Resumo
O artigo avalia avanços e retrocessos na atuação do governo Lula no campo da política externa. De um lado, fatores como a estabilização econômica e política do país, em curso desde a redemocratização, ampliaram naturalmente a inserção do Brasil no cenário mundial. De outro, ainda que bem-sucedido em aproveitar esse capital político, o governo Lula parece tender a um estilo carismático e ideológico em suas ações de política externa, colocando em risco o caráter necessariamente institucional e impessoal da diplomacia.
O modelo ao qual mais se assemelha a diplomacia de Lula é o do general De Gaulle, embora muito provavelmente a semelhança não seja consciente e sim, como se dizia nos filmes antigos, ela se deva à mera coincidência.
Resumo
O filme Zidane, um retrato do século XXI, de Douglas Gordon e Philippe Parreno (2006) pertence à tradição de absorção que desempenhou um papel crucial na evolução da arte moderna. O autor explora a tensão entre absorção e teatralidade – central tanto para a pintura francesa do século XVIII como para a fotografia dos séculos XX e XXI – e tira conseqüências estéticas e filosóficas do filme que retrata, ao longo de todos os noventa minutos de uma partida de futebol, o meio?campista francês Zinedine Zidane.
O filme Zidane, um retrato do século XXI, de Douglas Gordon e Philippe Parreno, foi realizado da seguinte maneira: ao longo dos noventa minutos de uma partida de futebol entre Real Madri e Villareal no estádio Santiago Bernabeu, em Madri, na noite do dia 23 de abril de 2005, dezessete câmeras de cinema sincronizadas, utilizando diferentes tipos de filme e colocadas em diferentes posições no estádio, ficaram fixadas em um único jogador, o grande e legendário meio?campista do Real Madrid Zinedine Zidane. (Nascido em Marselha em 1972, de família argelina, jogou de forma espetacular pela seleção francesa na Copa do Mundo de 2006 até receber o cartão vermelho durante a final, a poucos minutos do fim do jogo, por atingir com uma cabeçada zagueiro italiano Marco Materazzi. Foi um gesto assombroso, e que encerrou sua gloriosa carreira internacional da forma mais memorável possível, com exceção de um possível gol da vitória. Mesmo assim, milhares de jornalistas de todo o mundo o elegeram o melhor jogador do torneio, agraciando?o com a “Bola de Ouro”.)
Crítica da exposição Desfazer o espaço, de Gordon Matta?Clark.
Resumo
Durante apenas nove anos, Matta?Clark criou uma obra prolífica e intensa, que combinou intervenções escultóricas em espaço urbano com forte caráter transgressivo, happenings, vídeos, ações comunitárias e crítica institucional, atuando no sentido de explodir a tradicional fronteira entre arte e vida.
Filho do artista surrealista chileno Roberto Matta, Gordon Matta?Clark nasceu em Nova York, em 1943. Cursou arquitetura na Cornell University, em Ithaca, onde em 1969 se aproximou de Dennis Oppenheim e Robert Smithson, no workshop Earth Art. A partir daí, desenvolveu uma carreira artística meteórica, até morrer precocemente de câncer em 1978, aos 35 anos de idade, na cidade onde nasceu.
Resumo
Nos últimos quinze anos, novas políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) promoveram avanços institucionais importantes no Brasil. É forçoso reconhecer, porém, que a partir de 2003 há uma inflexão nas políticas públicas de CT&I. Um novo ativismo de Estado – distinto do dirigismo desenvolvimentista – trouxe para o centro da agenda os processos de inovação, tidos como essenciais para elevar o padrão de competitividade da economia. Há, no entanto, um longo caminho pela frente para que o país assuma uma estratégia de desenvolvimento baseada na inovação.
Por décadas, a produção de tecnologia e inovação no Brasil foi tratada mais como um subproduto do crescimento econômico do que um prerrequisito para o desenvolvimento econômico e social.
Em linhas gerais, durante o período desenvolvimentista, embora freqüentemente fizessem parte da agenda dos formuladores de políticas públicas, inovação e tecnologia foram tomadas como resultantes naturais do processo de industrialização, que deveria se orientar para a construção de uma economia com empresas dinâmicas e, no limite, inovadoras.
Resumo
O sucesso brasileiro em reduzir as queimadas na Amazônia e o trunfo de sua matriz energética são importantes, mas nem de longe caracterizam uma dinâmica própria ao desenvolvimento sustentável. É verdade que o Brasil passou, nos últimos anos, por um processo expressivo de redução simultânea e inédita da pobreza e da desigualdade de renda. Os avanços nesta direção, entretanto, não se apóiam hoje em formas de crescimento econômico voltadas explicitamente a menor uso de energia e de materiais. O crescimento industrial brasileiro corre fortemente o risco de dissociar-se do que de mais avançado se faz hoje em termos internacionais.
Vários componentes de uma estratégia de desenvolvimento sustentável podem ser encontrados em políticas governamentais, em práticas levadas adiante por empresas privadas e nos trabalhos de inúmeras organizações da sociedade civil brasileira. Estas partes, entretanto, estão longe de formar um todo coerente, o que lhes retira justamente o alcance estratégico. Desenvolvimento sustentável é o processo de ampliação permanente das liberdades substantivas dos indivíduos em condições que estimulem a manutenção e a regeneração dos serviços prestados pelos ecossistemas às sociedades humanas. Ele é formado por uma infinidade de fatores determinantes, mas cujo andamento depende, justamente, da presença de um horizonte estratégico entre seus protagonistas decisivos. O que está em jogo nesse processo é o conteúdo da própria cooperação humana e a maneira como, no âmbito dessa cooperação, as sociedades optam por usar os ecossistemas de que dependem.
Resumo
O objetivo do texto é fornecer um quadro dos principais programas e ações federais com recorte racial implantados durante o governo Lula, nas áreas de educação e saúde. Procura-se demonstrar que essas mudanças são fruto de um processo político que antecede ao atual governo, embora aponte os momentos de inflexão na construção da agenda política. Por fim, propõe-se uma agenda de pesquisa oriunda desse novo cenário e identifica questões a serem enfrentadas pelo debate intelectual.
Nos últimos dez anos, no que diz respeito ao trata mento da temática racial, têm ocorrido no Brasil mudanças significativas que estão produzindo um intenso debate na sociedade em geral, e no meio acadêmico em particular, acerca da pertinência da adoção de políticas de ações afirmativas. Embora o debate tenha se concentrado fortemente no sistema de cotas para as universidades públicas, a atuação do atual governo envolve ações afirmativas em outras áreas com características e escopo diferenciados. Neste texto serão analisados os principais programas e ações federais com recorte racial implantados durante o governo Lula, nas áreas de educação e saúde. A escolha des sas duas áreas levou em consideração o destaque que elas têm recebido tanto no governo como no debate público e por serem as áreas com ações mais consolidadas.
Resumo
O objetivo deste artigo é realizar uma avaliação da política de educação do Governo Lula em seus dois mandatos (2003-2010). Para isso, em primeiro lugar, é feito um breve diagnóstico do contexto educacional do país em 2002. Em seguida, analisa-se o primeiro (2003-2006) e o segundo (2007-2010) mandatos do presidente, quando o foco passa a ser o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE).
A área de educação foi marcada na década de 1990 pela aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Nesta lei, os níveis de educação foram divididos em educação básica e superior; a educação básica, por sua vez, foi dividida em ensino infantil, fundamental e médio. Educação profissional e educação especial foram estabelecidas como modalidades específicas, mas integradas aos diversos níveis de ensino. Em tal contexto legal, e de acordo com os principais problemas educacionais do país, a política educacional daquela década foi marcada pela expansão do ensino fundamental e do ensino superior privado. A principal demanda era a de universalizar o ensino obrigatório (então de oito anos) e possibilitar maior acesso à educação superior. As medidas principais foram a criação do Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental (Fundef ) e o estímulo à abertura de novos cursos superiores pela rede privada.
Resenha de Participatory institutions in democratic Brazil, de Leonardo Avritzer.
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“Participatory institutions in democratic Brazil” é a obra mais importante de Leonardo Avritzer desde a publicação de “Democracy and the public space in Latin America“. O autor rediscute e amplia a análise sobre experiências de orçamento participativo (OP) nas cidades de Porto Alegre, Belo Horizonte e São Paulo e também apresenta estudos sobre mais duas “instituições participativas” – os conselhos de saúde e os processos de formulação dos planos diretores urbanísticos nestas cidades, e também em Salvador.
Avritzer reelabora o que tem sido seu principal desafio teórico desde os anos de 1990: as aproximações entre sociedade civil e sociedade política, e a incorporação de práticas originárias da sociedade civil pelas instituições políticas, em novos “desenhos institucionais” participativos com poder de deliberação sobre políticas públicas. O autor propõe?se a desenvolver uma “teoria das instituições participativas” (p. 4) e reconhece que “os partidos políticos e a sociedade política permanecem pouco teorizados na maior parte da literatura sobre participação, por causa do caráter elitista da literatura ou das concepções anti?sistêmicas da teoria dos movimentos sociais”. Isto seria uma lacuna na literatura, sobretudo no contexto brasileiro, “em que o Partido dos Trabalhadores (PT) mostrou o caminho ao introduzir arranjos participativos, a conexão entre partidos políticos e sociedade civil na implementação de modelos de participação vem a ser uma variável?chave — mas que não é esclarecida pela teoria” (p. 7). Assim, a principal diferença deste livro para seus trabalhos anteriores é a incorporação da dimensão político?partidária à análise.
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O artigo analisa o processo de institucionalização partidária no Brasil pós-redemocratização. A formação do Partido dos Trabalhadores, e seu repetido enfrentamento eleitoral com o PSDB, aponta para um processo em andamento mas ainda incompleto: a criação, em torno dos dois partidos, de identificações político-partidárias estáveis que podem eventualmente redundar num sistema partidário simplificado e consolidado, com, entre outras coisas, a neutralização do êxito até aqui obtido pela postura excessivamente clientelista e pragmática que orienta o fragmentário enraizamento regional do PMDB.
Em artigo publicado em 2008, Alessandro Pizzorno discute problemas relacionados à representação política, retomando temas a que e se dedica há muito. Ressaltando o fato de que, nas condições atuais de operação da democracia, os eleitores são cada vez mais destituídos de influência real sobre as políticas públicas, restrita amplamente a grupos de pressão, Pizzorno examina o papel de lideranças, movimentos ou partidos em termos do contraste entre os bens de curto prazo e os de longo prazo que os cidadãos podem esperar do processo político.
Em artigo publicado em 2008, Alessandro Pizzorno discute problemas relacionados à representação política, retomando temas a que se dedica há muito. Ressaltando o fato de que, nas condições atuais de operação da democracia, os eleitores são cada vez mais destituídos de influência real sobre as políticas públicas, restrita amplamente a grupos de pressão, Pizzorno examina o papel de lideranças, movimentos ou partidos em termos do contraste entre os bens de curto prazo e os de longo prazo que os cidadãos podem esperar do processo político. Esse papel é descrito em termos de “oferta de esperança”: em vez de um governo representativo capaz de colocar seus eleitores em condições de avaliar as vantagens ou as desvantagens de uma ou outra política pública, teríamos sistemas de partidos e unidades coletivas de tipo variado (étnicas, religiosas) em que a autoridade da classe política estaria fundada na combinação da esperança que oferece quanto a fins de longo prazo – em larga medida, segundo Pizzorno, imaginários: fins nacionais, de classe, da humanidade, dos povos do mundo – com a capacidade de transformar essa esperança em consenso para as políticas de curto prazo. É a relação entre a classe política e a população, afirma Pizzorno, que o Estado deve empenhar-se em tornar virtuosa; e somente a presença de doutrinas em que se expressem fins de longo prazo divergentes (o aspecto de divergência é salientado) pode dar sentido a uma participação na vida política que não seja meramente “profissional” ou clientelística, características estas associadas à busca de objetivos privados pela classe política e à idéia de uma sociedade de “caroneiros” ou aproveitadores.
Resumo
O artigo explora alguns pontos de discussão em torno do Programa Bolsa Família, partindo de uma caracterização dos desenhos institucionais dos programas de transferência de renda no Brasil, desde as experiências municipais até os programas federais Bolsa Escola e Bolsa Família. Ao final, discutem-se os principais desafios na sustentabilidade futura do programa.
Nos últimos anos, novas formas de intervenção estatal contra a pobreza vêm sendo implementadas, especialmente sob a forma de políticas sociais focalizadas nos grupos mais vulneráveis da população, como os programas de transferências condicionadas de renda. Essa alteração no padrão de políticas sociais voltadas para o combate à pobreza ocorre em diversos países da América Latina, e não só no Brasil, destacando-se, por seu escopo e relevância em análises comparativas internacionais, os programas existentes no México (Oportunidades) e no Chile (Chile Solidário).
Texto apresentado pelo autor, como representante da Fundação Palmares, na Audiência Pública do STF sobre as cotas universitárias para negros.
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Em 2010, os brasileiros afro-descendentes, os cidadãos que se auto-definem como pretos e pardos no recenseamento nacional, passam a formar a maioria da população do país. Esta mudança vai muito além da demografia. Ela traz ensinamentos sobre o nosso passado, sobre quem somos e de onde viemos, e traz também desafios para o nosso futuro. Minha fala tentará juntar os dois aspectos do problema, partindo de um resumo histórico para chegar à atualidade e ao julgamento que nos ocupa.
Os ensinamentos sobre nosso passado, referem-se à densa presença da população negra na formação do povo brasileiro. Todos nós sabemos que esta presença originou-se e desenvolveu-se na violência. Contudo, a extensão e o impacto do escravismo não têm sido suficientemente sublinhados. A petição inicial de ADPF apresentada pelo DEM a esta Corte fala genericamente sobre “o racismo e a opção pela escravidão negra” (pp. 37-40), sem considerar a especificidade do escravismo em nosso país.
Resumo
As comemorações dos 200 anos de nascimento de Charles Darwin revelaram menos sobre a figura histórica do cientista vitoriano do que sobre o lugar da ciência e do cientista na cultura moderna. O artigo explora os eventos do “Dia de Darwin” e a produção recente sobre o “pai da teoria da evolução” com a intenção de ligá?los à recepção contemporânea da obra (e da figura) de Charles Darwin.
Foi a maior festa de aniversário da história. Só no dia 12 de fevereiro ou próximo dele — o aniversário de duzentos anos do nascimento de Charles Darwin, ou “Dia de Darwin” — houve mais de 750 eventos comemorativos em pelo menos 45 países, e no dia 24 de novembro ou em dias próximos houve outra enxurrada de celebrações para marcar o 150° aniversário da publicação de A origem das espécies por meio de seleção natural, ou A preservação de raças favorecidas na luta pela vida. Em Mysore (Índia) o Dia de Darwin foi celebrado por uma exposição “proclamando a importância do dia e a grandeza do cientista”. Em Charlotte, na Carolina do Norte, houve apresentações de um musical, de um único artista, Charles Darwin: live & in concert (A irradiação adaptativa produziu a enorme baleia;/Suas mãos viraram guelras/E ela tem rabo de sereia). Em Harvard, as celebrações incluíram “bebidas grátis, bandas de rock interpretando canções tendo como tema a ciência, bolo, decoração e um golira dançarino” (estudantes de biologia se revezavam na fantasia de gorila). Voluntários, tanto estudantes como professores, circulavam pela universidade declamando o texto integral da Origem.
Resumo
A desigualdade pode ser produzida de quatro formas básicas. Primeiro, há o distanciamento – algumas pessoas estão correndo à frente e/ou outros estão ficando para trás. Segundo, há o mecanismo de exclusão, por meio do qual uma barreira é erguida tornando impossível, ou pelo menos mais difícil, para certas categorias de pessoas alcançarem uma vida boa. Terceiro, as instituições da hierarquia significam que as sociedades e as organizações são constituídas como escadas, com algumas pessoas empoleiradas em cima e outras embaixo. Por fim, há a exploração, por meio da qual as riquezas dos ricos derivam do trabalho árduo e da subjugação dos pobres e desfavorecidos. Neste artigo, examinaremos as maneiras pelas quais as desigualdades correntes estão sendo produzidas.
Existem três formas principais de distinguir diferença e desigualdade. Primeiro, uma diferença pode ser horizontal, sem que nada ou ninguém esteja acima ou abaixo, seja melhor ou pior, enquanto uma desigualdade é sempre vertical, ou envolve ranking. Em segundo lugar, diferenças são apenas questão de gosto e/ou de categorização. Uma desigualdade, por sua vez, não é apenas uma categorização; é algo que viola uma norma moral de igualdade entre seres humanos. (Alegar isto não significa pressupor qualquer norma de completa igualdade, mas apenas apontar para uma diferença que é grande demais e/ou assume uma direção injusta, isto é, pessoas erradas recebendo as melhores recompensas.) Em terceiro, para uma diferença tornar-se uma desigualdade ela deve também ser extinguível. A maior destreza física do indivíduo jovem médio, em comparação com a do sexagenário médio, não é uma desigualdade. Mas as diferentes oportunidades de vida das mulheres em comparação com os homens, dos negros filhos de trabalhadores em comparação com brancos filhos de banqueiros, passaram a ser vistas como desigualdades. Em uma sentença: desigualdades são diferenças hierárquicas, evitáveis e moralmente injustificadas.
Ana Prata