Resumo
Apesar de seu ceticismo em relação à razão e à moralidade universais, a Teoria Crítica e a Teoria Crítica dos Sistemas compartilham alguns pressupostos básicos: (1) o uso de conceitos sistêmicos e institucionais, que transcendem as meras relações intersubjetivas graças à sua complexidade; (2) a idéia de que a vida social é marcada por paradoxos, antagonismos e antinomias fundamentais; (3) a estratégia de definir a justiça como uma fórmula contingente e transcendental; (4) o recurso à crítica imanente (e não externa, de fundo moral) como uma atitude de transcendência; (5) o objetivo de emancipação social (e não apenas política) em uma “associação de indivíduos livres” (Marx). O artigo enfoca esses paralelos e procura esboçar uma virada crítica da teoria dos sistemas autopoiéticos.
É uma suposição comum a de que uma “teoria crítica dos sistemas” não existe. Diz?se que falta a toda teoria dos sistemas um ímpeto crítico?emancipatório; por ser meramente uma forma descritiva de investigação, ela representa a “forma suprema da consciência tecnocrática”, a “apologia” do status quo, pois o preserva. Foi essa, pelo menos, a opinião que Jürgen Habermas defendeu em seuconhecido debate com Niklas Luhmann. Esse tipo de caracterização fechou, por um longo tempo, a teoria crítica para a influência da teoria dos sistemas. Contudo, no que se segue, argumentarei que essa separação hoje em dia não é pertinente. De fato, há uma “teoria crítica dos sistemas”. Essa teoria crítica dos sistemas pode filiar?se com os trabalhos da primeira geração de teóricos críticos da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt que procura revelar o nexo entre as normatizações sistêmicas e a subjetividade — descrito por Adorno como uma reificação transsubjetiva e, justamente por isso, ao mesmo tempo como privação de poder.
Resumo
Escrever sobre Gildo Marçal Brandão – sua vida, produção intelectual, trajetória profissional, travessia política, militância institucional, inscrição forte na constelação dos afetos e das interlocuções, sua prodigiosa correspondência, a ceia farta de idéias inspiradoras que ofereceu a alunos, orientandos e colegas – é, simultaneamente, impossível e indispensável.
Impossível para mim, porque no andamento de cada frase, na modulação da voz narrativa, flagro a dor de uma perda incontornável e a tentação de tomá?la como objeto, traindo o sentido desse testemunho e operando um deslocamento que é o avesso da morte, mas também seu efeito. Ante o vazio provocado pelo desaparecimento do outro, qual a reação discursiva imediata? A exorbitância do autor, os excessos de sua expansão, a sombra de seu lamento derramando?se por toda a cena, o fogo fátuo de sua conspícua mas ilusória presença. Enfim, o dramático — e quase patético — espetáculo de um narcisismo defensivo, ameaçado pela fratura radical apontada no horizonte pela experiência da finitude.
Resumo
A crise financeira global de 2008 foi conseqüência do processo de financeirização, a criação maciça de riqueza financeira fictícia iniciada da década de 1980, e da hegemonia de uma ideologia reacionária, o neoliberalismo, baseada em mercados auto?regulados e eficientes. Dessa crise emergirá um novo capitalismo, embora sua natureza seja de difícil previsão. Não será financeirizado, mas serão retomadas as tendências presentes nos trinta anos dourados em direção ao capitalismo global e baseado no conhecimento, além da tendência de expansão da democracia, tornando?a mais social e participativa.
A crise bancária que teve início em 2007 e tornou?se uma crise global em 2008 provavelmente representará uma virada na história do capitalismo. Além de ser a crise econômica mais severa enfrentada pelas economias capitalistas desde 1929, é também uma crise social que, segundo previsões da Organização Internacional do Trabalho, elevou o número de desempregados de cerca de 20 milhões para 50 milhões ao fim de 2009. Segundo a FAO, com a queda da renda dos pobres devido à crise e a manutenção dos preços internacionais de mercadorias alimentares em níveis elevados, o número de pessoas desnutridas no mundo aumentou em 11% em 2009 e, pela primeira vez, superou um bilhão. As perguntas levantadas por essa crise profunda são muitas.
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Conflitos de classe, de gênero e raciais tendem a ser concebidos, interpretados e enfrentados isoladamente. A autora analisa desenvolvimentos no campo dos estudos feministas e da sociologia do trabalho que apontam para a interdependência dessas categorias sociais, tanto no plano teórico como na prática de movimentos sociais de mulheres e trabalhadoras.
Desde os anos de 1970?19802 mobilizo os conceitos de consubstancialidade e coextensividade para procurar compreender de maneira não mecânica as práticas sociais de homens e mulheres frente à divisão social do trabalho em sua tripla dimensão: de classe, de gênero e origem (Norte/Sul). Tais práticas não se deixam apreender por noções geométricas como imbricação, adição, intersecção e multiposicionalidade — elas são móveis, ambíguas e ambivalentes. No entanto, não basta afirmar que compreendemos a sociedade em termos de relações sociais — é preciso antes definir tais relações, e suas propriedades. Utilizando as metáforas de “círculo” e “espiral”, procurarei esclarecer minha maneira de apreender os fenômenos sociais a partir de uma perspectiva materialista, histórica e dinâmica, e retomarei às definições de consubstancialidade das relações sociais e sua propriedade essencial: a coextensividade.
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O artigo discute elementos do romance realista e questiona as interpretações do papel do “efeito de realidade” oferecidas por críticos literários do século XIX e XX. Para o autor, esse efeito, mais do que mero resultado do “excesso descritivo” característico da obra de escritores como Dostoiévski e Flaubert, revela a abertura social do romance para uma nova sensibilidade, menos aristocrática e mais democrática.
Em 1968 Roland Barthes publicou seu texto canônico “O efeito de realidade”. Esse texto começa focando um detalhe retirado do conto de Flaubert “Um coração simples”. Ao descrever a sala da casa onde sua personagem vive, o escritor diz que “um velho piano sustentava, sob um barômetro, um monte piramidal de caixas e caixotes”. Obviamente esse barômetro não tem utilidade alguma e o monte piramidal não nos deixa ver nada determinado. Como afirma Barthes, eles “elevam o custo da informação narrativa”. Essa avaliação parece estar em consonância com muitas das afirmações de escritores do século XX que denunciavam a futilidade da descrição realista. No “Manifesto do Surrealismo”, André Breton descartou a descrição do papel de parede e da mobília do cômodo da usurária em Crime e castigo com umas poucas palavras: “Ele perde seu tempo, porque eu me recuso a entrar nesse quarto”.
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Este ensaio fotográfico procura oferecer uma visão mais complexa do terremoto que atingiu o Haiti em 12 de janeiro de 2010. A fotógrafa Cris Bierrenbach retrata elementos do cotidiano de Porto Príncipe, o impacto do terremoto sobre a vida dos habitantes da cidade e os esforços de reorganização da própria população.
As imagens de tragédias costumam parecer pré?fabricadas: nos acostumamos a esperar, dos meio de comunicação, cenas de caos completo, destruição total e de números impressionantes de mortos, as estruturas do espetáculo midiático sempre em prontidão para transformar os locais atingidos por catástrofes naturais em cenário de coberturas ao vivo em tom alarmista, em “reality shows” de celebridades do jornalismo e em apelo para campanhas humanitárias.
Este ensaio fotográfico procura oferecer uma visão mais complexa do terremoto que atingiu o Haiti em 12 de janeiro de 2010. A fotógrafa Cris Bierrenbach retrata elementos do cotidiano de Porto Príncipe, o impacto do terremoto sobre a vida dos habitantes da cidade e os esforços de reorganização da própria população.
As imagens contrariam a impressão de uma “sociedade sem Estado”, ou radicalmente disfuncional e anômica, e reforçam a impressão da população do Haiti de que a ajuda com que podem contar para recolocar suas vidas em ordem virá, acima de tudo, deles mesmos.
Resenha de Emoções ocultas e estratégias eleitorais, de Antonio Lavareda.
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Publicado em 2009, o livro Emoções ocultas e estratégias eleitorais de Antonio Lavareda promete ser um best?seller entre políticos, assessores e estrategistas de campanha. Como o próprio autor anuncia, trata?se menos de uma obra acadêmica e mais de um livro sobre marketing político. Ainda assim, a obra não deixa de levantar questões importantes, que deveriam ser mais bem exploradas pelos cientistas políticos, e propor uma nova agenda de pesquisa para a área, na fronteira com o marketing e a psicologia: o uso das emoções na política.
O livro pode ser dividido em três partes. A primeira trata mais especificamente do contexto político das eleições e aborda temas clássicos da ciência política (partidos na disputa, coligações, vantagem dos incumbentes, carreira/trajetória política, preferência partidária). A segunda parte é mais próxima de um manual: ali o autor ensina, a quem tem interesse em trabalhar com campanhas, quais são os recursos disponíveis, como e quando podem ser mobilizados (se antes da campanha propriamente dita ou durante), e apresenta a sua vasta experiência no campo. A terceira parte, que é o coração do livro, versa sobre a importância das emoções e dos sentimentos. Mobilizar uma dada emoção auxilia na transmissão e na fixação da mensagem que se quer passar, assim como na construção das fidelidades político?partidárias.
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Desde a Constituição de 1988 – a assim chamada “constituição cidadã” – os direitos humanos foram assumidos como política de Estado no Brasil. As reações à versão mais recente do Programa Nacional de Direitos Humanos – ampliação e aprofundamento das anteriores – no entanto, procuraram associá?lo a um instrumento de revanche ou de violação do Estado de direito: censura, intervenção estatal. O artigo refaz o histórico da questão no Brasil e analisa o programa e sua repercussão.
Lançado em dezembro de 2009 por força do Decreto 7.037, o III Programa Nacional de Direitos Humanos — PNDH?3, o primeiro elaborado pelo governo Lula (2003?2010), suscitou duras reações de alguns segmentos da sociedade brasileira. Certamente, como nas edições anteriores, ambas durante o governo FHC (1994?2002), o assunto teria merecido discreta atenção da mídia impressa e eletrônica não fossem as polêmicas que provocou. As duras críticas colocaram novamente em evidência termos de debate que pareciam superados. Durante a transição para a democracia no Brasil (1979?1988) e por quase duas décadas, temas de direitos humanos suscitavam reações depreciativas, freqüentemente associados, pela opinião pública, à defesa dos direitos de bandidos, à utopia de militantes que imaginavam uma sociedade despida de violência e de graves violações de direitos humanos ou ainda à sede de vingança por parte de quem havia sido perseguido pela ditadura militar.
Resumo
O artigo apresenta um estudo sobre as dinâmicas de conselhos de saúde existentes em áreas da periferia do município de São Paulo. A partir da análise da história de mobilização social nas áreas enfocadas e o desempenho dos conselhos locais, busca examinar as relações entre a arquitetura desses conselhos gestores, o histórico de mobilização comunitária e os debates sobre políticas de saúde em cada uma dessas áreas. Por fim, procura situar os conselhos de saúde no contexto do debate internacional sobre a gestão participativa e o aprofundamento da democracia.
Governos e organizações sociais vêm encontrando crescentes dificuldades para promover o envolvimento da sociedade no processo de tomada de decisões sobre políticas públicas. Diversos problemas têm sido reconhecidos, e entre eles a literatura sobre o tema tem ressaltado a ausência de envolvimento de forças sociais ativas e a “captura” dos processos participativos por grupos mais organizados. Duas linhas de ação têm sido recomendadas para combater esses riscos: a reestruturação dos mecanismos participativos e a mobilização dos atores sociais. Neste artigo, argumentamos que essas medidastendem a levar a um jogo de soma zero, já que, de um lado, mobilização sem estruturação aumenta o risco de “captura” e, de outro, reestruturação sem mobilização pode facilmente implicar a adoção de procedimentos formais que contribuem para inibir uma participação mais espontânea e vívida. Sugerimos, em contrapartida, que a conjunção de reestruturação e mobilização pode aumentar as chances de êxito do projeto de gestão participativa.
Resenha de O romance, de Franco Moretti (org.).
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Ao percorrer as páginas de A cultura do romance, primeiro dos cinco volumes da série O romance, organizada por Franco Moretti, o leitor logo notará que se encontra diante de uma obra singular, pois ali se narra uma história do gênero que, não raro, transgride fronteiras nacionais, abole limites espaçotemporais e segue uma orientação comparatista e internacionalista, certamente inspirada na conhecida posição de seu organizador sobre a literatura mundial.
Com efeito, em ensaio publicado em 2000, Franco Moretti retomava o conceito proposto por Goethe, no final do século XVIII, e defendia o retorno à antiga ambição da Weltliteratur, a partir da constatação de que “afinal, a literatura a nossa volta é inequivocamente um sistema planetário”.
Resumo
As conseqüências do terremoto que atingiu o Haiti no dia 12 de janeiro de 2010 revelam, mais do que a falência do Estado daquele país, o fracasso das organizações internacionais supostamente envolvidas em sua reconstrução. Em relato pessoal e ao mesmo tempo etnográfico, o autor reconstrói os primeiros dias após a catástrofe e comenta a distância que separa essas organizações da sociedade haitiana, distância responsável por sua ineficácia.
Não é meu interesse aqui fazer qualquer discussão que tenha como eixo uma crítica ou um elogio da presença brasileira no Haiti. Não pretendo engrossar o caldo dos que gritam “fora as tropas brasileiras do Haiti”, nem daqueles que defendem razões humanitárias para a sua presença. O Brasil já participou de outras missões das Nações Unidas, esta não é a primeira, e o impacto da presença de nossas tropas neste país não encontra eco para além de nossas próprias fronteiras.
Resumo
O artigo aborda quatro filmes biográficos brasileiro recentes – “Santiago” (2007), de João Salles, “Acácio” (2008), de Marília Rocha, “Pan?cinema permanente” (2008), de Carlos Nader (sobre Waly Salomão) e “Vida” (2008), de Paula Gaitán (sobre Maria Gladys) – e procura compreender um movimento dialógico e reflexivo semelhante que os caracteriza. Analisa?se, sobretudo, a estrutura do diálogo e os modos como as obras se põem a contar a história do personagem retratado, tecendo urdiduras entre memória individual e história pública, entre os arquivos e as imagens tomadas no presente da filmagem.
É consenso nas interpretações sobre o cinema documental brasileiro recente a presença expressiva de discursos particu? larizantes1. Contrariamente ao que era tendência no documentário moderno (sobretudo aquele dos anos de 1960 e 1970), hoje se nota evidente suspeita em relação a procedimentos totalizantes e interpre? tativos, às possíveis sinédoques (os personagens tomados como tipos representativos, em relação a um contexto ou situação englobantes), ou ao posicionamento dos sujeitos filmados como informantes (so? bre uma temática). Em resumo, evita?se remeter o dado pessoal a um quadro geral; declinam valores tais como representatividade, generali? dade, tipificação, diagnóstico crítico, e outros valores assomam.
Resumo
Em face das vertiginosas mudanças sociais, econômicas e político?institucionais em curso, e tendo por cenário dessas mudanças a cidade de São Paulo, Viver em risco: sobre a vulnerabilidade socioeconômica e civil, do sociólogo e cientista político Lúcio Kowarick revela?se uma obra ímpar ao situar o leitor nas trajetórias e transições da problemática da pobreza e das desigualdades no Brasil urbano.
Resumo
O artigo discute as estratégias dos eleitores que transferiram seus votos para Lula no segundo turno das eleições presidenciais de 2006 a fim de testar a hipótese de que esses eleitores empregaram uma nova forma de voto estratégico no primeiro turno das eleições: o voto estratégico punitivo. Argumentamos que esse tipo de comportamento eleitoral foi decisivo para explicar as seguidas reviravoltas ocorridas nas eleições presidenciais de 2006. O artigo também explora os condicionantes para o voto estratégico em sistemas eleitorais de dois turnos.
A campanha eleitoral de 2006, na qual oito candidatos concorreram para o cargo de presidente da República, teve a corrupção como um dos principais temas. Em junho de 2005, foi descoberto um complexo esquema de corrupção, em que estavam envolvidos partidos e líderes da base aliada do governo. Denúncias comprometedoras emergiram da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Correios, na Câmara dos Deputados, segundo as quais Marcos Valério, homem de negócios do estado de Minas Gerais, teria desembolsado dezenas de milhões de reais para o pagamento de políticos, dívidas do partido do presidente Lula (Partido dos Trabalhadores — PT), bem como para o financiamento ilegal de campanhas eleitorais. As denúncias de corrupção e os trabalhos da CPI tiveram uma ampla cobertura da mídia, com impactos negativos sobre a avaliação do governo, o que teria levado alguns analistas a darem como certa a derrota de Lula nas eleições em 2006. Não foi exatamente isso o que aconteceu.
João Loureiro