Texto de apresentação de Roberto Schwarz para a primeira edição da revista Novos Estudos.
“O esforço de estudar e entender a atualidade é grande no Brasil de hoje. Nunca tanta gente dedicou tanta boa vontade e tempo a conhecer o país e a criticar os seus rumos. É só ver o volume do que se fala, canta, filma, pinta, pesquisa, escreve etc, de olho sempre voltado para as contradições sociais. Entretanto, a despeito da qualidade e da intenção engajada de muitos desses trabalhos, é fato que o conjunto não soma, ou soma pouco. Faltaram talvez iniciativas e espaços em que estes saberes, que são consideráveis, pudessem cruzar, atravessar barreiras de classe e profissão, influir uns nos outros, e produzir a indispensável densidade de referências recíprocas.”
Resumo
Anos modorrentos, em que pouco a pouco vai-se vendo que o rumo traçado é uma via de muitas faixas, todas elas levando ao mesmo: a ordem acima de tudo, querida por todos, se possível; imposta na marra, se necessário. Ordem com lei, por certo. O arbítrio de outrora – os anos de incerteza deu lugar a certa previsibilidade e a certas garantias: o cidadão será respeitado (relativamente) e a ordem estabelecida será mantida (absolutamente).
Resumo
O Nordeste é a face do Brasil em que trasparece com brutal nitidez o sofrimento do povo. Quais as soluções? Nordeste não é um simples problema regional e tampouco um problema nacional entre outros, cuja abordagem pudesse ser deixada para amanhã, como se a solução dos demais pudesse avançar enquanto a desse espera. O Nordeste é, na verdade, a face do Brasil em que transparece com brutal nitidez o sofrimento de seu povo.
Por que a renda no Brasil aparece como sendo mais concentrada do que em qualquer outro país de nível de produtividade similar ao nosso? Simplesmente porque as disparidades regionais fazem que os aspectos mais perversos do desenvolvimento dependente aqui se apresentem agravados; na região mais pobre do País é maior a proporção de pessoas relegadas à condição de miséria. Por que é tão lenta a ascensão social das populações de origem africana entre nós — o que pressagia para o futuro deste País problemas raciais que poderão ser tanto mais graves quanto nos habituamos a suprimi-los de nosso horizonte de reflexões? Simplesmente porque as populações de origem africana são proporcionalmente mais numerosas nas regiões em que se acumula o atraso relativo. Por que é tão lento o nosso desenvolvimento social, a despeito do forte processo de acumulação e da relativa mobilidade que caracteriza nossa sociedade? Porque os fluxos migratórios que se originam nas áreas de atraso relativo operam no sentido de frear, ou paralisar, os movimentos sociais reivindicatórios nas regiões em que a produtividade cresce fortemente.
Resumo
Em 1877, a mal-afamada grande seca, que ainda hoje recheia as histórias do grande senão, fez emergir dramaticamente a questão regional do Nordeste: centenas de milhares de nordestinos tangidos como gado, errantes, desenraizados e famintos; e a morte, não a “morte Severina” e cotidiana, mas a morte mesmo – indiana?
Hoje a questão regional do Nordeste não é mais a da estagnação de sua economia: a região acompanha razoavelmente as taxas e o estilo da expansão capitalista no Brasil. Há crescimento industrial nas cidades e crescimento da produção agropecuária. A expansão industrial é presidida pelas empresas mais importantes do Centro-Sul, quando não diretamente multinacionais: não há praticamente nenhum grande grupo econômico operando no Brasil que não esteja também no Nordeste. No campo, as tendências de crescimento são bastante semelhantes às que se dão no País como um todo: há mecanização e conseqüente desemprego — “volantes” e “clandestinos” são os “bóiasfrias” do Nordeste.
Resumo
Qual é o papel de considerações e cuidados morais na ciência econômica? Mais genericamente, em que pé está “a questão da moralidade nas ciências sociais”? Para comentar estes problemas começarei dando razões pelas quais esta espécie de tópico dificilmente ocorre ao cientista social.
Em ciência, é freqüente que as descobertas fundamentais tenham a forma do paradoxo. Isso é verdade para alguns dos teoremas principais da física, tais como a proposição de Copérnico, segundo a qual é a Terra que se move em torno do Sol, e não vice-versa. Mas é possível sustentar também que, entre todas, as ciências sociais sejam as mais dadas à produção de paradoxos. A razão está no muito que todos nós sabemos a respeito da sociedade, ainda que nunca tenhamos freqüentado um curso na matéria. Vivemos em sociedade; freqüentemente somos atores em processos sociais, políticos e econômicos; e pensamos — é claro que às vezes enganadamente — saber grosso modo o que se passa não só em nossa mente, como também na dos outros. Em conseqüência, a nossa compreensão intuitiva e de senso comum dos “problemas” da ciência social, problemas como crime urbano, corrupção nas altas esferas ou mesmo inflação, é considerável.
Resumo
A história não fala por si só. Para que fale, é preciso que a façamos falar. Os Anos JK, uma Trajetória Política, de Sílvio Tendler, segue o percurso político de Juscelino Kubitschek, através do qual desponta um período recente da vida política brasileira. Quais os mecanismos que Sílvio Tendler aciona para fazer falar este período da história do Brasil?
O filme parte da premissa de que o regime político atualmente vigente no Brasil é ruim. O que ele não precisa demonstrar, pois dirige-se implicitamente a um público que pensa dessa forma. Bastarão algumas imagens grotescas e sinistras de presidentes militares (por exemplo, a de Costa e Silva com Castelo Branco) para confirmar esse dado. Em oposição ao atual regime, dado como negativo, propõem-se o governo e a figura de Juscelino como positivos. De que forma isto se dá?
Resumo
Na América Latina, houve um tempo de otimismo, quando se acreditou que industrialização e democracia eram projetos inseparáveis. Onde avançasse a primeira, a segunda terminaria por se consolidar de forma plena.
Uma produção alentada e estimulante tratou de perguntar sobre as condições da gênese e da estabilidade do novo tipo de regime — que o cientista político argentino Guillermo O’Donnell chamou burocrático-autoritário — assim como sobre suas tensões e conflitos típicos. E no afã de demolir o excessivo otimismo das análises do passado, não foram raras, no pólo oposto, as afirmações de que, na América Latina, o desenvolvimento capitalista, por beneficiar a poucos e excluir necessariamente a muitos, só podia florescer sob o autoritarismo. Em torno dessa polêmica afirmação gravita, nos últimos anos, um debate aceso e não distanciado de cogitações políticas bem concretas, pois, em última instância, o que se indaga é quais as alternativas políticas plausíveis nos países mais desenvolvidos da América Latina. Aqui retomo algumas questões cruciais do tema e referentes ao novo autoritarismo, que parecem relevantes para a discussão do momento político no País.
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O aspecto menos estudado do romance machadiano é a composição. Em parte, porque as piruetas e intromissões do narrador fazem que ela pareça não ter lógica nem importância, sendo, por isso mesmo, difícil de estabelecer. E em parte porque a crítica viu nela um ponto fraco. Augusto Meyer, autor das melhores páginas sobre Machado, sentiu nas abelhudices do narrador uma certa impotência para a narrativa realista de fôlego. E Carpeaux observa que o figurino de humorista inglês permite encobrir dificuldades de construção. O argumento do presente artigo vai em direção oposta, e diz que há método nas manhas narrativas do romancista. Estas são parte de uma composição rigorosa, que formaliza e expõe em sua consequência dinamismos decisivos da realidade brasileira.
Que pensar dessa ordenação inesperada — e por assim dizer leviana — das causas? A inversão poderia ser passageira, um capricho que o desenvolvimento ulterior do romance retifica. Poderia ser também o traço distintivo de uma personagem fútil. Todavia não é assim. Veremos o domínio estrito dessa ordenação sobre enredo, caracteres, assunto, ritmo narrativo, condução da frase, mescla de estilos etc. O romance a desenvolve e explora com a lógica implacável própria às grandes obras. Seria o caso, então, de entendê-la como inversão satírica da realidade? Ou como exemplo precoce de ruptura com as convenções do romance realista? Ambas as coisas, até certo ponto.
Resumo
No momento em que se instalou o primeiro Estado de Segurança Nacional na América Latina, em abril de 1964, certamente nenhum observador foi capaz de descobrir a profunda transformação da vida política dos povos latino-americanos, que se punha assim em marcha.
Que a doutrina da segurança nacional seja uma ideologia, tal qual o marxismoleninismo, é sem dúvida uma asserção que suscita protestos indignados dos chefes militares, acostumados a pôr em guarda a Nação, em suas ordens do dia, contra a infiltração de ideologias alienígenas. E, no entanto, trata-se efetivamente não só de uma ideologia mas, o que é pior, de uma importação ideológica. E Comblin mostra as suas origens, desde a proto-história anterior à II Guerra Mundial, até o seu nascimento, depois dela.
Resumo
É curioso que no temário deste encontro o único País expressamente referido seja o Brasil. Os outros tópicos aludem, de modo explícito ou implícito, a uma totalidade de nações que integram a realidade cultural chamada “latino-americana”. Se apenas a respeito de uma delas houve necessidade de especificar, é porque há problemas a respeito.
Pelo mundo afora, quando se menciona a “nova narrativa latino-americana”, pensa-se quase exclusivamente na produção deveras impressionante de todos os autores espalhados em todos os países da América que falam a língua espanhola, isto é, dezenove, se não estou enganado. Uma unidade compósita, maciça e poderosa, em face da qual, num segundo momento, lembra-se que existe uma unidade simples que fala português e é preciso incluir, para completar o panorama. E então se juntam alguns nomes, em geral Guimarães Rosa e Clarice Lispector. A mesma coisa acontece no Brasil, onde, quando se menciona a referida narrativa, pensa-se na produção dos nossos parentes de idioma espanhol, em geral com um senso unificador e mesmo simplificador que permite considerar como aspectos do mesmo fenômeno o mexicano Rulfo, o colombiano García Márquez, o peruano Arguedas, o paraguaio Roa Bastos, o argentino Cortázar, considerando-se os nossos próprios escritores como caso à parte, que só depois de alguma reflexão a gente se esforça por integrar no conjunto.
Resumo
A morte de Eduardo de Oliveira e Oliveira, há poucos meses, devia impelir aqueles que se preocupam realmente com o problema do preconceito de cor no Brasil a um exame atento da questão. E talvez a melhor homenagem que poderíamos prestar à sua figura admirável de intelectual e batalhador fosse o desmascaramento sem tréguas das análises falsas e insinceras, que tanto o amarguravam e que, infelizmente, continuam dominando grande parte da reflexão sobre o negro.
Preconceito e discriminação racial contra o negro, no Brasil, é assunto simultaneamente explosivo e polêmico. Estas páginas dedicadas ao sociólogo negro Eduardo de Oliveira e Oliveira constituem uma homenagem e uma análise dessa questão.
Resumo
O pai solteiro foi intimado na delegacia, a casar. Explicou que não o poderia por uma questão de princípio. Imediatamente levou um pé d’ouvido do avô materno, daquele que, tendo nascido, lhe dera, a ele, origem. O delegado ergueu por sua vez o braço em advertência. Era um delegado moderno, adestrado em moral e cívica; se fosse preciso lhe tiraria o sangue; mas pelo raciocínio.