Atribui-se a Ho Chiminh a idéia de que o desfecho da Guerra do Vietnã (1963-1973) seria definido não no Sudeste Asiático mas a 7 mil milhas dali, na consciência da opinião pública americana, que se dividia como num eco dos combates e era, nessa perspectiva, o principal teatro das operações. Pela primeira vez na história os dois “fronts”, o das batalhas propriamente ditas e este outro que os militares gostam de chamar de “psicossocial”, estavam reunidos numa simultaneidade inédita, revelada pela televisão.
Resumo
Tão logo a cobertura jornalística fez do Vietnã seu assunto predominante a versão oficial desmoronou, solapada por uma campanha de opinião que via no estabelecimento da verdade sobre a guerra o meio de alcançar a paz. Porque assim como para o Vietcong os combates se projetavam até o outro lado do Pacífico, para o movimento de reforma dos costumes que surgiu na Europa e nos Estados Unidos nos anos 60 a guerra funcionava como resumo ideal, como abreviatura algébrica da sua luta. Para ter em mente a força das energias ideológicas despertadas pela oposição à guerra, basta lembrar que o presidente que a perdeu foi deposto antes de terminar o mandato. A guerra era “injusta” porque estava perdida ao mesmo tempo em que estava perdida por ser “injusta”.
A Argentina, os Estados Unidos e o Brasil foram os países americanos que absorveram o maior número de imigrantes italianos durante o período da maior migração intercontinental da Europa. Cada um deles começou a atrair italianos em larga escala a partir da década de 1880 e continuou a aceitá-los em grandes números até a eclosão da Primeira Guerra Mundial e depois novamente no início da década de 1920. Ainda que o cronograma, a intensidade e o auge da imigração italiana tinham sido de certa forma diferentes nos três países, os seus fluxos de imigração se deram dentro de um padrão semelhante.
Resumo
O objetivo deste artigo é examinar a natureza destas diferentes experiências de mobilidade e sugerir fatores que explicam a sua evolução. Isto implicará um estudo da origem regional dos imigrantes italianos, assim como da sua integração comparativa nas Américas em termos de distribuição ocupacional, mobilidade social e riqueza relativa.
A paralisação dos empréstimos de origem privada aos principais países devedores, em meados de 1982, precipitou a crise da dívida externa. Sob a liderança dos grandes bancos norte-americanos, com o apoio do governo Reagan e a participação ativa dos organismos internacionais, a comunidade financeira respondeu ao risco de um processo generalizado de inadimplência montando um padrão de reciclagem da dívida baseado na renegociação dos compromissos pendentes e no ajustamento da política econômica dos devedores. Este tratamento do sobreendividamento externo tem apresentado duas características básicas.
Resumo
A essência do atual esquema de reciclagem da dívida consiste em forçar os devedores a iniciarem um vigoroso processo de transferência de recursos reais ao exterior. No caso
dos países latino-americanos, invertendo radicalmente o comportamento dos anos anteriores, entre 1983 e 1988, a transferência de recursos reais ao exterior alcançou a média anual de 4% do PIB, suplantando o esforço feito pela Alemanha depois da Primeira Guerra Mundial (aproximadamente 2,5% do PIB).
A carta de Luiz Gama a Lúcio de Mendonça é um documento que merece reflexão. Não apresentaremos o Autor, já que ele apresenta a si mesmo. Basta acrescentar alguma coisa sobre as suas Primeiras Trovas Burlescas (1859), onde a sátira à sociedade imperial e sobretudo às suas presunções de brancura alcança uma franqueza possivelmente única na literatura brasileira.
Resumo
Há uma dificuldade autêntica em entender o amor extremoso do pai que vende o filho como escravo para escapar a um aperto de dinheiro. Qual o sentido atrás das lágrimas copiosas com que se separam uns dos outros o menino e a família do negociante de africanos que o havia comprado e agora o revendia? O que significaria a estima votada a Luiz Gama pelo seu proprietário seguinte, o negociante e contrabandista alferes fulano de tal, que mais tarde seria preso por matar de fome alguns escravos em cárcere privado?
Um protagonista que esteve no turbilhão dos acontecimentos, dificilmente pode avaliar, com olhos isentos, o caminho percorrido. E não poderia confiar apenas em sua memória, devendo consultar documentos, reler textos publicados. Enfim, montar uma pesquisa que lhe desse os parâmetros para um juízo mais certeiro. Como, porém, executá-la quando a tarefa maior e mais urgente é tocar o barco, ajudar a encontrar um novo perfil para o CEBRAP dos anos 90? Na fissura desse exercício, abre-se, no entanto, o lugar para uma reflexão, a conveniência de um olhar de sobrevôo sobre tudo aquilo que temos sido.
Resumo
Nota-se desde logo o estilo “Maria Antônia” do CEBRAP dos anos 70. Era uma geração que se formara nas virtudes e nos vícios da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, este instituto globalizante que só tinha sentido como instrumento para fundar uma universidade a partir de escolas já bem enraizadas. Desse modo, a interdisciplinaridade já se fazia nos
saguões da faculdade, na audiência dos cursos, no convívio na Congregação. Matemáticos, físicos, sociólogos, filósofos cruzavam no mesmo prédio — químicos e biólogos ficavam na Alameda Glette.
A relação entre filosofia e teoria econômica pode ser tratada de um ponto de vista histórico ou de um ponto de vista analítico, isto é, explorando tópicos e possibilidades de interesse teórico corrente. No contexto anglo-americano, e tomando como base a coletânea de textos Philosophy and Economic Theory, editada em 1979 por F. Hahn e M. Hollis, podemos pensar a relação analítica entre filosofia e teoria econômica como abarcando três áreas principais.
Resumo
Neste ensaio, procurei muito mais descrever suas características básicas do que avaliá-los criticamente ou fazer previsões sobre seu futuro. O mais importante, acredito, é que possam encontrar condições de se desenvolver enquanto programas de pesquisa. O ponto-de-partida e traço comum das três alternativas ao “homem econômico” discutidas acima é a noção de que “A principal dificuldade em entender as ações dos homens é entender como eles pensam — como as suas mentes funcionam” (Bridgeman, 1955, p. 450).
Este artigo trata das mudanças recentes na moldura institucional da chamada “questão social” no Brasil. Seu propósito é investigar a natureza das transformações e seu impacto possível sobre um quadro reconhecidamente dramático de desigualdades sociais.
Resumo
A análise tentará detectar algumas alternativas possíveis de cristalização de novas instituições. Serão tomadas em consideração, de um lado, tendências que parecem esboçadas nas práticas coletivas. E, de outra parte, aquelas sugeridas pelo ordenamento legal, consagrado na nova Constituição.
Por que ler Hegel à luz de Nietzsche, como quer Gerarei Lebrun? Com o perdão da enormidade, não seria muito mais razoável passar de uma vez à ordem do dia e, antes de prosseguir, examinar à luz da experiência contemporânea a possível atualidade de um clássico que afinal fez justamente da capacidade de elevar o Presente ao plano do Conceito a prova dos noves de toda filosofia?
Resumo
Por mais que modifique seus procedimentos, a assim chamada Escola Francesa de História da Filosofia continua funcionando em circuito fechado. Ora, quem se formou nesta Escola sem janelas sabe muito bem que não tem o menor cabimento submeter uma filosofia ao teste da realidade. E sabe também que se deve justamente ao Prof. Lebrun a mais notável demonstração de que a autonomia moderna do discurso filosófico tem como contrapartida a evaporação do seu referente.
No dia 11 de julho de 1986, o semanário Die Zeit publicava um artigo de Jürgen Habermas intitulado “Uma Espécie de Acerto de Contas. As Tendências Apologéticas na Historiografia de Época Alemã”, que desencadearia uma das polêmicas de maior impacto dentro e fora da República Federal da Alemanha: a chamada “Querela dos Historiadores” (Historikerstreit).
Resumo
Para entender o contexto das motivações que levaram Habermas a esse debate público, cabe lembrar alguns fatos, tais como a visita do então presidente dos EUA, Ronald Reagan, ao campo de concentração em Bergen-Belsen e ao cemitério de guerra em Bitburg, como parte das comemorações dos 40 anos do fim das hostilidades na Europa, em 8 de maio de 1985; a formação, pelo governo alemão, de comissões de estudiosos para o desenvolvimento de projetos para dois museus de história alemã (um em Bonn e outro em Berlim), bem como a idéia de construir um monumento nacional único em memória do passado nacional-socialista.
A obra construída de Lúcio Costa é relativamente pequena, mas sua obra escrita – composta de vários artigos publicados em revistas, a maioria deles recolhidos em 1962 e 19701 – ajuda a compreender melhor o sentido de sua reflexão sobre a arquitetura. Sobre Lúcio Costa pouco ou nada foi escrito. Sobre Lúcio Costa pouco ou nada foi escrito. Reconhecidamente a referência mais importante para uma parte da moderna arquitetura brasileira, ele se manteve numa posição discreta e algo isolada, especialmente após 1938, ano do Concurso para o Pavilhão do Brasil em Nova York, feito posteriormente em conjunto com Oscar Niemeyer.
Resumo
É provável que uma avaliação de seu trabalho somente seja possível depois que a arquitetura brasileira tenha constituído uma obra suficiente para que nela se entreveja o partido que Lúcio delineou há muitos anos, e que é menos um repertório de formas ou uma determinação construtiva do que uma certa atitude3 diante da modernidade, que nele sempre esteve demarcada por um olhar retrospectivo sobre nosso passado colonial.
A resposta de Richard Morse a minha crítica ao Espelho de Próspero, tanto quanto o próprio livro, reflete uma preocupação que todos compartimos, que é a da possível incompatibilidade entre uma agenda de modernidade e o que se poderia denominar, para usar alguma expressão, de “tradições culturais latino-americanas”. A “questão cultural”, que no passado vinha envolta em especulações mais ou menos brilhantes sobre “caráter nacional”, “identidade cultural” ou “personalidade básica” de povos e sociedades, cobrou nova notoriedade com o aparente fracasso dos projetos modernizadores e democratizantes da maior parte dos países do Terceiro Mundo e o ressurgimento do nacionalismo em todas as suas formas, assim como do novo fundamentalismo islâmico.
Resumo
A redescoberta da questão cultural traz uma contribuição benéfica para as ciências sociais, ao questionar o etnocentrismo ocidental que as caracteriza em grande parte, e chama a atenção, também, para o fato de que ainda não sabemos como lidar com esta questão de forma realmente satisfatória, abrindo assim novos horizontes para a pesquisa, e uma nova
fronteira para a teoria.
Ria com uma bonomia que a gordura ilustrava e uma afabilidade que a boa educação lhe transmitira. Tinha a mania de concordar com o que lhe fosse dito e continuar no mesmo assunto e tom. Nisto era sincero. Sempre lhe atribuí uma profunda vontade de mandar, intuição confirmada quando o vi devorar uma taça enorme de sorvete. Falava rapidinho, entre lambidas, procurando guardar a iniciativa na discussão.
“O passado que não quer passar” – com isso não se quer exprimir outra coisa senão o passado nacional-socialista dos alemães ou da Alemanha. O tema implica a tese de que normalmente todo passado passa, e de que há algo de muito excepcional neste não-passar. Por outro lado, o passar normal do passado não pode ser concebido como um desaparecer. Tudo indica que o passado nacionalsocialista, não está sujeito — como ressaltou ainda recentemente Hermann Lübbe — a esse esvaecimento, a esse processo de enfraquecimento, mas parece tornar-se cada vez mais vivo e forte, não porém como uma imagem-modelo (Vorbild), mas como uma imagem assustadora (Schreckbild), como um passado que se instaura diretamente como presente, e que pende sobre o presente como uma espada da justiça.
Resumo
Há boas razões para isso. Quanto mais claramente a República Federa da Alemanha e a sociedade ocidental em geral se desenvolvem rumo à “sociedade do bem-estar”, tanto mais estranho se torna a imagem do III Reich, com sua ideologia da abnegação em prol da guerra, das máximas como “canhões em vez de manteiga”, das citações tais como “Nossa morte será uma festa”, extraídas dos Edas e entoadas em coro nas comemorações escolares.
Tudo o que ouvi dizer de minha avó materna devo à insistência com que abordei o assunto. Minha mãe gostava de contar casos de família depois do jantar, sentada à mesa da copa ou numa poltrona de couro da sala, mas esse ela muitas vezes evitava com habilidade. Dizia que ainda era menina quando minha avó morreu, que as coisas que sabia tinha escutado entre os oito e os doze anos de idade, que a partir daí o convívio com a mãe ficou muito prejudicado ou então que sua memória andava fraca ultimamente.
Resumo
A impressão que me dava, vendo-a passar o dedo em cima de um friso da toalha ou de um veio saliente no braço da poltrona, era a de alguém que no primeiro instante se recorda e no seguinte abafa compulsivamente as imagens evocadas.
Poemas de Alberto Martins.
“Às vítimas da guerra e da tirania” – essa inscrição na lápide do Nordfriedhof de Bonn requer uma abstração considerável por parte do observador. De nossa formação cristã aprendemos que no dia do Juízo cada um de nós coloca-se sozinho, de maneira insubstituível e sem a proteção de nenhuma prerrogativa ou bem terreno, frente a frente com um Deus Julgador, com cuja benção contamos justamente porque não duvidamos da retidão de sua sentença.
Resumo
Um após outro, todos podem esperar o mesmo tratamento, tendo em vista a impermutabilidade entre histórias de vida que têm de responsabilizar-se por si mesmas. Dessa abstração do Juízo Final surgiu também aquele nexo conceitual entre individualidade e igualdade no qual ainda se apóiam os princípios universalizantes de nossa constituição, mesmo que estes sejam talhados para a falibilidade da faculdade humana de julgar. Foi, portanto, a intuições (Intuitionen) morais profundamente arraigadas que Alfred Dregger apelou no Bundestag quando, em 25 de abril de 1986, durante a discussão sobre a construção de um novo monumento em Bonn, opôs-se decididamente à concepção de que se deve distinguir entre criminosos e vítimas do regime nacional-socialista.
Resenha da obra de José Antonio Gonsalvez de Mello por Pedro Puntoni e resenha de “Tutankaton”, de Otavio Frias Filho, São Paulo: Iluminuras, 1991, 167 pp. por Augusto Massi
Gregório de Matos e Antônio Vieira foram contemporâneos. Há testemunhos de que se conheceram e estimaram no período baiano de ambos, que coincidiu com os últimos anos de vida de um e de outro: o poeta morreu em 1696, o pregador no ano seguinte. Comparado com o “piccolo mondo” de Gregório, sátiro e cronista das mazelas da Bahia, o universo de Vieira se mostra mais largo. Jesuíta, conselheiro de reis, confessor de rainhas, preceptor de príncipes, diplomata em cortes européias, defensor de cristãos-novos e com igual zelo missionário no Maranhão e no Pará, Vieira traz em si uma estatura e um horizonte internacional.
Resumo
interesse que ainda hoje desperta a sua obra extensa e vária (duzentos e sete sermões, textos exegéticos, profecias, cartas, relatórios políticos…) só tem a ganhar se for norteado por um empenho interpretativo que consiga extrair dela a riqueza das suas contradições, que são as do Sistema Colonial como um todo, e que só a experiência brasileira, de per si, não explica.
Não seria possível afogar-se nesse mar. O azul leve, espaçado, indica que a profundidade é pouca, quase nenhuma. Se o fizéssemos céu – passagem que o próprio quadro parece solicitar -, aí sim nos perderíamos: a cor tênue que suporta esses poucos elementos impede a articulação das coisas, e com ela o traçado de constelações e figuras que nos orientem.
Resumo
Nem mar romântico, cuja animação e abundância garantem de saída volume e profundidade, nem céu clássico, com sua geometria rigorosa, essa tela de Volpi oscila entre a indiferenciação e a mais sutil das ordenações, entre a pouca resistência de um material fluido, formalizável apenas pelo paciente trabalho de um sujeito muito singular, e a espessura
indolente de uma massa inarticulada. Uma parte do Brasil está contida nesse movimento, nessa obra — é o que espero mostrar neste artigo.