Aos trancos, o governo Figueiredo vem capitaneando o processo de abertura. Pouco a pouco a opinião pública foi-se acostumando ao ritmo e à estatura (pequena) de sua história. Em brocardo antigo dizia-se: entregar os anéis, para não perder os dedos. Assim foi, com a abertura abriram-se espaços para a expressão política da sociedade para não per der o controle do eixo de poder.
Resumo
Nunca será demais insistir no elevado custo da fase de recessão que se abateu sobre a economia brasileira desde o final de 1980 e até hoje se prolonga sob a forma de estagnação econômica. Todos os indicadores disponíveis sugerem que tal fase é a pior desde o início dos anos 30, quando o país enfrentou as restrições da crise econômica mundial de então.
Os efeitos negativos desse verdadeiro desabamento da atividade econômica permanecerão por vários anos. Basta lembrar que, se a partir de 1983 a economia crescesse a 5% ao ano e a indústria a 7% (hipóteses excessivamente otimistas), somente em 1985 voltaríamos à renda per capita e ao nível de emprego industrial atingidos em 1980. Isto, num país onde ingressam anualmente no mercado de trabalho cerca de 1,3 milhão de pessoas e no qual 40% da população economicamente ativa recebia, em 1980, até um salário mínimo mensal. A grande maioria dos brasileiros castigados pela crise econômica certamente nunca manuseou uma nota de 1 dólar, nem sabe o que significa balanço de pagamentos. Terá, porém, escutado das autoridades governamentais que a situação econômica difícil se deve à escassez de dólares ou aos problemas do balanço de pagamentos.
Resumo
Vendo a Argentina de hoje, vendo o que nós argentinos estamos fazendo a nós mesmos há tantos anos, pouco espaço resta para outros sentimentos. Talvez, querendo acreditar nas virtudes catárticas de haver tocado o fundo, seja possível pensar num longo e sinuoso caminho de recuperação. O regime militar implantado em 1976 exagerou tendências profundamente inscritas na sociedade argentina; se não entendermos isto, se acreditarmos que esse monstro surgiu do nada, a Argentina nunca poderá encarar-se a si mesma.
A feroz e injustificável violência que o regime militar desatou sobre sua própria população montou-se sobre a guerra de todos contra todos, que se foi deflagrando desde 1969. A Argentina embriagou-se com o mito da violência politicamente eficaz e, em última instância, purificadora. Escudados nesse mito, os grupos paramilitares, as Forças Armadas, as organizações guerrilheiras e bandos armados por certas cúpulas sindicais e grupos empresariais praticaram prolixamente a morte. O espetáculo da morte tingiu o cotidiano de todos, atéo ponto em que, evaporada a garantia estatal da ordem, mesmo as ruas passaram a ser propriedades dos assassinos.
Resumo
Na análise da política externa de um país convém, analiticamente, levar em conta duas dimensões distintas porém complementares. A primeira diz respeito às normas de funcionamento da ordem mundial num dado momento. A segunda trata de esclarecer a maneira pela qual um país se insere na dinâmica de funcionamento da ordem mundial, incluindo- se no estudo desta inserção suas relações bi e multilaterais. Creio que uma rápida análise destas duas dimensões é importante como passo prévio para um estudo da posição da diplomacia brasileira na recente crise do Atlântico Sul, que teve como epicentro o confronto bélico entre a Argentina e a Grã-Bretanha provocado pelo problema das Malvinas.
Do ponto de vista da dinâmica de funcionamento do sistema internacional, parece claro que existe, hoje em dia, no plano mundial, uma cisão entre ordem e poder. O tradicional poder de gestão do sistema internacional, classicamente exercido pela ação das grandes potências, está em crise. Esta crise se traduz tanto no plano estratégico-diplomático, quanto no campo econômico, pela erosão do padrão de previsibilidade das relações entre os diversos protagonistas da vida internacional. No campo econômico, além do aprofundamento das tensões Norte/Sul, cabe mencionar que o parâmetro do razoável não mais se adapta, na década de 80, às normas previstas nas instâncias reguladoras — tipo GATT e FMI — criadas no segundo após-guerra para imprimir um mínimo de coerência necessária ao processo de transferência internacional de recursos (bens, capital, tecnologia) num mercado de alcance mundial.
Resumo
Estaríamos diante de um novo fato político? Ou, ao contrário, assistiríamos a uma reedição de práticas tradicionais, como o coronelismo, típico do universo rural, ou o populismo, dotado de forte apelo junto às massas urbanas? Qual o impacto de algumas práticas políticas, tendo em vista as metas ligadas à transição para um regime político mais aberto e pluralista? Eis algumas das indagações que vêm à tona, a partir do momento em que a liberalização do sistema e a construção de uma nova ordem política assumem o primeiro plano das discussões e articulações políticas, inserindo-se, com peso e importância variáveis, na prática dos diferentes grupos.
A tentativa de comparar Chagas e Maluf, duas lideranças que certamente se afirmaram, na política local, como chefes de poderosas máquinas, leva-nos a constatar, a despeito das várias semelhanças, algumas diferenças significativas. Em ambos os casos, clientelismo, isto é, a prática do favor e a arte da sedução política, aparecem como elementos centrais de uma estratégia voltada basicamente para a conquista e a preservação do poder.
Resumo
O malufismo desperta com frequência reações emocionais que oscilam entre o embaraço, provocado pela sensação de ridículo, e o ódio diante da desfaçatez, sem mencionar o fascínio que sua esperteza não deixa de suscitar em mais de um. Entretanto, não vejo razão para rir, pois o “fenômeno” Maluf é sério. Entretanto, não vejo razão para rir, pois o “fenômeno” Maluf é sério. Mas também não há razão para pânico, pois sua suposta onipotência ocupa apenas o lugar de nossa ignorância: enquanto contemplamos, admirados e irritados, suas peripécias, acabamos tomando pouco, muito pouco do tempo necessário para a análise e a reflexão.
As interpretações correntes do carreirismo do sr. Paulo Maluf refletem esse estado de coisas: apegando-se a modelos familiares, fornecem um meio cômodo de negar a novidade do fenômeno e a necessidade de inventar formas igualmente novas de combatê-lo. A reação mais comum é a que poderíamos chamar de social-udenismo, e consiste em indignar-se com o desprezo malufiano pelos princípios, ao invés de opor-se eficazmente às suas práticas. O risco é o de dar demasiado crédito às virtudes intrínsecas dos princípios abstratos, tais como o Bem Comum e a Justiça Social, levando à intransigência, irmã gêmea do golpismo. O social-udenismo e o udenismo tout court se equivalem na prática.
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Desde a infância, quando travam o primeiro contato com o engodo nas histórias de Pedro Malasartes, os brasileiros demonstram certo fascínio diante da esperteza, da malandragem, da vigarice. Os anti-heróis da literatura popular, sejam autóctones, como o Lampião dos cordéis que consegue até enganar Satanás no inferno, ou alienígenas, como Arsène Lupin, o ladrão de casaca, provocam simpatia principalmente pelo engenho e arte com que engabelam o próximo. As notícias de conto-do-vigário despertam sorrisos de admiração pela façanha do criminoso e pouca ou nenhuma comiseração pela vítima. Na hierarquia dos presídios o status mais elevado é o do malandro.
Talvez o primeiro político brasileiro a dar-se conta da tolerância e simpatia da opinião pública para com o esperto tenha sido o sr. Adhemar de Barros. (Nota para as novas gerações: Adhemar Pereira de Barros, 1901-1969, interventor em São Paulo, 1938-1941, e depois duas vezes governador eleito, em 1947 e em 1962, tão honrado quanto o sr. Paulo Salim Maluf. Entretanto, acusado por seus adversários de, entre outros feitos, ter furtado objetos do palácio e de apostar sistematicamente grandes quantias no “bicho que der”.) Ao utilizar como slogan eleitoral a expressão “rouba, mas faz”, o sr. Adhemar de Barros não se dava ao trabalho de refutar a pecha de desonesto, provavelmente por considerar que os eleitores não estavam reocupados com isso. O sr. Maluf não.
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À primeira vista, os indicadores básicos relativos à Polônia apresentados no último Relatório do Banco Mundial sugerem uma alegre estória de desenvolvimento bem-sucedido. O país pode orgulhar-se de apresentar uma taxa média de crescimento anual do PNB per capita de 5,2% nas duas últimas décadas (de 1960 a 1979) e mesmo de 6,1% de 1970 a 1979. Até 1979, especialistas internacionais ainda estavam convencidos de que, não obstante algumas dificuldades sérias a curto prazo, a Polônia teria um futuro econômico brilhante, graças aos seus esforços, basicamente corretos, no sentido de expandir as indústrias voltadas para a exportação, mercê de transferências maciças de tecnologia ocidental.
A noção de crescimento enquanto tal não leva em conta, automaticamente e de modo positivo, nenhum desses aspectos. O que ocorre na maioria das vezes é uma correlação entre crescimento rápido e maldesenvolvimento (“maldevelopment”), termo que também em inglês é um neologismo), caracterizado pela deterioração da qualidade de vida, a má distribuição crescente da renda e a elevação dos custos de gestão da economia e da sociedade (os faux frais da produção, na terminologia marxista), que consomem uma parte substancial da produção final e, por fim, mas não menos importante, o aumento da taxa de depredação da natureza.
Resumo
Assistimos hoje, no Brasil, com a ocupação da Amazônia, ao fim da “fronteira”, isto é, daqueles grandes vazios demográficos e econômicos que constituíram, no passado, a reserva territorial para expansão da sociedade nacional. De um lado, esse processo aguça o conflito entre os grandes proprietários e a massa agrária de despossuídos que já não têm mais para onde ir em busca de terra “livre”. De outro lado, a ocupação desses imensos espaços vazios por posseiros sem terra, ou sua apropriação em escala gigantesca pelas grandes empresas capitalistas, ou ainda a ação crescente do Estado na abertura de estradas e na implantação de projetos de mineração ou hidrelétricos, estão expondo ao contato com a “civilização” dezenas de grupos indígenas que até agora haviam conseguido sobreviver no que era longínquo sertão.
No Brasil, a questão com que nos defrontamos é definir um lugar para o índio na sociedade nacional. O problema certamente não é novo. Nasceu com a formação da colônia e vem sendo recolocado até hoje, de modo sempre um pouco diferente, mas também sem encontrar nunca uma solução. Inspirou, desde o passado remoto, inúmeros debates candentes que permitiram, a nível puramente ideológico, enfrentamentos radicais. A imagem do índio foi exaltada ou denegrida, servindo, simultaneamente, como metáfora de liberdade natural e como protótipo do atraso a ser superado no processo civilizatório de construção da nação.
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Até 1964, quando foi criado o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (Serfhau), pode-se afirmar que a necessidade de planejamento urbanístico para as cidades brasileiras era ignorada e desconhecida. É bem verdade que em épocas anteriores houve alguns exemplos de cidades parcial ou totalmente planejadas, assim como algumas tentativas circunstanciais de reformas urbanas setoriais e localizadas. Mas os poucos exemplos que podemos citar: o saneamento-embelezamento do Rio de Janeiro no início do século, Belo Horizonte, Belém, Aracaju, Goiânia, assim como a sucessão de cirurgias cosméticas realizadas em São Paulo desde Bouvard (1910) até Prestes Maia et alumni não passam de realizações episódicas, decorrentes ou de decisões de caráter elitista ou de conjunturas políticas excepcionais.
Segundo estimativas imprecisas, mas razoáveis, entre 1965 e 1972-73, quando o Serfhau foi extinto, o conjunto dos municípios brasileiros gastou cerca de 200 milhões de dólares em planos globais e setoriais, que, como todos nós sabemos, não renderam, em efeitos práticos, o custo do papel no qual foram impressos. Foi tão inócua a realização desses planos milionários que a maioria — senão a totalidade — dos atuais prefeitos do país ignora que existe um plano urbano para o seu município. Os dois últimos prefeitos de São Paulo certamente jamais se deram ao trabalho de compulsar os vários volumes encadernados e ilustrados que constituem o suposto Plano Diretor da capital do Estado.
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Se você entrevistar dez membros da elite brasileira, pedindo a cada um a lista do que gosta e do que odeia, certamente o futebol, o carnaval, o jogo do bicho e a cachaça surgirão na coluna das coisas detestáveis, do lado massificador e alienante da vida em geral e do Brasil em particular. E, muito curiosamente para o seu inquérito e para a reflexão sociológica, certas formas de “radicalismo chic” irão aparecer entre as coisas “que eu mais admiro”, junto com a música barroca, os quadros de Pancetti, as calças jeans, os autores franceses e, naturalmente, o Lula. Explicar essa antinomia tem sido um dos objetivos da minha carreirinha como antropólogo social, pois entendo que essa relação aparentemente casual e contraditória é coerente numa sociedade onde se preza a liberdade e até mesmo a igualdade, desde que se pertença à família apropriada, tenha-se estudado no lugar certo e se possua a ideologia a mais “aberta”.
Como as pessoas que escrevem são justamente os filhos, enteados, maridos, afilhados, amigos e sócios desta elite, eles naturalmente só falam dos temas nobres para a chamada “vida nacional”. Como, por outro lado, ninguém da elite vai ver futebol, carnaval ou jogar no bicho, deixa-se de lado tudo o que é classificado como do “povo”, porque aqui teríamos a revelação da alienação que uma sociologia generosa e bem-intencionada deveria tratar de erradicar. Sem discutir o generoso e as boas intenções desta postura , chamaria a atenção para o perigo das globalizações normativas, porque estas podem deixar de lado a questão da sociedade brasileira. E não há duvida de que sem passar a sociedade e seus sistemas de classificação pelo crivo da interpretação crítica estaremos todos muito longe de uma visão realmente transformadora do Brasil. E o país, sabemos, não é fácil. Vale dizer: estamos descobrindo que não há um modelo único do Brasil, embora se possa falar num “modelo brasileiro” ou usar paradigmas europeus e norte-americanos para esclarecer o caso do Brasil. Como diria Geertz, temos muitos modelos para o Brasil, e isso talvez seja o grande avanço das nossas Ciências Sociais nos últimos anos, mas não temos mais um modelo exclusivo do Brasil. Básico, parece-me, é descobrir que estamos nus e sós diante de nós mesmos e que cabe a nós e não a Freud, Marx, Weber ou Durkheim, nos dar de pacote ou presente — a teoria do Brasil.
Resumo
A profusa massa audiovisual de um dia inteiro de emissão televisiva no Brasil o que contém? Não pouca coisa, nem sempre a mesma, quase sempre outra, o que é complicado para o olho crítico com a ambição de trabalhar em cima da imagem emergente: não a de ontem, nem mesmo a de hoje – a do instante. A novidade em televisão passa pela dobradura de muitas injunções de natureza diversa e também por certa vocação irreprimível do veículo para a improvisação dentro da produção mais controlada, circunstância sem dúvida responsável por grande parte do interesse que provoca.
A empresa que anuncia bens ou serviços pela televisão quer que o preço pago pelo aluguel do tempo que irá ocupar seja bem aproveitado. Que este bem ou serviço (apresentado por meio da publicidade, os assim chamados “comerciais”) se insira em uma matéria televisiva (filme, novela, o que seja) com bom nível de audiência. Ora, esse bom nível de audiência para ser alcançado também depende de uma propaganda da própria emissora, que por meio de lembretes (as “chamadas”) inseridos na sua emissão diária alerta para a matéria em questão. Por sua vez ela (emissora ou rede), para cativar audiência e anunciantes, precisa se destacar entre as concorrentes, promover as excelências da sua programação como um todo por meio também de recursos promocionais. Assim se colocam respectivamente como determinantes da forma televisiva: a publicidade em sentido estrito e em sentido amplo: a propaganda ou simplesmente a promoção.