desenvolvimento desde 2008 –uma série composta por imagens digitais, vídeo e videoinstalações, a qual estabelece um diálogo com a obra Carceri d’Invenzione do artista do século XVIII, Giovanni Battista Piranesi. A proposta deste projeto tem como base imagens manipuladas digitalmente que visam ampliar os questionamentos presentes em Airshaft (para Piranesi) tais como as relações entre “design, ordem e estrutura destinados à fragmentação, desordem e dissolução”[1] e a tensa relação entre natureza e artifício, entre pureza e contaminação.
Da mesma forma como Piranesi retoma as “históricas ruínas arquitetônicas com um design imaginário orientado para o futuro” [2], tomo fragmentos de imagens da série Airshaft e a superfície ampla do mármore como campo para uma montagem ficcional: as imagens formam uma paisagem mineral metalizada, modulada por detalhamentos enquadrados e por uma espécie de caligrafia tátil escrita em Braile a sigla SOS. De certa forma Campo Fraturado, SOS é um chamado e um alerta, quase uma visão em abismo das sobras das marcas da humanidade na terra.
O tempo dos minerais fossiliza e interdita a lógica das estruturas fluidas e labirínticas em Airshaft. A perspectiva desaparece e dá lugar a uma nova arqueologia. A meu ver, as imagens revelam uma ‘explosão’ ou uma espécie de transfiguração delirante, tal como um convite para uma viagem impossível.
Campo Fraturado, SOS se define pelas aproximações visuais e conceituais de distintos elementos e contextos desenvolvidos em minha produção até aqui. Da opacidade barulhenta das superfícies do mármore ––cuja formação revela uma incessante convulsão mineral, às reverberações e recursividades técnicas que resultam nos campos fraturados, busco construir um presente do pretérito, uma natureza em suspensão, como se o futuro já tivesse se tornado passado e ruína.
[1] LÓPEZ-DURÁN, Fabiola. KELLEHER, Philip, Piranesi e Ana Maria Tavares: cárceres a duas vozes. São Paulo. Catálogo Museu Lasar Segal. 2015. Pág 53
[2] Idem. Pág. 54