Nos últimos quarenta anos assiste-se, no Brasil, a uma diminuição relativa das populações declaradas brancas e pretas e, consequentemente, a um aumento relativo dos pardos.
Resumo
A grande dificuldade ao tratar de entender o papel da mortalidade, da nupcialidade e da fecundidade na determinação dos diferentes ritmos de crescimento desses segmentos populacionais reside, em primeiro lugar, na forma como é gerada a informação sobre a cor. Ela passa pela classificação utilizada e pela forma de levantamento, onde entrevistado e entrevistador são responsáveis pela resposta.
Já vai longe o tempo em que o antropólogo, depois de passar algum tempo junto a um grupo estranho, escrevia textos em que retratava culturas como um todo e em que tranquilamente afirmava como os Trobriandeses vivem, o que os Nuer pensam, ou no que os Arapeshi acredi tam. O antropólogo contemporâneo tende a rejeitar as descrições holísticas, se interroga sobre os limites da sua capacidade de conhecer o outro, procura expor no texto as suas dúvidas, e o caminho que o levou à inter- pretação, sempre parcial. As regras implícitas que regem a relação entre autor, objeto e leitor, e que permitem a produção, a legibilidade e a legitimidade do texto etnográfico, estão mudando.
Resumo
Se tomarmos essa caracterização como a descrição do que ocorreu na definição do papel do autor nos discursos científicos, fica evidente a posição peculiar ocupada pela antropologia. Ao contrário do que acontece em outras ciências e mesmo nas outras ciências sociais, em que o analista e pesquisador procura o mais possível estar ausente da análise e da exposição dos dados, como meio de garantir uma posição neutra e objetiva legitimadora da cientificidade, o antropólogo nunca esteve ausente de seu texto e da exposição de seus dados.
Os anos 60 e 70 foram de incorporação das atividades agrárias brasileiras à dinâmica industrial, comercial e financeira prevalecente no país. Esse movimento criou, diversificou e expandiu as forças sociais modernas, tornando-as predominantes e subordinando, por completo, as forças tradicionais. Os anos 80 são de avanço no processo de incorporação, impulsionado pela dinâmica das forças modernas.
Resumo
A modernização consiste na incorporação das atividades agrárias aos atuais padrões industriais, comerciais e financeiros e aos padrões urbanos de vida. As transformações do modo rural predominantemente tradicional em moderno colocou as forças agrárias em relação com mercados fortemente oligopolizados e administrados, o que redefiniu em boa medida os mercados competitivos vigentes no padrão agrário.
Entrevista com Alfredo Bosi.
Resumo
O ponto de partida desta entrevista era o lançamento de Céu, Inferno (Ed. Ática, 288 pp.), novo livro do professor e crítico literário Alfredo Bosi. Porém, à medida que fomos recortando temas e aprofundando questões teóricas, a conversa ganhou a dimensão de um depoimento: biografia e experiência intelectual. Estamos, então, diante de um retrato retrospectivo que lança luz sobre o presente, tempo em que as inquietações do Sujeito interrogam a ação da História. Céu, Inferno, ao condensar em seus ensaios vinte anos de produção crítica, permite oferecer um registro mais amplo e dinâmico do percurso intelectual de Alfredo Bosi. O livro atuou entretanto como esboço, forneceu as linhas de apoio através das quais pôde emergir uma imagem verdadeiramente expressiva do entrevistado. O retrato é incompleto, mas suficientemente móvel para deixar entrever os múltiplos perfis: crítico, historiador e pensador da cultura.
Uma conversa entre Elias Canetti e Theodor W. Adorno.
Poemas de Ronaldo Brito e Augusto Massi e um conto de Modesto Carone.
A última geração de africanistas, através de uma profunda revisão do sentido da mudança social na África, questionou em alguns pontos as concepções anteriores de que as mudanças na África pré-colonial tinham sua origem basicamente na influência de europeus e de outros estrangeiros. De acordo com esse antigo ponto de vista – ou seja, a imagem de uma África eterna -, as sociedades na África tropical, a não ser quando pressionadas pela crescente presença européia, mudavam num passo glacial.
Resumo
O fato de essa visão ter conseguido sobreviver até tempos relativamente recentes, ainda que apenas entre estudiosos cujos trabalhos enfocavam outras regiões, é ilustrado pela famosa caracterização da história africana por H.R. Trevor-Roper como o estudo das “nada gratificantes circunvoluções de tribos bárbaras num recanto pitoresco mas irrelevante do planeta”. Contrastando com isso, um notável corpo de pesquisas recentes conseguiu demonstrar as características dinâmicas e inovadoras das sociedades africanas pré-coloniais, particularmente no terreno político, econômico e religioso.
No século XVIII e nos primeiros decênios do século XIX, três móveis distintos determinam as iniciativas oficiais luso-brasileiras no âmbito da imigração livre. Em primeiro lugar, as autoridades procuram consolidar o povoamento de regiões militarmente vulneráveis, como o Sul do Brasil, onde famílias açorianas são introduzidas após o tratado de Madri (1750) e onde, no início do século XIX, colônias militares são estabelecidas. Da mesma forma, terras devolutas são por vezes distribuídas a colonos em regiões ameaçadas por tribos indígenas ou por quilombos. Em segundo lugar, a introdução de trabalhadores livres responde às necessidades de mão-de-obra do setor terciário.
Resumo
Centro do vice-reino português desde 1763, sede da corte portuguesa entre 1808 e 1821, capital do Império do Brasil a partir de 1822, o Rio de Janeiro é o palco de trabalhos contínuos de fortificação e de obras urbanas. Paralelamente, o avanço da fronteira agrícola — puxado pelas fazendas de café — e o desenvolvimento das comunicações com o interior acarretam a construção e a conservação de estradas, de pontes e de trilhas na interlândia do maior porto brasileiro. Para a realização dessas tarefas, as autoridades requisitam escravos e instrumentos de trabalho dos fazendeiros.
A existência de direitos de propriedade afeta a demarcação e a distribuição de recursos econômicos. Os direitos exclusivos à posse e ao controle sobre os bens conduzem a um nível e a um padrão de atividade econômica diferentes do que ocorreria se estes bens permanecessem sem dono ou “propriedade comum”.
Resumo
Embora os direitos de propriedade sejam frequentemente sujeitos a várias restrições impostas pela lei ou costume, dentro desses limites os proprietários são livres para utilizar seus recursos com vistas a atingir os fins desejados. Os recursos podem ser vendidos, em uma permuta de direitos de propriedade; alugados por um período de tempo especificado, em troca de alguma compensação; ou empregados (ou mantidos ociosos) pelo proprietário. A função de prosperidade do proprietário incluirá a renda (ou outra utilidade) derivada do uso do recurso, ao passo que, para o propósito de medir a renda nacional, o consumo final de toda população seria incluído.
A larga e bem-sucedida difusão da Filosofia Positiva de Auguste Comte na segunda metade do oitocentos brasileiro – assim como no restante da América Latina – constitui até hoje um dos grandes mitos de nossa vida intelectual e política. Mal comparando, algo semelhante sucederia ao marxismo no século seguinte. O Positivismo entre nós foi antes de tudo um clima de opinião.
Resumo
Embora o principal chefe militar da República recémproclamada o considerasse uma seita abstrusa, o fato é que ele foi presença aparatosa na publicística que acompanhou a agonia do Império e os primeiros anos do regime republicano, mais discreta e tergiversante porém, durante a campanha que culminou na Abolição da Escravatura. Não havia arenga ou editorial, debate parlamentar ou tertúlia científica, que não estivesse forrada com a gíria positivista; pipocavam na menor tirada “a anarquia mental”, “a pedantocracia”, “a ordem é fator do progresso”, “a integração do proletariado”, “os mortos governam os vivos” etc.
Dentre as abordagens contemporâneas não ortodoxas (neoclássicas) à teoria econômica, em particular focalizando a mudança estrutural – inclusive tecnológica – e a crise, tem despertado crescente interesse a da chamada “Escola (Francesa) da Regulação”. Ela se propõe a tratar com abrangência e profundidade teórica os processos de transformação da economia sob a ótica da acumulação de capital, empregando categorias e conceitos que transcendem o aparato habitual da análise econômica, em direção aos elementos que conferem coesão social, em particular ao papel do Estado.
Resumo
O conceito-chave, como seria de se esperar, é o de regulação. É preciso, antes de mais nada, prevenir o equívoco de confundi-lo precipitadamente com a idéia difusa de regulação estatal sob o capitalismo. A noção de regulação aqui tratada é mais abstrata, e pertence grosso modo ao mesmo campo de definição da noção de reprodução. Nesse sentido, implica desde sua concepção uma abrangência considerável, extrapolando largamente o âmbito econômico e abarcando plenamente o social, além do político.
Água, sangue, bálsamos curativos, poções mágicas — os fluidos desempenham um papel decisivo nessa mitologia. As histórias de Wagner são freqüentemente desencadeadas a partir de um mundo aquático. Uma chegada pela água e uma partida pela água moldam os enredos de O Navio Fantasma e Lohengrin. A saga do Ring (Anel dos Nibelungos) começa literalmente na água, sob a superfície do rio Reno (para terminar, quatro óperas depois, num dueto cósmico de água e fogo). A mais delirante exploração da fluidez que Wagner realizou, Tristão e Isolda, começa e termina em viagens pela água.
Resumo
Parsifal, assim como Tristão e Isolda, é em muito uma história de fluidos. Entretanto, nessa última das treze óperas de Wagner, o que é definido como redenção — encontrar alguém que cure, e com sucesso, o rei ferido Amfortas — de fato se realiza, e nos termos esperados. Alguém virgem, dessa vez um homem, um ingênuo casto, realmente surge.
Afirmação 1 — A inflação brasileira apesar de alta está estabilizada. Afirmação 2 — Não será difícil articular um pacto social em torno de um plano de estabilização econômica. Afirmação 3 — Diante da ameaça de uma hiperinflação, os militares seriam fiéis aos princípios democráticos, mesmo que a hiperinflação representasse um risco de colapso nas relações de troca e de produção, com suas consequências negativas sobre o emprego e a “ordem”. Afirmação 4 — A convicção democrática da sociedade brasileira ofereceria uma forte resistência a qualquer tentativa de intervenção militar, mesmo que essa viesse para tentar evitar ou interromper as sequelas de um processo hiperinflacionário.
Resumo
A segmentação e corporativização da sociedade brasileira, a paralisação na capacidade coordenadora e regulatória do Estado, o esgarçamento dos mecanismos de representação, a perda de credibilidade da classe política, a afirmação dos valores conservadores nas mais diversas camadas da sociedade, tudo isso está chegando a níveis intoleráveis.
Em dezembro de 1986, uma nova geração de cidadãos franceses atingiu a maioridade de forma dramática. Estudantes protestavam contra uma lei que teria aumentado as taxas universitárias e tornado mais rigorosos os requisitos para ingresso na universidade. Uma multidão festiva, de cerca de 1 milhão de pessoas, precipitava-se de ônibus e estações do metrô, ganhava as ruas de Paris e encontrava seu caminho para a televisão nacional bradando seu protesto contra a lei “Devaquet” no ritmo de sucessos musicais populares e cantigas infantis. Diante da recusa do governo Chirac em acolher as exigências dos estudantes, uma série de marchas estendeuse até o período de férias, ao preço de pelo menos uma morte e muitos feridos graves, além do estopim de greves igualmente explosivas entre os ferroviários e os empregados de empresas de serviços públicos.
Resumo
Para o governo, um discurso que recusava o costumeiro controle sindical e toldava as fronteiras de Direita e Esquerda só podia ser chamado de caos. As “forças da ordem” (a polícia) pareciam ser a única resposta para uma turba tão indisciplinada, que ousava surpreender os homens do poder com exigências imprevisíveis. Mas seria apenas aparente a falta de unidade do movimento?