Resumo
O artigo avalia comparativamente as políticas educacionais do governo Fernando Henrique Cardoso (1995?2003) no contexto do período entre 1992?2008. Demonstra os grandes progressos alcançados em termos de acesso aos diferentes níveis de ensino e da reorganização do sistema educacional promovida a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Aponta também a importância da criação de um sistema nacional de avaliação de todo o sistema educacional. Por fim, analisa a questão da qualidade de ensino, que é hoje o problema central da educação no Brasil.
Toda análise de políticas educacionais precisa partir do reconhecimento de que nem os seus sucessos nem os seus insucessos são de responsabilidade exclusiva do governo federal. De fato, todo o ensino básico, da pré?escola ao ensino médio, é de responsabilidade de estados e municípios. O desenvolvimento da educação depende, em grande parte, da atuação destas entidades federadas, como mostra o desempenho diferencial entre estados e regiões do Brasil e entre municípios do mesmo estado diante das mesmas políticas nacionais.
Resumo
Os dois mandatos de Lula formaram a síntese contraditória das “duas almas” que hoje habitam o PT. Foi o fato de ter implementado, simultaneamente, políticas que beneficiam o capital e promovem a inclusão dos mais pobres, com uma melhora relativa na situação dos trabalhadores, que permitiu a convivência dos princípios estabelecidos em sua fundação, no colégio Sion em 1980, e as diretrizes do programa de governo apresentadas em 2002 na convenção do Anhembi, em São Paulo.
A transformação do Partido dos Trabalhadores (PT) salta à vista de quem, por diferentes motivos, acompanha o percurso da agremiação fundada em fevereiro de 1980 no Colégio Sion, em São Paulo. Militantes percebem, dia a dia, que antigas práticas já não vigoram, cedendo lugar a condutas inusitadas pelos critérios de antes. Jornalistas acostumados aos vaivéns da política brasileira, com frequência, assinalam o contraste entre o passado e o presente do partido. A literatura acadêmica se esforça para dar conta do sentido das mudanças pelas quais passa o PT. Entender os rumos do partido tornou?se um dos assuntos prediletos do debate informado no Brasil.
Resumo
As eleições presidenciais têm se resumido a uma disputa entre PT e PSDB. Nenhuma candidatura alternativa foi capaz de ameaçar o controle desses partidos sobre a maioria dos eleitores. A estruturação das eleições residenciais repercute sobre as disputas pelos governos estaduais, fazendo com que estas obedeçam à mesma clivagem básica. A estratégia dos partidos, negociando o lançamento e a retirada de candidaturas, é a chave para se entender a dinâmica da competição eleitoral no Brasil.
A campanha eleitoral de 2010 reservou suas emoções para o final. A oposição esperneou e temeu pelo seu futuro. Lula foi comparado a Chaves e o PT, ao PRI. O governo enxergou um complô organizado da mídia para deter as mudanças a favor dos mais desfavorecidos. O Poder Judiciário complicou as coisas e deixou a bola quicando na marca do pênalti. Abertas as urnas no primeiro turno, Marina surpreendeu. Falou?se em nova clivagem, até no surgimento de um voto pós?material no Brasil. A oposição, aliviada, recobrou suas forças, esqueceu?se dos temores que expressara quanto à sua própria sobrevivência e partiu para a luta. O governo, forçado a deixar o salto alto no armário, reviu sua estratégia.
Resenha de Keynes: the return of the Master, de Robert Skidelsky.
Resumo
O título é auspicioso: o retorno do Mestre. O Mestre é John Maynard Keynes e Lord Skidelsky não oculta seu otimismo: para compreendermos as razões da grave crise econômica atual e, quem sabe, evitar uma sucessão de novas débâcles, é necessário reabilitar Keynes.
Muitos economistas não abraçarão o título provocativo, mas por diferentes razões. Alguns pretenderão, a exemplo de Gregory Mankiw, com indisfarçável temor, negar que o debate realmente importe. Talvez concedam em dizer que Keynes foi um atento observador dos eventos econômicos de seu tempo, mas pouco ou nada mais do que isso. Outros, na trilha de Joseph Stiglitz, arvorando-se como fiéis discípulos de Keynes, dirão sem pudores que ele pouco teria a dizer sobre a crise atual, uma vez que sua compreensão dos mercados financeiros era rudimentar. Outros talvez, como Paul Krugman, mesmo admitindo alguma simpatia à recuperação das ideias de Keynes, tomarão precauções em rechaçar a apreciação inconveniente de Skidelsky de que a reflexão econômica tenha seguido um rumo absolutamente desacertado.
Resenha de Contextos da justiça: Filosofia política para além de liberalismo e comunitarismo, de Rainer Forst.
Resumo
Um dos traços mais característicos da “renovação” da teoria crítica hoje é o enfrentamento dessa tradição de pensamento com o problema da legitimidade e da dimensão normativa das instituições políticas. Cada vez menos os temas considerados pelas teorias críticas da sociedade permitem que se conclua pela “impossibilidade da democracia”, levando antes à formulação de novos diagnósticos vinculados a uma concepção de crítica social mais radicalmente política e pluralista.
Quando Seyla Benhabib alerta que “a negligência quanto a uma tal teoria política e democrática é um dos principais pontos cegos da teoria crítica da Escola de Frankfurt” e Jean Cohen e Andrew Arato chamam atenção insistentemente para o fato de que “a teoria crítica não pode mais manter seus propósitos práticos sem uma teoria política”, uma vez que “a crítica da razão funcionalista precisa ser complementada por uma teoria da democracia”, esses autores sintetizam uma mudança fundamental na relação entre teoria social e filosofia política partilhada por diversos autores explicitamente filiados à tradição de pensamento que, desde Theodor Adorno e Max Horkheimer, se tornou conhecida como teoria crítica da sociedade.
Resumo
A partir de uma citação do romance Mocidade morta, de Gonzaga?Duque, e da análise de algumas pinturas brasileiras, produzidas entre a segunda metade do século XIX e a primeira do século XX, este texto problematiza alguns paradigmas da história da arte no Brasil. Enfatiza a necessidade de rever a periodização da arte brasileira, uma vez que as diferenças entre produções “acadêmicas” e outras “modernistas” parecem apenas tópicas.
Em Mocidade morta, de Gonzaga?Duque, publicado originalmente em 1900 — e cuja trama se passa no final do século XIX — o autor descreve Silviano, um personagem misto de romancista, músico e pintor:
Era um nada rouco, precipitava as palavras, salivando, de instante a instante, os lábios com a ponta da língua. Depois de negociar o seu quadro histórico, dedicava?se à última demão dum romance, Nha Cotinha […]. Silviano tinha um grande orgulho de seus méritos literários, ainda mais que do seu laureado diletantismo musical, e esse livro prometido enchia?o de presunção, porque lhe parecia o início duma era regeneradora da literatura pátria […]. O seu apego ao nativismo era ferrenho e feroz. Nos seus quadros históricos a preocupação nacionalista esbarrava com exageros irrisórios. Em Poncho verde, que a meia voz pública comparava a um cromo de barraca, ele colorira com vermelhão e ocre uma cabocla nua, sobraçando imenso balaio de ananases e cambucás, no intuito de abrasileirar a cena numa pretensa alegoria à uberdade do solo, que voltava ao laborar das enxadas com a paz entre Farrapos e Monarquistas![…].
Resumo
As emissoras públicas são um posto avançado daquilo que o cidadão tem direito a perguntar e demandar, não daquilo que o poder gostaria de difundir. O vetor que orienta a existência das emissoras públicas nasce na sociedade e aponta para o Estado e para o governo como quem lhes dirige perguntas. Nessa fórmula, as autoridades são polos passivos, entram em cena quando inquiridos. As emissoras públicas, em suma, existem para ajudar a sociedade a realizar o ideal da imprensa – instituição independente do Estado, onde vige a liberdade de expressão, incumbida de fiscalizar o poder.
Comecemos por um lugar comum (lembrando que essa expressão, lugar comum, não por acaso, pode designar também lugar de todos, ou mesmo “espaço público”), subdivido em duas metades indissociáveis, imprescindíveis uma à outra. Primeira metade: Quando subordinada à orientação da autoridade estatal, a emissora pública não é pública de fato; sua linha editorial, sua programação e sua visão de mundo tendem a ser capturadas pela óptica estatal ou governamental, o que a distancia irreversivelmente dos pontos de vista próprios da sociedade civil. A subserviência ao poder público, nesse caso, mais do que nociva, é mortal. Impede a emissora de transmitir um olhar crítico em relação ao poder.
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Até o começo do século XX, quando Joaquim Nabuco (1849?1910) refletia sobre as relações do Brasil com o restante do mundo, ele pensava principalmente na Europa. Durante a ultima década de sua vida, Nabuco tornou?se um defensor de uma aproximação com os Estados Unidos e um admirador da civilização norte?americana. A visão dele da América Espanhola/América Latina permeneceu em grande medida negativa. O artigo explora as transformações das relações internacionais do Brasil imperial ao Brasil republicano e o pensamento de Nabuco sobre as relações do Brasil com a Europa, a América Latina e os Estados Unidos.
Quando refletia sobre as relações do Império brasileiro com o restante do mundo, o jovem Joaquim Nabuco — nascido em Pernambuco em 1849, filho do senhor de engenho e senador José Thomaz Nabuco de Araújo, e formado nas Faculdades de Direito de São Paulo e Recife, no final da década de 1860 — pensava, como a maioria dos brasileiros ilustrados de sua geração e formação, sobretudo na Europa: os laços históricos, linguísticos e culturais do Brasil com Portugal; a influência da França na arte, arquitetura e literatura brasileiras, e, acima de tudo, a dependência comercial e financeira do Brasil em relação à Grã?Bretanha.
Resumo
O artigo explora o legado de Joaquim Nabuco e argumenta que sua atuação política, diplomática e intelectual tem algo a nos dizer sobre as questões e os dilemas com que nos debatemos hoje, em nossa República consolidada, antes de tudo sobre o modo como temos praticado (ou não) a reforma social e buscado construir uma sociedade que inclua todos os seus integrantes.
Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo morreu em janeiro de 1910, aos 60 anos de idade, quando ocupava o cargo de embaixador do Brasil em Washington.
Havia retornado à diplomacia na virada do século, depois de ter ficado no ostracismo com a chegada da República em 1889, ele que era monarquista e havia acumulado muitas afinidades com a dinastia dos Bragança e o ritual mais pomposo do parlamentarismo monárquico. Vivera preocupado com o risco de que a República, sem quadros dirigentes bem preparados e tendo de se fixar num território gigantesco e mal povoado, derivasse para algum tipo de tirania ou entregasse o país às oligarquias. Tentou combatê?la, mas não havia ressonância monarquista confiável no país. O golpe de Deodoro da Fonseca o desnorteou. Não conseguiu compreender direito como a Monarquia, depois de ter libertado os escravos e sugerido à sociedade o início de uma era de progresso e justiça social, pudera cair de maduro, sem ninguém para defendê?la ou pranteá?la.
Resumo
A combinação de decisões equivocadas de política econômica, fragilidade do Estado de direito e rigidez conservadora do sistema político conduziram o México ao presente estado de crise social aguda. A violência brutal desencadeada pelo crime organizado trouxe à luz essas profundas deficiências.
A imagem que os meios de comunicação de massa apresentam do México, para o exterior e para o interior do país, é a de uma sociedade em crise e em franco processo de deterioração.
A crise social tem como indicador mais perceptível e divulgado a violência do crime organizado, seja internamente (luta entre diferentes cartéis ou organizações), seja nos confrontos com as instituições do Estado (forças armadas e polícia), seja, ainda, na violência contra a sociedade, que acomete especialmente jornalistas e vítimas inocentes dos conflitos armados. A violência cada vez mais intensa, brutal e sangrenta gera a impressão de que o Estado é incapaz de conter e punir os culpados. Afirma?se, inclusive, que o Estado mexicano seria um Estado falido.
Resumo
Este artigo argumenta que a liderança de Joaquim Nabuco no movimento pela abolição da escravidão no Brasil deveu?se à sua capacidade de operar como broker entre diferentes redes sociais, conectando, de um lado, o abolicionismo das ruas e o parlamento, e, de outro, o movimento abolicionista brasileiro e a rede abolicionista transnacional ativa no final do século XIX.
[…] Mucho lamentamos nao contar con U. por el meeting de 1 de junho. […] Agradeceria a U. mucho […] indicarme los nombres de 4 o seis personas del Brasil, conocidas y respectables a las quales podriamos suplicar que aceptasem nostra representacion en el pais. […] podremos trabajar de comuno em prol de nuestra causa. Dignese aceptar el testimonio de mi profundo afecto.
Esse trecho de uma carta do cubano Rafael Maria de Labra ao brasileiro Joaquim Nabuco, de 8 de outubro de 1881 (Fundaj), dá notícia de uma relação transnacional entre dois movimentos abolicionistas. Conexão de óbvia importância, uma vez que envolvia os dois maiores países escravistas do mundo àquela altura, mas que ainda não encontrou analista interessado.
Crítica da exposição O espaço nas entrelinhas, de Fred Sandback.
Resumo
Talvez nenhum escultor tenha feito um uso da profundidade do espaço em que suas obras se instalam de um modo tão decidido e decisivo quanto Fred Sandback. Suas esculturas são quase sempre feitas apenas com segmentos de retas, mas segmentos de tal forma arranjados que capturam para si as profundidades do espaço que compartilham com o espectador.
É assim que três segmentos de reta formando um triângulo também desenham a área desse triângulo e não apenas suas arestas, mas, além disso, dado que a área se encontra desenhada no mesmo espaço em que se encontra o espectador, surgem um lá e um cá em torno dessa área ou, ainda, uma profundidade dividida em duas partes. E se um dos vértices do triângulo se apoia na parede e os outros dois no chão, a inclinação do triângulo chama o chão e a parede da sala de exposição para fazerem parte da obra, desenhando agora um poliedro piramidal.
Resumo
Desde 1980, Jerusalém é o núcleo do projeto sionista de remover, coercitivamente, comunidades palestinas há muito estabelecidas para dar lugar a novos moradores judeus. Este artigo examina a natureza e os mecanismos dessa transferência em andamento, da redefinição das fronteiras e o sistema de postos de controle aos dispositivos, complexidades e manobras legais empregados para a transferência dos palestinos. Centro político, cultural e geográfico do conflito entre o sionismo e os palestinos, Jerusalém é, de fato, uma espécie de microcosmo do conflito mais amplo.
O projeto sionista de remover ou “transferir” da Palestina os cidadãos palestinos começou, mas não terminou, em 1948; ele continua até hoje. Desde 1980, Jerusalém tem sido o foco central desse processo de transferência: a cidade é o núcleo do projeto de remover, coercitivamente, comunidades palestinas há muito estabelecidas para dar lugar a novos moradores judeus. É também o centro político, cultural e geográfico do conflito entre o sionismo e os palestinos, e é, por isso, um lugar privilegiado para a compreensão de como a separação das duas populações (condição necessária de qualquer solução do conflito pela criação de dois Estados) foi sistematicamente sabotada e impossibilitada, por várias décadas, pelas políticas israelenses.
Fabio Zimbres