Um sem número de países, do Primeiro ao Terceiro Mundo e do bloco socialista, estão recorrendo ao FMI, aparentemente pelas mesmas razões. Todos tiveram de aceitar as suas “práticas restritivas” até que a “comunidade financeira” internacional seja obrigada a mudar as regras do jogo, para enfrentar o agravamento da própria crise. Porém, só os países de regime autoritário, a exemplo do Brasil e da Polônia, cederam a estas políticas restritivas, sem uma discussão prévia com os segmentos representativos da sociedade e sem levar ao Congresso, para discussão mais ampla, as alternativas de política econômica interna. Quase todos enquadraram as medidas de emergência num plano de perspectiva de médio ou longo prazo que desse às suas populações um horizonte mais aberto, a partir do qual se pudesse ver a luz no fim do túnel.
Resumo
As nossas “autoridades econômicas” não apenas não consultaram ninguém como desinformaram a opinião pública e propuseram fazer concessões que violam frontalmente as leis brasileiras e a soberania nacional. Assim, por exemplo, no que se refere ao eufemismo das “pequenas restrições cambiais” mencionadas no ponto 26 da Carta, o Memorando Técnico faz questão de explicar no último parágrafo as negociações paralelas que se processaram à margem, tanto do programa de curto prazo, quanto da lei. De uma penada só, acabaremos com a experiência de décadas da política comercial em relação às matérias-primas e com a política tecnológica e de capital estrangeiro estabelecidas em lei desde 1962 e respeitadas, até agora, mesmo pelos mais impertinentes “liberais” e “reacionários” de todos os matizes.
Preocupados com as dificuldades implícitas na análise e avaliação dos processos eleitorais de tipo controlado e restrito, os autores de um trabalho sobre “eleições sem escolha” sugerem o termo eleições semicompetitivas para caracterizar algumas das situações onde não se cumprem as condições arquetípicas da democracia representativa mas, mesmo assim, as eleições provocam certos efeitos no sistema político.
Resumo
No caso brasileiro, chama especialmente a atenção a própria mudança de significado dos pleitos; se uma eleição como a de 1970, com o autoritarismo em seu auge e a repressão correndo solta, tem o ar de farsa mal desempenhada, as eleições posteriores são de inequívoca importância. Para melhor apreender a importância deste salto qualitativo vale a pena relembrar algumas características do regime autoritário no Brasil, que sempre manteve uma certa ambigüidade com relação às instituições democrático-representativas.
O ano de 1982 se encerrou, como o anterior, com o mesmo espanto diante das mortes provocadas pela Polícia Militar, especialmente em São Paulo. De janeiro a setembro, 432 cidadãos foram mortos, e, desses, até setembro pelo menos, 212 haviam sido liquidados pela ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), composta por 830 homens, sendo os efetivos da PM paulista de 60.000 homens.
Resumo
O tema da relação entre as mortes e a PM ganhou as manchetes dos jornais quando um dos membros da então assessoria do governador eleito de São Paulo, senador Franco Montoro, declarou numa entrevista que a ROTA “vai desaparecer” 2. Na avaliação dessa assessoria, divulgada pela imprensa, alguns governos anteriores teriam incutido na polícia a idéia de “tropas de ocupação, em plena guerra”, o que a teria levado a desmandos generalizados.
A ninguém escapa que vivemos atualmente uma dessas fases da História em que o grau de incerteza com respeito ao futuro passa a cota de tolerância, pondo em risco a coesão social e tornando particularmente difícil a tarefa de governar. Em situações como esta o exercício da imaginação política — esse atributo das sociedades democráticas — faz-se imprescindível, pois o futuro reproduz cada vez menos o passado. É necessário que a sociedade exerça plenamente suas funções de adaptação e renovação, o que somente é possível quando existe um profundo sentimento de participação e co-responsabilidade.
Resumo
Os analistas da situação atual nem sempre têm na devida conta o fato de que o processo de integração dos mercados nacionais — processo que operou como principal motor do forte crescimento do período 1948-1973 — não conduziu propriamente à formação de um sistema econômico global e sim a um conjunto de grandes subsistemas, cujas relações mútuas estão longe de ser simétricas. A integração dos mercados permitiu uma difusão mais rápida do progresso técnico e a homogeneização dos padrões de consumo, tudo contribuindo para abrir novas avenidas à concentração do capital. A amplitude da integração pode ser aferida pelo fato de que o intercâmbio comercial entre países industriais cresceu com intensidade duas vezes maior do que o produto dos países que dele participavam.
É evidente que, apesar da manutenção do alto nível de produtividade, o processo econômico dos Estados Unidos está sendo submetido a uma tensão séria e crescente. Uma ânsia frenética de consumo e gastos sociais c militares substanciais tende a dificultar a acumulação produtiva de capital. Parece-me, além disso, que esta combinação de demandas diferentes e conflitantes sobrepujou o crescimento da produção total dos Estados Unidos. O resultado foi a inflação e a necessidade de recorrer a uma parte da produção do resto do mundo, que foi paga através de enorme criação de dólares. Graças a Bretton Woods a inflação americana pôde se propagar livremente, por toda a órbita capitalista.
Resumo
O que dizer do papel das forças do mercado na alocação dos recursos produtivos? Elas têm sido capazes de enfrentar a ambivalência da tecnologia? Obviamente, parte da alta produtividade decorrente do impressionante avanço tecnológico foi obtida à custa do capital natural da biosfera. Havia um elemento falso nessa alta produtividade. Tudo isto acrescenta uma nova dimensão às tensões, às quais o processo econômico está submetido. Ao mesmo tempo, uma grande quantidade de capital adicional torna-se necessária para restaurar um equilíbrio entre a produção e os usos conflitantes que dela se fazem.
No momento em que escrevo estas linhas, o governo Schmidt/Genscher em Bonn parece tão instável que é bem possível que não esteja mais à frente da Alemanha Federal quando o presente trabalho chegar às mãos do leitor. Isso significaria o fim de treze anos de governo social-democrata, numa coalizão com o pequeno mas influente Partido Liberal. Na melhor das hipóteses, a coalizão talvez consiga durar até as eleições gerais de 1984, escondendo a falta de substância atrás da ausência de alternativas confiáveis por parte da oposição democrata-cristã. Mas o mais provável é que nem mesmo Schmidt possa ganhar as eleições de 1984 para o Partido Social Democrata (SPD), pois este está corroído por profundas divisões internas sobre todas as questões relevantes: política econômica e social, armas e energia nucleares, relações com os Estados Unidos, defesa e segurança interna, juventude e educação. O próprio modelo do desenvolvimento social está em disputa.
Resumo
Não há dúvida de que toda uma época da história do pós-guerra na Alemanha Federal — e talvez não apenas na Alemanha — está chegando ao fim. Como pano de fundo desse divisor de águas estão a crise econômica, o agravamento dos conflitos de política externa e uma crise generalizada do consenso e dos padrões tradicionais de legitimidade. Neste trabalho, será focalizado esse último aspecto.
Apesar de a puericultura no Brasil ter tomado corpo como área independente na medicina a partir deste século, a preocupação com o problema remonta aos tem pos coloniais. Data de 1790 a primeira publicação sobre a assistência à parturiente e os cuidados com o recém-nascido: o Tratado de educação física dos meninos para uso da Nação Portuguesa, de Francisco de Me lo Franco. As famílias viviam num relativo isolamento social, cabendo ao homem o relacionamento com o mundo exterior, enquanto as mulheres permaneciam em casa coordenando as atividades domésticas. As escravas amamentavam e cuidavam das crianças.
Resumo
No final do século XIX, em razão de uma série de descobertas e inovações no campo médico, a puericultura francesa veio a se constituir em um saber autônomo, passando, juntamente com a escola, à vanguarda do movimento de conversão das classes populares à nova ordem burguesa que o advento do capitalismo instaurara. A revolução pasteuriana permitiu à puericultura criar uma teoria que justificava cientificamente as suas normas que, daí em diante, passam a ser impostas à massa de trabalhadores que começava a invadir as cidades.
Ao longo dos anos 70 houve uma entrada maciça de mulheres na força de trabalho empregada nas indústrias de transformação no Brasil. Uma comparação dos censos demográficos de 1970 e 1980 revela que o emprego feminino em atividades industriais cresceu 181% (10,9% por ano). Na indústria, o índice de crescimento do emprego feminino foi mais rápido do que naqueles ramos tradicionalmente femininos, como prestação de serviços (sobretudo empregadas domésticas) e atividades sociais (principalmente professoras). Foi também mais rápido do que o crescimento do emprego masculino em todos os setores cobertos pelo censo.
Resumo
Houve uma notável diversificação dos setores da indústria manufatureira nos quais as mulheres encontraram trabalho. Sobretudo em São Paulo, grandes contingentes femininos entraram nas indústrias metal-mecânicas, e a importância de ramos mais tradicionais como a indústria têxtil, do vestuário e da alimentação continuou a diminuir. No interior das indústrias, as mulheres foram empregadas na produção — o aumento do emprego feminino na década passada não resultou da criação em larga escala de empregos na administração. Um estudo dos estabelecimentos industriais realizado pelo SENAI no fim dos anos 70, no município de São Paulo, revelou que mais de 70% de todas as mulheres neles empregadas faziam trabalho braçal, semiqualificado ou qualificado, nas áreas de produção e manutenção.
Tem chamado a atenção nas áreas centrais da cidade e nos pontos boêmios paulistanos uma certa explosão de comportamento homossexual. A qualquer hora, à noite especialmente, podem-se ver pessoas do mesmo sexo, geralmente homens, andando abraçados, às vezes de mãos dadas, às vezes se beijando como forma de saudação, beijos esses não raro dados na boca.
Resumo
Este comportamento, anteriormente inconcebível em público, está começando a ter respaldo um várias esferas da sociedade. É verdade que vem ocorrendo de modo mais marcante no mundo do comércio e dos serviços, onde o mercado homossexual desponta como um novo filão a prometer bons lucros. Não é novidade a exploração comercial do homossexual. Há várias décadas já existiam bares e boates com uma frequência marcadamente homossexual. Eram situados especialmente na área central, em torno da avenida Ipiranga em São Paulo, na Cinelândia e na Lapa do Rio. Também não são de agora, no Rio especialmente, bailes carnavalescos como o do Cine São José ou da gafieira Elite, onde homossexuais normalmente masculinos, podem ter um espaço para se travestir, dançar e até ”tirar uns amassos”.
A questão urbana certamente não se limita ao “problema da habitação”. Também me parece indiscutível que esse problema não pode ser corretamente equacionado sem que sejam considerados os problemas relativos à construção civil e ao mercado de trabalho, à ocupação do solo urbano e ao controle do desenvolvimento urbano. Realmente, debater a produção de habitações requer não só a análise da indústria da construção civil — isto é, do processo construtivo mais recomendável numa determinada conjuntura sócio-econômica —, como o exame dos efeitos do processo selecionado sobre a reprodução do capital investido e a geração de empregos e da renda.
Resumo
sempre que não se perca de vista o quadro de referência mais amplo definido pelos quatro temas sugeridos, é possível e até necessário aprofundar a análise de um deles e de algumas das suas convergências com os demais. É o que tentarei fazer, trazendo para o debate uma problemática altamente controvertida, que, a meu ver, ainda não recebeu no Brasil a atenção, os estudos e as pesquisas necessários. Refiro-me à questão da tecnologia mais recomendável para a produção cm massa de habitações no Brasil. Convém manter o atual nível baixo da composição orgânica do capital das empresas construtoras ou, em outras palavras, a tecnologia intensiva em trabalho realmente contribui para aumentar a geração de empregos? Ou, ao contrário: uma tecnologia intensiva em capital não seria capaz de reduzir os custos e, ao mesmo tempo, de aumentar a oferta de empregos indiretos, gerando empregos mais qualificados e melhor remunerados?
Diante do mito de que Bergman é um cineasta que “penetra a alma feminina”, uma crítica americana, Joan Mellen, contra-ataca para nos lembrar, a partir de Gritos e Sussurros, que há nos filmes do diretor um dualismo onde a mulher se marca como ser sensível, talvez centro principal de interesse, mas é do homem a voz da razão, é ele o ser capaz de entender e nomear a verdade do que seja a experiência dela.
Resumo
Guido, a principal personagem masculina em Das Tripas Coração, nos lembra um pouco tal economia, que expressa a diferença sexual numa distribuição de competências onde o sujeito (masculino) toma o objeto (feminino) como enigma e se dispõe ao prazer de decifrá-lo impondo seus parâmetros de ordem ou desordem. Digo “lembra um pouco” porque não é bem este o trajeto de Guido pelas salas e corredores do espaço feminino simbolizado no colégio.
A minha cor é pálida e o meu cabelo quando deixo crescer dá para pentear. Da Bahia pra cima e da classe média pra baixo posso dizer que sou branco. A mucosa do bico dos peitos, dos lábios, do pênis, não é roxa como a dos negros e sim rósea, e as minhas feições, que eu saiba, nunca me separaram do branco: branco sem vacilações, como está na carteira de identidade obtida no Recife ou nos registros feitos em Ipojuca pela escrivã Dona Hilda da Costa Monteiro.
Resumo
Via dizer que os latinos são morenos, e sabendo que português é língua latina enxergava uma certa bastardia era nos que, sem serem morenos, falavam língua latina: língua e cor ligadas, como a cor da casca ao sabor da fruta. Considerava-me pois muito bem enquadrado, e o mais preto, ou o mais branco, é quem tinha saído do armar. Meu cabelo cacheado, alisado com brilhantina, acreditava bonito, e pensava que quando se elogiava a cor morena se elogiava precisamente a mim.