O cenário desolador da vida sociopolítica do país sob o bolsonarismo e o horizonte pouco animador por ele trazido, ainda ameaçante, guardam semelhança com outra época já vivida por nossas comunidades epistêmicas. Vivida e sofrida: os personagens, as cenas com seus percalços, os medos de retrocesso que atravessaram o país, desde a primeira promessa de distensão política — “lenta, gradual…” — em meados dos anos 1970 até a eleição de ninguém menos que Fernando Collor de Mello, em 1990, interpelaram de modo indelével nossa antropologia, sociologia e ciência política. Quais apostas fazer? Em quem confiar nessas apostas: nos sindicatos, nos partidos, nos movimentos então em voga? Mais especialmente, como chegar a um termo de análise adequado na balança entre legados teóricos e expectativas políticas? Ou, dito de outro modo, o que fazer com as expectativas projetadas sobre os sujeitos e casos analisados? E, não fosse isso suficiente, como entender a eleição do “caçador de marajás”1 e suas implicações aparentemente corrosivas para as apostas realizadas. Dilemas de peso que então, e mais uma vez recentemente, nos colocam sob a pressão dos paradoxos próprios às responsabilidades e escolhas entre ciência e política — para utilizar a conhecida formulação de Max Weber (1998). Foi nessa quadra histórica, ao longo de toda a década de 1980, que se deu boa parte da produção intelectual de Ruth Cardoso…
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Debate / Discussion
Movimentos sociais, participação e institucionalização: A antropologia política de Ruth Cardoso
Social Movements, participation, and Institutionalization: Political Anthropology by Ruth Cardoso
Em 1988, Francisco de Oliveira publicou nesta revista um texto divisor de águas: “O surgimento do antivalor”. As ideias expressas ali tinham sido apresentadas pela primeira vez num seminário no Cebrap naquele mesmo ano, numa sessão concorrida que provocou debate acalorado, como era hábito e tradição nos “mesões” do centro. Chico, como era chamado por todos, propunha uma revisão profunda da teoria marxiana do valor, ao introduzir o fundo público (os recursos que o Estado extrai da sociedade na forma de impostos, endividamento e outros mecanismos) como constitutivo tanto do valor da força de trabalho quanto do volume dos capitais privados. Como nos Estados de bem-estar social o fundo público financia educação, saúde, habitação, seguro-desemprego, aposentadoria e subsidia o transporte público e outros serviços que, de outra maneira, o trabalhador teria de pagar com seu salário, o custo de reprodução da força de trabalho não seria mais determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para mantê-la viva e produtiva. Parte desse custo teria sido desmercantilizado, transferido para o Estado, árbitro do conflito distributivo entre capital e trabalho. Logo, parte desse custo dependia da luta política no interior das instituições democráticas, e não de determinações puramente econômicas. Valeria o mesmo para os capitais privados, fortemente dependentes do fundo público para financiar a inovação tecnológica e se proteger das intempéries da concorrência, agora independentes da evolução dos salários. Isso, obviamente, tinha impactos na teoria marxiana da exploração, ancorada no conceito de mais-valia como tempo de trabalho (fundamento do valor) não pago pelo capitalista no processo de trabalho, valor descontado do custo de reprodução da força de trabalho como mercadoria sans phrase. Chico não descartava a teoria do valor-trabalho, mas propunha profunda revisão de sua ontologia. …
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Debate / Discussion
Aquém da justiça? Comentário a “A sociabilidade travada”
Below Justice? Comments on "A socialibidade travada"
O objeto deste artigo é a ideologia fascista e como estudá-la a partir de uma perspectiva historicista e realista. Na primeira seção, discute-se a existência de uma ideologia fascista, contrariando interpretações que recusavam a originalidade do movimento. Na segunda, são apresentadas as principais interpretações contemporâneas a respeito do tema. Na terceira, propõe-se uma metodologia que interpreta as crenças afirmadas a partir do contexto intelectual no qual foram produzidas.
The topic of this paper is the fascist ideology and how to study it from a historicist and realist perspective. The first section discusses the existence of a fascist ideology, contradicting interpretations that reject the originality of the movement. The second presents the main contemporary interpretations on the matter. And the third proposes a methodology that interprets the beliefs from the perspective of the intellectual context in which they were produced.
Em contraste com a visão tradicional da antropização como simples degradação ambiental, os Indicadores Antrópicos surgem da necessidade de entender as intervenções humanas construtivas ou destrutivas. Este estudo visa a apresentar os Indicadores Antrópicos em sua estrutura e aplicação, corroborados por seu uso em comunidades amazônicas. Os resultados indicam forte influência humana no meio ambiente, destacando a necessidade de políticas sustentáveis para equilibrar as ações humanas e preservar a biodiversidade.
Palavras-Chave: indicadores; antropização; Amazônia; comunidades tradicionais; métodos de decisão multicritério
Abstract
In contrast to the traditional view of anthropization as simple environmental degradation, Anthropic Indicators arise from the need to understand constructive or destructive human interventions. This study aims to present the Anthropic Indicators in their structure and application, corroborating their use in Amazonian communities. The results indicate strong human influence on the environment, highlighting the need for sustainable policies to balance human actions and preserve biodiversity.
Keywords: indicators; anthropization; Amazon; traditional communities; multicriteria decision methods
Artigos / Articles
Indicadores antrópicos: estudo comparativo para a sustentabilidade na Amazônia
Anthropic Indicators: Comparative Study for Sustainability in the Amazon
José Guilherme dos Santos Fernandes, Adriano Madureira dos Santos and Marcos César da Rocha Seruffo
O texto examina a trajetória do processo de financeirização imobiliária habitacional no Brasil, com ênfase no papel central desempenhado pela Caixa Econômica Federal, que atua como principal provedora de financiamentos para a produção e consumo de habitações. Ao sistematizar detalhadamente os dados das emissões de títulos securitizados, o artigo procura dar conta das complexas interações entre Estado e mercado, problematizando como o primeiro emprega mecanismos e instrumentos financeiros para atingir seus objetivos na política habitacional.
Palavras-chave: financeirização da habitação; securitização; Caixa Econômica Federal; política habitacional
Abstract
The paper scrutinizes the course of the housing financialization process in Brazil, with a focus on the pivotal role played by Caixa Econômica Federal as the primary financier for housing production and consumption. The paper aims to elucidate the intricate interplays between the State and the Market by meticulously systematizing data on securitized bond issuances and critically examining how the former deploys financial mechanisms and instruments to conduct its objectives in housing policy.
O conceito de quilombismo criado por Abdias Nascimento é muito utilizado pelos movimentos sociais. Este trabalho pretende analisar como esse conceito é construído, tendo como hipótese que ele se ampara no conceito de mitopoesia, desenvolvido na metafísica do artista iorubá de Wole Soyinka.
The concept of Quilombism developed by Abdias Nascimento is frequently used by social movements. This work intends to analyze how this concept is constructed, having as a hypothesis that it is based on the concept of mythopoeia, developed in Wole Soyinka’s metaphysics of the Yoruba artist.
O artigo busca mostrar como o método crítico de Rodrigo Naves incorpora e revê aspectos do pensamento do filósofo José Arthur Giannotti. Para isso, ressalta como ideias de Giannotti em Trabalho e reflexão (1983), a respeito da representação dos fenômenos sociais, são reelaboradas em dois ensaios sobre as paisagens do pintor Alberto da Veiga Guignard: “O olhar difuso” (1986) e “O Brasil no ar: Guignard” (1996), este último incluído na coletânea A forma difícil (1996).
Palavras-chave: Rodrigo Naves; José Arthur Giannotti; método crítico; sociabilidade; pressuposição
Abstract
The article points out how Rodrigo Naves’ critical method incorporates and revises aspects of the philosopher José Arthur Giannotti’s thought. To this end, it highlights how ideas from Giannotti’s Trabalho e reflexão (1983) about the representation of social phenomena are elaborated in two essays on Alberto da Veiga Guignard: “O olhar difuso” (1986) and “O Brasil no ar: Guignard” (1996), the latter included in the book A forma difícil (1996).
Keywords: Rodrigo Naves; José Arthur Giannotti; critical method; sociability; presupposition
GABRIELA FICHER é artista plástica formada pela FAAP, mãe da Lola e do Nico, nasceu em São Paulo e atualmente vive e trabalha no Brooklyn, NY.
O ensaio se utiliza de formas geométricas simples como uma maneira de sintetizar o mundo, como se tudo que vemos pudesse ser simplificado ou reduzido ao mínimo necessário. O uso dos papeis com brilho — dourado, prateado e o cobre — se contrapõe com a simplicidade das formas