O significado das decisões cruciais sobre o futuro do sistema político brasileiro não se restringe aos graus de legitimidade que as eleições diretas para Presidente da República propiciam para a prática de uma política que resgate o país de sua pior crise, nem aos sovados argumentos de que a crise é o pior momento para a tomada das referidas decisões, do que decorreria a manutenção do sistema – não chame-se a isto de eleições – das indiretas.
Resumo
Através de múltiplos percalços, entre os quais se inclui a dura repressão destrutora da identidade social, a sociedade brasileira logrou construir um sistema de referências políticas simbólicas, no centro do qual a democracia é a chave, que surpreende o observador pessimista atento apenas às dificuldades da sobrevivência material das classes e grupos de pessoas, assolados por uma inflação anual que já ultrapassou os 200%. Esse sistema de referências é, ele mesmo, um signo de uma sociedade de massas trabalhada pela modernidade, e dele não está ausente, senão que é uma de suas condições básicas, o intenso desenvolvimento da comunicação de massas.
Não é apenas que a realidade esteja mudando: ela está fugindo a nossos modos de percepção e a nossos instrumentos de interpretação. O que se diz a respeito dos países industrializados da Europa ocidental provavelmente se aplica também à América Latina: o liame entre os movimentos sociais e o conhecimento do social rompeu-se. Qualquer tentativa de emendá-lo deve partir do doloroso conhecimento da ruptura
Resumo
Não sabemos o que sejam estes novos movimentos sociais, e qualquer direção que tomemos em busca de uma nova compreensão, vai levar-nos a erros, em alguma medida- Paradoxalmente, isto diminuiu o medo de errar e limpou a área para “escolas”, latino-americanas ou não, de pensamento heterodoxo e criativo. Uma vez que o erro maior, obviamente, seria insistir em velhas categorias, de comprovada inadequação, temos a liberdade de experimentar. De certo modo, esta mesma experimentação fará parte também do movimento. Como ponto de partida, talvez o mais prudente nesse campo seja, exatamente, refletir sobre a ruptura entre realidade e percepção: o que, nestes novos fenômenos, subverte as nossas categorias?
Neste início de 1984 vale a pena fazer uma breve retrospectiva do que foi a conjuntura em 1983. Além da explosão inflacionária, do aumento do desemprego e da instabilidade no mercado financeiro – alguns dos principais reflexos da crise que vive o país – nesta ocasião parece oportuno analisar uma questão fundamental da conjuntura, que é a política econômica. Apesar da sua gestão “aparentemente” caótica em 1983, ela assumiu definitivamente o caráter de um ajuste nos moldes receitados pelo FMI. É importante destacar que este ajuste somente passou a vigorar integralmente a partir de fins de 1983 e, portanto, suas conseqüências revelar-se-ão nos próximos meses.
Resumo
No desenrolar da política econômica, em 1983, distinguem-se claramente três fases que, cronologicamente, poderiam ser assim divididas: janeiro a abril, maio a setembro e outubro a dezembro. Na primeira fase, de janeiro a abril, a conduta das autoridades econômicas brasileiras foi pautada pela aparente confiança na possibilidade de “rolar” mais uma vez sem problemas a dívida externa, desta vez, com os recursos dos quatro projetos propostos, em dezembro de 1982, em N. York, aos banqueiros internacionais e com os recursos do FMI As dificuldades, que saltavam à vista, para a assinatura dos quatro projetos mencionados e a inexeqüibilidade do acordo assinado com o FMI pareciam não ameaçar a “ilha de tranqüilidade” brasileira.
Quem viveu nos anos 30 sabe qual foi a atmosfera de fervor que os caracterizou no plano da cultura, sem falar de outros. O movimento de outubro não foi um começo absoluto nem uma causa primeira e mecânica, porque na história não há dessas coisas. Mas foi um eixo e um catalisador: um eixo em torno do qual girou de certo modo a cultura brasileira, catalisando elementos dispersos para dispô-los numa configuração nova. Neste sentido foi um marco histórico, daqueles que fazem sentir vivamente que houve um “antes” diferente de um “depois”.
Resumo
Depois de 1930 eles se tornaram até certo ponto “normais”, como fatos de cultura com os quais a sociedade aprende a conviver e, em muitos casos, passa a aceitar e apreciar. Pode-se dizer, portanto, que sofreram um processo de “rotinização”, mais ou menos no sentido em que Max Weber usou esta palavra para estudar as transformações do carisma. Não se pode, é claro, falar em socialização ou coletivização da cultura artística e intelectual, porque no Brasil as suas manifestações em nível erudito são tão restritas quantitativamente, que vão pouco além da pequena minoria que as pode fruir.
Finalmente em 1980, passados trinta longos anos desde a primeira edição francesa em 1949, o público da língua portuguesa passou a ter acesso ao clássico de Fernand Braudel, O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Filipe II. Braudel tinha uma relação apaixonada com seu objeto de estudo, o Mediterrâneo. Reconhecia que o inconveniente de empreendimentos demasiadamente vastos é que acabamos por nos perder neles. Mas, confessava, por vezes, perdia-se com prazer. Isto é o que se pode chamar uma verdadeira interação com seu objeto de estudo!
Resumo
Braudel considerava que não existe a história perfeita e acabada. Mesmo suas conclusões, aquelas às quais chegara em seu estudo sobre o Mediterrâneo, deveriam ser analisadas, discutidas, refeitas, pois somente nestes termos poderia avançar o conhecimento histórico. Para ele, as questões de enquadramento eram as mais cruciais, pois delas derivam todas as demais, na medida em que “delimitar é definir, analisar, reconstruir e, neste caso concreto, escolher e mesmo adotar uma filosofia da história”.
A mais antiga das nossas universidades públicas completa, este ano, seu primeiro cinqüentenário. É ainda jovem. Universidade que se preze conta a idade em termos de séculos e não de anos. Mas a USP parece ter sido capaz de compensar a juventude cronológica com um tipo de envelhecimento precoce que, antigamente, pensava-se ser uma característica da vida nos trópicos. Se essa velha teoria foi desacreditada pela biologia, parece, entretanto ser muito aplicável às instituições que, neste Brasil, tendem a se tornar obsoletas antes de atingirem a maturidade.
Resumo
Devemos reconhecer que, apesar de seu envelhecimento tão rápido, a USP produziu, neste meio século, uma obra respeitável. Contribuiu decisivamente para tornar a pesquisa científica uma realidade neste país — não mais a realização isolada de visionários dedicados, mas o resultado do trabalho permanente de equipes profissionais. Conseguiu assim, em muitos setores, superar a estreita dependência intelectual que tende a marcar nossas relações com os países desenvolvidos, produzindo um conhecimento crítico e inovador.
O moderno anda em questão. O que se coloca hoje, no campo das artes plásticas, mas também em outros domínios da vida social, não é somente a luta, que era a um só tempo cega e visionária, do novo para se libertar do velho, mas a pergunta pelo sentido da tradição.Tal interrogação, na verdade, não é nem um pouco estranha à arte moderna, ela é mesmo um dos caminhos que possibilitam a sua compreensão. Desde quando Manet, inaugurando a arte moderna, transfigurou por um olhar urbano o Concerto Campestre de Giorgione, até as mais de quarenta telas que Picasso pintou, em 1957, instigado pela visão de As Meninas de Velázquez, a arte moderna sempre teve um olho voltado para a tradição. Vasculhou, mesmo, a herança oriental, e também a das sociedades ditas primitivas.
Resumo
Semelhante ao que ocorre na vida das pessoas — ainda que tais paralelismos entre fenômenos individuais e sociais nem sempre sejam adequados — a maturidade da arte moderna não carrega apenas as marcas da passagem do tempo, mas revela o quanto a estruturação progressiva dos acontecimentos faz mudar o próprio sentimento do tempo. A arte moderna hoje tem um passado e isso torna todo passado mais próximo, mais familiar. O presente já não mostra tanta autoridade sobre o antigo. Tornouse mais reflexivo, mais circunscrito, e menos capaz de amarrar à consciência do instante as outras dimensões do tempo.
Reduzir o debate da dívida externa brasileira ao processo de renegociação ora em andamento parece, à primeira vista, um enfoque extremamente conjuntural. Afinal, o processo de endividamento se estende por toda a década dos anos setenta. Além disso, desde o primeiro semestre de 1980 o Brasil vem enfrentando problemas para equilibrar o balanço de pagamentos, problemas que só não se tornaram mais graves naquele momento por causa do crescimento da dívida de curto prazo.
Resumo
A situação de iliquidez e a intensidade das pressões dos credores inauguraram assim uma etapa nova no processo de endividamento externo brasileiro, de características diferentes da fase anterior. Este corte se justifica ainda mais quando levamos em consideração as mudanças no contexto político. No âmbito interno, de forma distinta, a autonomia das autoridades para formular a política econômica passou a ser relativizada em função da dinâmica do processo de abertura.