O observador que conseguir abstrair-se um pouco das agruras eleitoreiras da atualidade para recapitular a evolução política do período pós-1964 deparará com um dado incontornável, insofismável. Houve, no coração dos anos 70, uma silenciosa revolução eleitoral neste país. Por qualquer lado que se meça, por qualquer ponta que se pendure, os resultados das eleições de novembro de 1974 traduzem o voto maciçamente oposicionista de um eleitorado avolumado — tanto em extensão demográfica como em profundidade social — pela chegada de novos eleitores.
Resumo
Em 1960 só um adulto brasileiro sobre dois era eleitor, em 1980 quatro sobre cinco já comparecem às urnas. Driblando a “Lei Falcão” de 1976, o “pacote de abril” de 1977, o voto vinculado de 1982, esse eleitorado desmantelou a Arena e cm seguida o PDS, tornando inviável a institucionalização do regime autoritário. Essa constatação dá ainda maior aspereza à situação presente, às vésperas da Constituinte, quando a crise de identidade partidária se desdobra numa verdadeira crise de representação parlamentar.
No fim do regime militar o setor público estava fortemente endividado. Tal situação decorria especialmente: (a) da administração da dívida externa brasileira e de seus desdobramentos internos desde os anos 70; (b) dos efeitos dos eventos mais dramáticos da crise internacional (a mudança da política econômica americana em fins da década de 70 e a ruptura do sistema internacional de crédito em 1982); (c) das políticas internas de ajustamento. Tal endividamento estreitava severamente o raio de manobra da política econômica, tornando-a instável e inflacionária.
Resumo
Dada a dimensão e a natureza estrutural do desequilíbrio financeiro do setor público, a intenção de restringir severamente a expansão da liquidez levou o governo a optar por um forte endividamento. Para tanto, a direção do Banco Central julgou necessário manter elevadas taxas de juros (agravando a situação do setor público) e alterar a sistemática de cálculo das correções monetária e cambial.
Em fins de fevereiro, a situação da economia continuava excelente (em termos de forte crescimento do produto e do emprego), mas a aceleração inflacionária ameaçava se transformar em fator iminente de crise. As causas ativas da inflação pareciam, no entanto, sanadas: o bom desempenho das contas externas afastava a necessidade de qualquer maxidesvalorização e o déficit público estava sendo drasticamente reduzido. No entanto, a aceleração inflacionária não era gratuita. Ela sinalizava a agudização do conflito distributivo, que se traduzia na conhecida espiral preços-salários.
Resumo
A decretação da reforma monetária representou uma intervenção, ampla e autoritária, do Estado nos conflitos distributivos que caracterizam o atual momento histórico. Embora a forma do D.L. 2283 seja impor congelamentos de preços, o seu conteúdo foi de arbitrar os conflitos por critérios nem sempre explícitos em lugar das negociações que necessariamente precederiam um pacto social.
Em junho de 1977, o governo brasileiro deu um passo sem precedentes. Negou à IBM, Burroughs, NCR e diversas outras importantes companhias transnacionais (CTNs) do ramo de computadores permissão para fabricarem minicomputadores no Brasil, decidindo, em vez disso, confiar seu futuro na alta tecnologia em cinco firmas nacionais. Todas elas pequenas e recém-criadas.
Resumo
Sete anos mais tarde, em 1984, o Brasil continuava a insistir em que o capital estrangeiro fosse excluído dos segmentos inferiores da indústria de computadores. Com o forte apoio de uma variedade de nacionalistas, a política de informática tornou-se parte da legislação brasileira — para desgosto
das CTNs, do governo americano e dos defensores locais da política do laissez faire.
Tem sido motivo de mote e glosa a chamada “novidade” que o PT representa na política brasileira. Desde seus adeptos até seus adversários, estes muitas vezes maliciosamente incentivando o isolamento do PT de outras forças políticas, a primeira coisa que se diz do PT é essa “novidade”.
Resumo
Há verdades, meias-verdades e equívocos na afirmação de que o PT é o primeiro partido político na história brasileira que emergiu da classe operária, não apenas do ponto de vista de sua “missão” mas no sentido mais preciso de que foram operários os seus principais fundadores. O equívoco reside em desconhecer, ou aparentar — freqüente tanto entre os sindicalistas quanto entre os militantes vindos da esquerda, e mesmo entre os intelectuais que militam no partido — a anterior história do movimento operário brasileiro e suas projeções nos partidos políticos.
Com a perspectiva da nova Assembléia Nacional Constituinte, ressurge a questão sobre as ligações entre uma maior oferta de bens e serviços, uma maior criação de postos de trabalho, uma elevação real de salários e o direito a todos de serem tratados com igualdade perante a lei. Vale dizer, ressurge a questão das relações entre acumulação de capital e equidade.
Resumo
O presente texto é um conjunto de notas, bastante preliminar, em busca de alguma resposta. Toma-se o fato particular da fome como um dado que incita à formulação de um esboço de problemática que visa a situar a privação alimentar da maioria da população nas determinações sociológicas das relações entre economia e direito através do Estado.
Transcorrida a primeira metade da década de 80, a situação econômica da maioria dos países da América Latina, bem como suas decorrências nos planos social e político, aparecem caracterizadas pela continuidade de uma crise de surpreendente extensão e extraordinária profundidade.
Resumo
A relativa similitude com que seus sinais se projetam nas distintas economias nacionais — não obstante as nodiária é também um indicador da gravidade que esses problemas assumiram e do grau em que as decisões econômicas, bem como as políticas e ações que as expressam, afetam diretamente as condições de vida das populações nacionais.
Pode-se dizer que de 65 a 69 – até a revanche do regime – boa parte dos artistas brasileiros pretendia, ao fazer arte, estar fazendo política. Passada a hesitação do primeiro momento – provocada pelo golpe militar e pelos primeiros expurgos e prisões -, intelectuais e artistas voltam a reclamar para si um papel de ponta na resistência ao processo regressivo por que passava o país.
Resumo
Como disse, em 65, Sérgio Ferro, num debate entre artistas e críticos: a unidade que ocorria no Brasil, no setor das artes plásticas, não estava num parentesco formal, mas na posição agressiva, no nãoconformismo, em sua tentativa ampla e violenta de desmistificação. Esta característica comum, de retorno à realidade (abandonando a abstração que era até bem pouco a tendência dominante), parece autorizá-lo a chamar toda essa nova produção, como o fizera Mário Schenberg, de “realista”, aliás, subtítulo do programa do seminário “Propostas 65”.
Com certeza, qualquer reflexão séria a respeito das possibilidades de se consolidar a democracia na América Latina deve partir do pessimismo. A razão principal disso é simplesmente o fato de que o desempenho histórico dos regimes em questão foi tão pouco promissor. Nesse sentido, não são necessariamente animadores nem a desintegração recente dos regimes autoritários na Argentina, no Brasil e no Uruguai, que pareciam bem entrincheirados, nem o aparente vigor das novas correntes democráticas nesses países.
Resumo
Não nos adiantará muito procurar a causa fundamental dessa instabilidade. Sua força e duração sugerem que é produzida por uma ampla gama de fatores convergentes e inter-relacionados, desde as estruturas culturais e sociais até a vulnerabilidade econômica. Seria igualmente fútil ditar “pré-condições” para a consolidação da democracia: serviria apenas para esboçar um esquema inteiramente utópico que visasse à modificação de tudo aquilo que sempre caracterizou a realidade latino-americana, e equivaleria, portanto, a querer dissolver essa realidade, como que num passe de mágica.