Há um ano, o Cebrap e o Brasil perdiam José Arthur Giannotti (1930-2021). Como parte das homenagens a ele, a Novos Estudos antecipa, em seu blog, o texto que o presidente do Cebrap, prof. Marcos Nobre, escreveu para o próximo número da revista, que sairá em agosto.
José Arthur Giannotti (1930-2021) foi professor titular emérito do departamento de filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Um dos fundadores do Cebrap, instituição de que foi presidente (1984-90 e 1995-2001) e onde coordenou o Programa de Formação de Quadros Profissionais (1986-2007), Giannotti publicou inúmeros livros, entre os quais Apresentação do mundo (1995), O jogo do belo e do feio (2005) e Heidegger/Wittgenstein: confrontos (2020).
UM ANO SEM GIANNOTTI
por Marcos Nobre
27 jul. 2022
Faz um ano da perda de José Arthur Giannotti. Perda para o país, para a cultura, para a ciência. Perda ainda mais sentida pelo Cebrap, instituição que ele fundou e ajudou a construir durante mais de cinquenta anos.
É muito raro que coincidam em uma mesma pessoa um filósofo brilhante, um construtor ímpar de instituições, um professor dedicado e um intelectual público de rara sagacidade. É o que faz de uma pessoa um emblema. É o que dá a dimensão da perda que representa o desaparecimento de Giannotti.
Para quem teve o privilégio da convivência intelectual, institucional e pessoal, a marca sempre presente é a de ter Giannotti consigo o tempo todo. Ao ter uma ideia, ao escrever um texto, ao ler um texto alheio, ao tomar uma decisão institucional, ao analisar um acontecimento, ao ver uma obra de arte. Porque o contato prolongado levava inevitavelmente a que a gente se perguntasse em situações como essas: qual será a crítica que Giannotti fará a essa posição, a esse texto, a essa tese, a essa proposta de mudança institucional? O que dirá desse acontecimento, dessa obra de arte?
É isso o que significa ser uma referência. É ter uma presença tal, uma atitude tão marcante, um jeito tão arguto de entrar em um debate que os olhos se viram em sua direção, aguardando sua intervenção. É nesse sentido que a perda de Giannotti é a perda de uma referência.
Ser capaz de ter Giannotti consigo, de imaginar o que ele poderia dizer é ao mesmo tempo muito e uma lacuna impossível de preencher. Porque o exercício de imaginar o que Giannotti diria era a cada vez frustrado pela intervenção que Giannotti fazia. Por mais que se conhecesse Giannotti e sua maneira de pensar, suas intervenções eram invariavelmente surpreendentes e inovadoras. Mesmo para quem o conhecia bem.
É por isso que sua perda é efetivamente irreparável. Mesmo que Giannotti esteja dentro de cada pessoa que conviveu com ele, com seus textos e com suas intervenções, nenhum exercício de rememoração pode suprir a imprevisibilidade e a vibrante originalidade do seu pensamento em exercício. Giannotti via interesse, potenciais, lacunas e deficiências onde ninguém conseguia ver. Ou pelo menos não conseguia ver como ele via.
Porque o “ver” sempre foi um foco privilegiado do pensamento de Giannotti, que sempre entendeu seu próprio trabalho como um exercício de detectar frestas em paredões que parecem compactos e sem falhas. Para quem se concentra em ver, frestas abrem largas avenidas. Para o pensamento e para a ação.
No aniversário de um ano de seu falecimento, o Cebrap presta sua homenagem ao mestre, ao fundador, ao presidente, ao amigo. Nesta ocasião, por decisão de seu Conselho Executivo, o Núcleo de Filosofia passa a se chamar Núcleo de Filosofia José Arthur Giannotti. Na expectativa de que, como instituição, o Cebrap possa guardar o espírito de sua presença insubstituível.
Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp, presidente do Cebrap, Principal Investigator do Mecila e pesquisador 1a do cnpq. Entre outros, publicou, pela editora Todavia, Como nasce o novo: experiência e diagnóstico de tempo na Fenomenologia do espírito de Hegel (2018) e Limites da democracia: de Junho de 2013 ao governo Bolsonaro (2022).