Resumo
O Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e a revista Novos Estudos lamentam o falecimento do professor Juarez Brandão Lopes, a 9 de junho de 2011. Sociólogo, um dos fundadores do Cebrap e membro do conselho editorial desta revista, Juarez teve sua carreira marcada pelo trabalho interdisciplinar e pela atuação tanto na academia (como pesquisador e professor na Universidade de São Paulo e na Fundação Getúlio Vargas) quanto na gestão pública (como diretor do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e vice?presidente do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada – Ipea, entre outros cargos do governo federal). Em 1996, recebeu da presidência da República o título de comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico e, em 2001, a Grã?Cruz. Recebeu ainda do Ministério das Relações Exteriores a comenda da Ordem do Rio Branco (2001) e, no mesmo ano, a Medalha Capes 50 anos, outorgada pelo Ministério da Educação.
Minha convivência com Juarez começou durante o período que precedeu à criação do Cebrap. A despeito das sérias restrições impostas pelo regime militar, Juarez corajosamente abriu sua casa na Aclimação para que o grupo que se tornaria fundador pudesse planejar e construir o projeto que daria vida à nova instituição. Uma vez no Cebrap, tive a oportunidade de contar com sua inestimável colaboração nas discussões teóricas e no delineamento da Pesquisa Nacional sobre Reprodução Humana, marco de mudança de paradigmas nas pesquisas demográficas realizadas até então.
Resenha de A cidade nas fronteiras do legal e ilegal, de Vera da Silva Telles.
Resumo
Resultado de dez anos de diálogos, reflexões e inflexões de pesquisa, “A cidade nas fronteiras do legal e ilegal” apresenta e descreve de perto uma São Paulo em certos aspectos inusitada. O mundo urbano aparece ali precisamente no cruzamento cerrado de inúmeros vetores de transformações: no mundo do trabalho e suas relações; nos novos circuitos da economia informal urbana; na globalização e no ultraliberalismo dos mercados metropolitanos; na reconfiguração do Estado e dos serviços públicos; na proliferação das ongs, associações e outros dispositivos gestionários diante da “nova questão social”; no surgimento de micromecanismos de regulação local dos conflitos cotidianos e nas implicações e figurações do crime e da violência.
Em seus escritos sobre Michel Foucault e Gottfried Leibniz, Gilles Deleuze forjou e utilizou?se do conceito de dobra (plis). Segundo Deleuze, tudo no mundo existe dobrado. A vida, ela mesma, seria uma dobra aberta, permanentemente inacabada e cuja flexão ao fora e ao dentro remeteria a um tipo de movimento que implica e multiplica, conecta e separa, dividindo?se infinitesimalmente em outras dobras menores e maiores, mas conservando sempre uma coesão que é própria de sua articulação. De Leibniz, Deleuze também tira a metáfora da cidade como um labirinto do contínuo: passagens e bloqueios, pedaços daqui que se encontram acolá, contornamentos, reviravoltas, mil dobras. Se essa cidade?labirinto pode ser de fato imaginada como o evento do origami, cuja arte dobra, desdobra e redobra infinitamente a superfície de sua trama, então a São Paulo que emerge do trabalho de Vera da Silva Telles parece ser uma espécie de experimentação radical desse pensamento.
Resumo
De um filósofo municipal, que, depois de comentado, pode ser promovido a filósofo estadual.
A Luiz Henrique dos Santos
Como sempre Luiz Henrique torna preciso o que estou pensando, alinha minha maneira errática de refletir. Wittgenstein me tem apresentado intuições e instrumentos, não argumentos, para pensar minhas manias. Mas essa “instrumentalização” sempre caminha em dois sentidos: de um lado, me leva a entender melhor seus textos e suas intenções, de outro me empurra para as margens de certos temas caros ao filósofo, em particular tudo o que escreveu sobre moral e não escreveu sobre política. Não há interpretação neutra de um texto filosófico. Filosofar é trabalhar diferenças, levando em conta também a grandeza e o alcance de cada trabalho — o meu municipal, o dele internacional. Muito me incomoda citar uma frase solta de um grande filósofo para legitimar posições. O que legitima cada trabalho é o desenho ambíguo de seu próprio movimento. O texto de Luiz Henrique deixa no horizonte um grande problema: qual é a historicidade dos jogos de linguagem? Quem sabe se ainda terei tempo para estudá?lo.
Resumo
Para os artistas ligados ao neoconcretismo brasileiro, a experiência construtiva resultaria do gesto extremo de passar a limpo e retomar em novo patamar as promessas extraviadas das vanguardas do construtivismo europeu, gesto, ao ver desses artistas, tantas vezes postergado na arte europeia e norte?americana da primeira metade do século XX.
Um bom atalho para o necessário reexame do legado do neoconcretismo, que se formou no Brasil por volta de 1957, como dissidência de um movimento concreto de visada nacional surgido alguns anos antes, seria interrogar o uso recorrente dos termos “construção” e “construtivo” no ambiente artístico do país, especialmente entre o final dos anos 1950 e meados da década de 1960. Não se pode negligenciar o fato de que, à distância de um trivial “estilo internacionalista” que vinha ganhando hegemonia na produção artística mundo afora desde o início da década de 1950, e ao qual talvez se imagine poder consigná?los, esses termos apareciam enunciados de maneira inteiramente nova em muitos escritos de Hélio Oiticica e do poeta e crítico de arte Ferreira Gullar, então espécie de porta?voz do grupo carioca.
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Em Trabalho e reflexão e Certa herança marxista a reflexão de José Arthur Giannotti sobre a racionalidade do capitalismo contemporâneo o força a avançar em relação às categorias elaboradas originalmente por Marx. O artigo avalia criticamente as implicações da nova caracterização da dialética da sociabilidade capitalista oferecida por Giannotti para a sobrevida de uma herança marxista que procura manter a crítica imanente de Marx à positividade do capital.
Em sua apresentação de Origens da dialética do trabalho, Gérard Lebrun chama atenção para um aspecto crucial, porém sujeito a incompreensões, da interpretação encontrada nesse estudo: não vemos na leitura de José Arthur Giannotti sobre Karl Marx as recorrentes palavras de ordem e profecias pregadas pelo marxismo. Mas não só isso. Vemos ali sobretudo um modo particular de se colocar criticamente diante de uma apropriação de Marx impregnada de traços religiosos que se dedica a “estudar Marx do modo pelo qual Gueroult comenta Descartes”. Embora alguns tivessem concluído que essa interpretação de Marx seria neutra em relação aos desdobramentos práticos e políticos que sua teoria suscita, essa conclusão não parece se aplicar sem mais aos estudos de Giannotti.
Resumo
O paradoxo entre o discurso da liberdade e a prática da escravidão marcou a ascensão de uma série de nações ocidentais no interior da nascente economia global moderna. O artigo explora o uso da metáfora da escravidão no iluminismo filosófico europeu, e sugere que a “dialética do senhor e do escravo” hegeliana tem raízes mais na história contemporânea – particularmente, nas notícias que chegavam à Europa da Revolução Haitiana de 1791 – do que na tradição herdada pelo filósofo alemão.
No século XVIII, a escravidão havia se tornado a metáfora fundamental da filosofia política ocidental, conotando tudo o que havia de mau nas relações de poder. A liberdade, sua antítese concei? tual, era considerada pelos pensadores iluministas o valor político su? premo e universal. Mas essa metáfora política começou a deitar raízes justamente no momento em que a prática econômica da escravidão — a sistemática e altamente sofisticada escravização capitalista de não europeus como mão de obra nas colônias — se expandia quantitativa? mente e se intensificava qualitativamente, ao ponto de, em meados do século XVIII, ter chegado a sustentar o sistema econômico do Ocidente como um todo, facilitando, paradoxalmente, a expansão global dos próprios ideais do Iluminismo que tão frontalmente a contradiziam.
Resumo
O artigo apresenta uma interpretação de conjunto do percurso intelectual de José Arthur Giannotti até Lições de filosofia primeira (2011), e procura mostrar que, ao abandonar o universo da lógica da Setzung e o projeto de elaborar uma teoria da ilusão necessária, Giannotti não conseguiu mais reencontrar um solo para a crítica, resultado do abandono do campo de forças Kant?Hegel em favor de um campo de forças marcado pelas filosofias de Wittgenstein e Heidegger.
É estranho dizer de um livro de Lições que ele condensa o percurso de um intelectual. Mas, no caso de José Arthur Giannotti, foi exatamente isso o que aconteceu. É somente esse livro que permite entender como conjunto a produção do autor desde a publicação de Trabalho e reflexão, em 1983. É só Lições de filosofia primeira que permite juntar as peças do quebra?cabeça que Giannotti andou montando nas últimas décadas. Nesse livro, pode?se encontrar também a última etapa de um ajuste de contas ainda mais antigo, de seis décadas, com a filosofia de Edmund Husserl, que deveria ter sido o tema do doutorado de 1953, afinal dedicado à lógica de John Stuart Mill.
Resumo
Os trabalhos da nova geração de escritores do Cairo compartilham um conjunto de características narrativas peculiares, envolvendo tanto uma ruptura com as formas modernistas e realistas anteriores quanto uma transformação das regras de referências pelas quais o texto se relaciona com o mundo externo. O artigo procura mostrar que, independente de onde suas tramas sejam ambientadas, essas obras compartilham homologias formais com as crescentes favelas do Cairo.
Antes farol cultural e político do mundo árabe, a cidade do Cairo está hoje mais perto de tornar?se a fossa social da região. A população dessa megalópole inchou para estimados 17 milhões de habitantes, a maioria dos quais vive nos crescentes bairros autoconstruídos e favelas que circundam o antigo coração da cidade e seus bairros coloniais. Desde o final dos anos 1970, a política governamental de liberalização — infitah, ou “portas abertas” — combinada com o colapso do modelo desenvolvimentista, o aprofundamento da crise agrária e uma acelerada migração do campo para a cidade produziram vastas novas zonas do que os franceses chamam de “cidade cogumelo”.
Resenha do documentário Terra Deu, Terra Come, de Rodrigo Siqueira
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O premiado documentário Terra deu, terra come se desenvolve em torno da figura de Pedro de Alexino, um dos últimos conhecedores dos vissungos, cantos em dialeto benguela dedicados a antigos rituais fúnebres1. Rodrigo Siqueira, produtor e diretor, tornou?se próximo da família de Pedro, que vive no quilombo Quartel de Indaiá, no distrito de Diamantina, em Minas Gerais. Esse ótimo filme é, ao que tudo indica, resultado da cumplicidade especial criada entre o diretor e seu personagem ao longo de um percurso um tanto quanto enigmático.
De início, encontramos uma figura que parece interpelada por alguma espécie de curiosidade distanciada, pelo olhar de um estrangeiro investigador que se embrenha nos rincões para registrar testemunhos e costumes prestes a desaparecer. Mas Pedro de Alexino é caboclo velho que escapa dos quadros prontos. Com sutileza, ele subverte categorias e planos, transita por distintas posições e termina por conduzir o espectador através do que se parece com um documentário de cunho etnográfico, mas que termina por se revelar como um jogo especial. É pela maneira como a linguagem ali constrói um mundo particular (desvelado com esmero por Siqueira) que me proponho, aqui, a acompanhar alguns de seus passos.
Resumo
O artigo analisa como indivíduos residentes no Rio de Janeiro e em São Paulo mobilizam seus vínculos mais próximos para obter auxílios cotidianos e empregos e para enfrentar crises de saúde. Utilizando dados de survey realizado em 2008, dá continuidade à investigação anterior sobre redes pessoais em São Paulo. O artigo analisa as principais características, dinâmicas e condicionantes, das redes egocentradas, mostrando fortes regularidades baseadas no ciclo de vida e nas diferenças entre grupos sociais. Apesar disso, os resultados indicam intensa heterogeneidade no interior de cada grupo, organizada, tanto para pobres quanto para não pobres, pela homofilia e pelo localismo das redes, com fortes consequências para a reprodução das desigualdades sociais.
Os padrões de relação em que se inserem os indivíduos têm sido associados, na literatura internacional e brasileira, aos mais variados fenômenos. O presente artigo visa contribuir para o entendimento da importância das redes na sociabilidade cotidiana dos indivíduos, analisando as redes de apoio social no cotidiano, na busca de emprego e em crises de saúde no Rio de Janeiro e em São Paulo em período recente. Os resultados são originários de survey realizado pelo Centro de Estudos da Metrópole (CEM?Cebrap) e pelo IUPERJ (atual IESP?UERJ) em 2008, com 1.744 pessoas nas duas cidades. A amostra foi desenhada para representar o conjunto da população, mas também os 40% mais pobres de cada cidade.
Resumo
Ao escrever Apresentação do mundo: considerações sobre o pensamento de Ludwig Wittgenstein, as intenções de José Arthur Giannotti não eram principalmente exegéticas. Ele pretendia trilhar alguns caminhos abertos por Ludwig Wittgenstein no intuito de lidar com suas próprias obsessões filosóficas. Neste artigo, mostro por que e como algumas das linhas de pensamento de Wittgenstein ajudaram Giannotti a clarear logicamente alguns de seus próprios temas filosóficos obsessivos: o transcendental prático e a dialética da sociabilidade.
Já nas primeiras linhas de seu livro Apresentação do mundo: considerações sobre o pensamento de Ludwig Wittgenstein, José Arthur Giannotti adverte que as considerações que pretende fazer sobre a filosofia de Wittgenstein não são movidas por interesses simplesmente exegéticos. O livro, diz ele, “tenta ser uma monografia sobre as aventuras filosóficas de Wittgenstein, mas a escolha dos temas e o próprio movimento do trabalho somente se justificam se o leitor tiver em mente que essa escavação de uma obra alheia dá continuidade à minha própria investigação, por mais modesta que pretenda ser”.
Resumo
Este artigo traz de volta o Estado como um ator estratégico da globalização. Ao passo que os marxistas lamentam o murchamento do Estado, os neoliberais dão boas?vindas ao triunfo do mercado. Inspirado pela proposta de Habermas para uma constitucionalização do direito internacional, o autor insere os movimentos sociais na sua visão cosmopolita de um sistema multinível de governança. Através de uma leitura cruzada de Ulrich Beck e Antonio Gramsci, ele propõe atualizar a sociologia histórica do Estado e conectá?la à sociologia dos movimentos sociais, a fim de explorar como um Estado cosmopolita pode, porventura, atuar como um conversor num projeto contra?hegemônico de globalização.
A globalização do mundo é um dado e um fato. A cosmopolitização é um ato e uma tarefa. Se o mundo deve ser mais do que um sistema mundial, unificado por um substrato econômico e tecnológico que atinja o globo, para se tornar um universo, simbolicamente unificado por uma visão do mundo que coexista com outras visões do mundo articuladas entre si através de um diálogo intercultural e de um projeto comum para a humanidade em geral, nós temos que sair do globalismo rumo ao cosmopolitismo.
Bruno Dunley