O advento das cotas raciais deu início a uma enorme transformação nas universidades brasileiras, inaugurando uma grande controvérsia pública e modificando o modo como nossas desigualdades eram pensadas. Tendo sido primeiramente adotadas em 2001 pelas universidades estaduais do Rio de Janeiro (Uerj e Uenf), as cotas em seguida se espraiaram para quase todas as universidades públicas do país. Esse processo conferiu à questão racial um protagonismo in‑ comum, quebrando — como diria Oracy Nogueira — a então vigente etiqueta das relações raciais segundo a qual “não é de bom‑tom puxar o assunto da cor”. Toda uma ideia de nação foi posta em xeque e passamos a falar como nunca em preconceito, racismo, discriminação e desigualdades. E essa mudança veio para ficar.
O artigo apresenta tendências da mobilidade ocupacional intergeracional de homens, mulheres, brancos e negros no Brasil usando dados de 1996 e 2014. As evidências indicam que mudanças nas famílias de origem — a crescente participação das mães no mercado de trabalho — estão estreitamente ligadas à diminuição da desigualdade racial nas chances de mobilidade intergeracional de filhas e filhos adultos.
A expansão de vagas e a promulgação da lei n. 12.711 foram determinantes para a mudança no perfil dos estudantes nas Instituições de Ensino Superior federais públicas. Mas pouco se sabe sobre as chances de conclusão e evasão dos alunos. O objetivo deste artigo é analisar os efeitos das desigualdades socioeconômicas nas chances de conclusão e evasão de negros e brancos a partir de um estudo de caso da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Antonio Sérgio A. Guimarães, Flavia Rios e Edilza Sotero
http://dx.doi.org/10.25091/s01013300202000020004
Coletivos negros passaram a ter papel decisivo na recepção de estudantes cotistas e no controle das ações afirmativas nas universidades públicas, tornando‑se atores relevantes no combate ao racismo sistêmico no ensino superior. Neste artigo, analisamos estratégias, organização, perfis e discursos em coletivos atuantes em três universidades para propor hipóteses interpretativas sobre a formação de novas identidades negras no Brasil.
Ações afirmativas e formas de acesso no ensino superior público: o caso das comissões de heteroidentificação
Ana Claudia Cruz da Silva, Diogo Marçal Cirqueira, Flavia Rios e Ana Luiza Monteiro Alves
http://dx.doi.org/10.25091/s01013300202000020005
Após quinze anos de debate nacional sobre a implementação das ações afirmativas para negros e indígenas, sua efetividade ainda conta com grandes desafios. Um deles é sua eficácia no que toca à inclusão dos grupos beneficiários. Este artigo situa o debate nacional a partir de seus agentes e argumentos e toma o estudo de caso da comissão de heteroidentificação da Universidade Federal Fluminense, experiência pioneira no estado do Rio de Janeiro.
Um passo à frente, dois atrás: notas críticas a “Estado, desigualdade e crescimento no Brasil”, de Arminio Fraga
Fernando Gaiger Silveira e Salvador Teixeira Werneck Vianna
http://dx.doi.org/10.25091/s01013300202000020006
Em artigo recente publicado na Novos Estudos Cebrap, Arminio Fraga sustenta que o Estado brasileiro, além de oneroso e ineficiente, atua no sentido de aprofundar a desigualdade. Diante disso, o economista propõe um conjunto de reformas visando à drástica redução da máquina pública. Nosso artigo procura, com base em argumentos teóricos e empíricos e em extensa literatura, refutar essa avaliação e apontar os riscos para as políticas econômicas e sociais trazidos pela agenda de reformas por ele sugerida.
“Perversões”: Estratégias de dominação do novo ciclo autoritário
José Rodrigo Rodriguez
http://dx.doi.org/10.25091/s01013300202000020007
O texto reúne os fenômenos do criacionismo, do revisionismo histórico, das fake news e do direito autárquico sob a denominação de “perversão” e examina dois deles em detalhes para demonstrar a pertinência da classificação. Em seguida, o artigo argumenta que tais fenômenos são resultado da ação de ordens normativas autárquicas, cuja finalidade é estabelecer formas de vida hierárquicas e irracionais.
A transparência no centro da construção de uma IA ética
Glauco Arbix
http://dx.doi.org/10.25091/s01013300202000020008
A Inteligência Artificial (ia) se configura como uma constelação de tecnologias capaz de gerar outras tecnologias, novas metodologias e aplicações e, por isso, suas características são de natureza distinta da de outras inovações. Seu desenvolvimento propõe questões relacionadas à ética de seus algoritmos, o que envolve processos de decisão nem sempre pautados pela transparência, contrastando por vezes com direitos de indivíduos e valores das sociedades.
Laity and Secularism in Contemporary Brazilian Pluralism
Paula Montero and Lilian Sales
http://dx.doi.org/10.25091/s01013300202000020009
This article describes the postulates that guided Republican laity and Catholic secularism processes until the first half of the twentieth century and their current transformation under the impact of the intensification of religious diversity and their renewed public presence. We sought to demonstrate that, despite measures to establish a lay Brazilian state since the beginning of the Republican regime, the Catholic religion and, more recently, religions in general have not entirely lost their moral-political influence.
Este artigo visa caracterizar os padrões que regulavam a laicidade republicana e o secularismo católico no Brasil até a segunda metade do século XX e suas transformações atuais sob o impacto do pluralismo. Procuraremos demonstrar que, apesar de medidas laicizantes do Estado brasileiro ao longo da sua história, a religião católica e, mais recentemente, a religião em geral não perderam completamente seu poder de influência político-moral e que as tensões implicadas na expansão do pluralismo mais contemporaneamente não desalojaram o religioso do espaço social construído como secular.
Com base em Watt, de Samuel Beckett, o artigo traz uma reflexão sobre os caminhos do romance moderno, considerando três elementos: a paródia literária e filosófica na obra de juventude do autor; a dificuldade em determinar o foco narrativo; e o emprego de séries e combinatórias para questionar a organização do tempo romanesco sob a forma da ação.
Rosângela Rennó formou-se em artes plásticas pela Escola Guignard e em arquitetura pela Universidade Federal de Minas Gerais. É doutora em artes pela Escola de Comunicações e Artes da USP. Sua obra é marcada por apropriação de imagens descartadas, encontradas em mercados de pulgas e feiras, e pela investigação das relações entre memória e esquecimento. Em suas fotografias, objetos, vídeos ou instalações, trabalha com álbuns de família e imagens obtidas em arquivos públicos ou privados. Dedica-se também à criação de livros autorais.
“Nuptias é uma série iniciada em 2017, feita a partir de várias formas de intervenção em fotografias de matrimônios, adquiridas em feiras e mercados de pulga, ao longo de quase 20 anos. É, de fato, impressionante a quantidade de fotos de casamento que podemos encontrar nessas feiras, em vários lugares e países. Vejo isso como um reflexo tanto da grande importância que diversas sociedades dão a esse ritual de passagem quanto da pouca importância que se atribui à sua imagem, quando a união entre dois indivíduos acaba.
Por outro lado, todos percebemos que neste século as sociedades vêm sinalizando, de maneiras diferentes, mudanças expressivas no modelo tradicional de união amorosa, entre o homem e a mulher. Como exemplo, temos visto com maior frequência não apenas a oficialização de uniões entre casais homossexuais, como também os esforços de várias sociedades em compreender e aceitar as novas variantes nos modelos de gênero. Entretanto, nada é tão simples quanto jogar no lixo uma fotografia de casamento. A aceitação dos novos modelos de gênero e de união não são unânimes e, menos ainda, universais. Por exemplo, no Brasil, o que parece ser natural para muitas pessoas ainda é considerado uma doença ou um desvio comportamental abominável, e em alguns países da África ou da Ásia pode ser considerado um crime. Ainda estamos muito longe da harmonia e da sabedoria na aceitação e no respeito das novas formas de amor entre seres humanos e, infelizmente, a humanidade talvez pereça antes de atingi-las.” Rosângela Rennó