Enfim, chegou a hora da verdade. O legado de quase duas décadas de autoritarismo, que se quis justificar por suposta competência no manejo da economia, é uma crise sem precedentes na história do Brasil moderno. O desarranjo profundo da vida econômica tem efeitos imediatos e ampliados no plano social. O motim dos desempregados em São Paulo, no último abril, não foi senão súbita condensação, em desespero coletivo, do mal-estar que começa a tomar conta de nossas grandes cidades, onde se multiplicam, a olho nu, pedintes, biscateiros, ambulantes, pobres de todos os tipos.
Resumo
O país mergulha de cabeça na crise, sem contar com instrumentos capazes de amenizar seu impacto sobre as condições de existência dos que formam a base da pirâmide social. O que é particularmente grave quando a desorganização da atividade econômica, exacerbada por políticas econômicas teimosamente recessivas, se traduz em queda dramática dos salários reais e em crescente desemprego, aberto ou disfarçado em inchaço do setor informal. Como se sabe, inexiste qualquer tipo de auxílio ao trabalhador desempregado, além do magro pecúlio do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. E estão em crise, também, as formas indiretas de complementação da renda dos assalariados, por meio de serviços e benefícios sociais, tais como saúde pública e assistência médica, previdência social, habitação popular, transportes coletivos.
Esta minha exposição é parte de um trabalho mais longo, em que estudo “A sociedade civil e o Estado: padrões de resistência à dominação no Cone Sul”. O foco do trabalho está no conceito de poder em regimes autoritários. Trata-se de conceber esquemas de mudança levando em conta o poder do Estado e os movimentos de oposição na sociedade civil, isto mediante procedimentos comparativos. A base empírica são os países do Cone Sul. Nos últimos três anos, fiz três viagens de pesquisa ao Chile e ao Uruguai, duas ao Brasil, e outras duas, mais breves, à Argentina, onde desejo voltar. Hoje e aqui, a minha intenção é limitar-me a um país — o Brasil — e a um assunto — as relações entre militares e sociedade civil.
Resumo
Foi uma surpresa para mim constatar que é pequeno o número de cursos e publicações sobre a América Latina, e que o interesse por ela é reduzido. Isto é de lamentar, porque uma das contribuições mais importantes da América Latina e especialmente do Cone Sul às Ciências Sociais — em nível mundial — foi o enfoque comparativo. Enfoque este que não é mecânico, nem estático, nem meramente quantitativo, como é norma dos Estados Unidos, mas histórico-estrutural.
Para se entender a crise que envolve presentemente as finanças internacionais é necessário considerar a natureza peculiar das relações financeiras, como se constituem no mundo capitalista hodierno. A relação financeira participa, em determinado sentido, da natureza da troca: quem empresta (emprestador) cede a quem toma emprestado (emprestante) o uso por determinado período de tempo de determinado valor; o emprestante paga ao emprestador determinado valor, por aquela cessão, o qual, em princípio, é proporcional ao tempo e ao valor do empréstimo. Ora, quando se trata de intercâmbio de mercadorias, há um elemento imanente de equilíbrio na relação de troca: qualquer que seja a relação de equivalência que se estabeleça entre as diferentes mercadorias, ninguém pode retirar do circuito de intercâmbio mercadorias a não ser na medida em que coloca, por sua vez, mercadorias nele.
Resumo
É importante assinalar que, no intercâmbio comercial entre países desenvolvidos e não-desenvolvidos, os primeiros vendem sistematicamente aos segundos mais do que deles compram. A diferença é coberta por empréstimos e inversões diretas, ou seja, os desenvolvimentos acumulam, ano após ano, ativos financeiros (créditos) e físicos (empresas, terras etc.) nos não-desenvolvidos. Assim, o Brasil, por exemplo, possui permanentemente uma dívida externa líquida (devemos aos não-residentes muito mais do que eles nos devem) e uma acumulação líquida de inversões estrangeiras (as inversões diretas — ou seja, propriedades — de não-residentes no Brasil é muito maior que as de residentes no Brasil, no exterior).
Betty Friedan, uma das figuras totêmicas do novo feminismo, examina as razões do atual marasmo do movimento autônomo das mulheres nos Estados Unidos e anuncia seu fim próximo. A Segunda Etapa, seu novo livro publicado em 1981, é uma combinação surpreendente de um mural épico de ressonâncias hollywoodianas sobre o crepúsculo de uma época e de um panfleto político conclamando à união de esforços em torno de novas bandeiras. Sua tese central é a de que a conquista da igualdade de direitos entre homens e mulheres não acarretou a felicidade e o bem-estar esperados.
Resumo
Os efeitos perversos gerados pela luta contra a discriminação sofrida pelas mulheres devem ser combatidos com o mesmo vigor com que se combateu a discriminação. A questão central tornou-se agora a da sobrevivência da humanidade e a da qualidade de vida dos seres humanos, homens e mulheres. O novo “mal sem nome” que corrói a sociedade americana é a “mística feminista”, que representa para a nova geração a mesma coerção que representou a mística feminina para os anseios de individualidade da geração da autora. Preocupada com a filha Emmy, estudante de medicina de 26 anos, Betty Friedan decidiu enfrentar a tarefa de reavaliar criticamente a experiência de 15 anos de movimento feminista e superar a desagradável sensação deixada “pelas batalhas que se consideravam ganhas e devem ser recomeçadas, batalhadas de novo, pelas batalhas que de acordo com todas as regras deveriam ter sido vencidas e não foram, pelas batalhas que repentinamente não se tem vontade de vencer, pelo cansaço da batalha.”
Os intelectuais correm um risco permanente: depois de formular um diagnóstico basicamente correto sobre determinada formulação social, passam a se alimentar da troca entre si daqueles ideais, tornando-se incapazes de reconhecer e avaliar fatos históricos novos que, depois de alguns anos, acabam por invalidar aquele diagnóstico inicial.
Resumo
“O Brasil é um país subdesenvolvido.” Mais do que uma falsa crença, esta é uma semiverdade. Uma classificação que ainda poderia caber ao Brasil dos anos 40 ou dos anos 50, mas que nos anos 80, depois de cinqüenta anos de industrialização intensa, exige muitas qualificações. Se subdesenvolvimento for definido em termos de baixa renda por habitante em relação a outros países, o Brasil será um país subdesenvolvido ou em grau intermediário de subdesenvolvimento. Mas é evidente que essa definição é extremamente pobre.
A identificação entre sionismo e instituições judaicas não é um fenômeno constante e natural na história do judaísmo moderno. Ele surge num momento histórico específico e se cristaliza nas últimas décadas. Este artigo é uma reflexão sobre esse processo, ao mesmo tempo que procura mostrar a necessidade de uma nova inflexão que viabilize o pluralismo ideológico na vida judaica.
Resumo
O sionismo — criação de um lar nacional judeu em Israel — surge como uma das respostas do judaísmo secularizado do fim do século passado aos novos problemas sociais e de identidade cultural que coloca a ascensão da civilização capitalista. Outra solução é formulada no seio da massa judia da Europa Oriental, pelo Bund, numa proposta que une o socialismo à autonomia cultural nos países da diáspora; no entanto, na Europa Central e Ocidental a tendência dominante é o assimilacionismo, ou seja, a integração aos padrões culturais da sociedade gentil, através da conversão ou então do ateísmo.
A robótica, e de modo mais geral a microeletrônica aplicada à atividade fabril tem sido apresentada até agora essencialmente como elemento obrigatório de uma estratégia de concorrência num universo cada vez mais fortemente competitivo. Neste caso, sua introdução é tida como uma necessidade perante a qual só resta limitar os estragos e custos, que via de regra, se expressam pelo número de empregos suprimidos. Entretanto, gostaria de dirigir a atenção para outros aspectos do problema. Mais precisamente, sobre a relação entre robótica e trabalho.
Resumo
A oficina automatizada é hoje a arena onde se decide sobre questões referentes à natureza dos conhecimentos necessários ao exercício das novas tarefas, às formas do seu reconhecimento nos sistemas de classificação de funções ou à redefinição da hierarquia de funções operária e técnica. Mais que isto, as decisões recaem sobre aspectos importantes da composição da classe operária nos próximos anos. Por isso gostaria de deixar claro que as respostas a todas essas questões estão “em aberto”: evoluções contrastantes com efeitos diversos podem ocorrer.
Parece que os anos sessenta não existiram. Dizem que, naquele tempo, perguntaram a Garcia Márquez quais eram os acontecimentos mais importantes do nosso século, e respondeu: os Beatles e Fidel Castro. Debatia-se como integrar a revolução cultural e a revolução político-econômica que estas figuras condensavam, mas ninguém duvidava (nem sequer a direita?) de que a revolução fosse possível.
Resumo
Perguntar o que podemos fazer com a cultura, enquanto estamos impulsionando (ou não podemos impulsionar) a mudança social, é perguntar como se relacionam os grandes temas da política com a vida cotidiana, como se vinculam as transformações estruturais com os hábitos de pensamento e de conduta com os quais a população está acostumada a organizar sua vida. Perguntar se é possível, hoje, uma política popular na América Latina implica em interrogar-se sobre as maneiras como os partidos e os estados concebem a identidade do povo e como essas concepções se identificam, divergem ou complementam as formas de viver e pensar dos setores populares.
A queda de certos regimes democráticos latino-americanos, durante a década de 70, e as modificações por ela produzidas geraram uma abundante literatura focalizada no problema do Estado. Vários congressos latino-americanos de Sociologia destinados inteiramente, ou em parte, a desvendar as particularidades das estruturas estatais da região, assim como a criação e o funcionamento do Grupo para Estudos do Estado, promovido pelo Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO), contribuíram para seu desenvolvimento e expansão.
Resumo
Têm-se estudado as formas de surgimento dos estados latino-americanos, na linha do que Cardoso e Faletto fizeram classicamente em Dependência e Desenvolvimento na América Latina. Mas, indubitavelmente, a tentativa de caracterizar os denominados estados burocrático-autoritários tem sido o campo ao qual se dedica mais atenção. Dos trabalhos pioneiros nesta linha, merecem ser citados os de Guillermo O’Donnel, Fernando H. Cardoso e Jorge Graciarena, entre outros.
Os círculos de controle de qualidade surgiram e se desenvolveram no Japão enquanto movimento a partir de 1960, num contexto marcado por uma vaga de inovações tecnológicas, pela recessão econômica e por grandes conflitos sociais (greves gerais nos principais ramos industriais, lutas do movimento operário organizado contra a renovação do tratado de segurança Japão-EUA).
Resumo
Tendo como filosofia a participação operária na gestão da empresa e como objetivo a cooperação entre trabalhadores e direção, esse movimento inaugurou
uma nova fase nas relações industriais japonesas, caracterizada pelo fim das greves, pela participação dos trabalhadores na superação da crise a nível da empresa, através de múltiplas sugestões concretas, e pela implantação de uma nova técnica gerencial condizente com a automatização e robotização crescente na indústria manufatureira. No Brasil, alguns CCQ isolados apareceram a partir de 1972, mas foi apenas nos últimos dois anos que eles começaram a merecer uma atenção sistemática da parte do empresariado brasileiro. Não parece ser mera obra do acaso, que isso aconteça num momento muito similar àquele que marcou a emergência dos CCQ, há vinte anos atrás, no Japão — uma conjuntura de crise econômica, de introdução da robotização sobretudo na indústria automobilística (Ford, Volkswagen) e de grandes greves operárias.
Mito ou realidade, a chamada “Revolução de 30” parece ter indiscutivelmente estimulado entre nós as atividades intelectuais, particularmente voltadas para a interpretação do país; “nunca se falou tanto em realidade brasileira como nessa época – cada um, claro está, vendo-a de maneira diferente.”
Por sorte, a correspondência de Mário de Andrade parece infindável. A recente publicação de volumes inteiros de cartas de Mário a seus amigos (Drummond, Murilo Miranda, Rodrigo Mello Franco de Andrade etc.) forçará a vir à luz ainda muita coisa, como as duas cartas para Mozart Camargo Guarnieri, que aqui apresentamos. Trata-se de um material de intenso valor para a compreensão do pensamento estético-musical daquele que foi um dos maiores problematizadores da música no Brasil.
Resumo
Nestas duas cartas, ambas de agosto de 1934, Mário sintetiza sua crítica com relação à música moderna e dos problemas gerais da composição. Sua colocação de que “o problema mais terrível da música de nosso tempo: o atonalismo”, remete para o cerne mesmo do debate teórico relativo à modernidade musical. Este tema estará presente em grande medida na obra de Adorno, e não por acaso, no Doutor Faustus, de Thomas Mann. Nestas cartas, Mário toca em questões que serão vitais para esta obra de Mann, que só seria escrita mais de uma década depois. Estas frases, por exemplo: “Você não reage diante da sua própria invenção.” Ou ainda: “A suficiência de si mesmo é perigosíssima para um artista.”