Eleições, fragmentação partidária e governabilidade

Ensaio, Homenagem

 


A Novos Estudos presta homenagem ao professor Leôncio Martins Rodrigues (1934-2021), que morreu neste 3 de maio, em São Paulo, e republica um artigo de sua autoria que saiu na revista em 1995.

 

Por Leôncio Martins Rodrigues
Publicado em Novos Estudos Cebrap, nº 41, março de 1995, pp. 78-90.


Resumo: O artigo analisa as eleições de 1994 do ponto de vista dos efeitos da continuidade da fragmentação partidária sobre as relações entre o Executivo e o Congresso. O autor chama a atenção para o declínio dos dois grandes partidos e o aumento do número de partidos de tamanho médio. A fragmentação, que é relacionada aos interesses dos parlamentares, deve forçar um estilo de governo de base consensual. Mesmo considerando os aspectos negativos decorrentes da falta de base parlamentar do Executivo e das dificuldades de formação de uma maioria estável, o texto chama a atenção para alguns fatores que podem contrabalançar os aspectos negativos da fragmentação do sistema partidário nacional.
Palavras-chave: eleições; fragmentação partidária; governabilidade.

 

Este texto apresenta algumas ideias sobre os resultados das eleições de 1994 focalizados do ponto de vista da fragmentação partidária e de seus efeitos sobre a governabilidade do sistema político brasileiro[i]. Trata-se de uma primeira reflexão sobre um tema que esperamos poder desenvolver mais adiante quando dispusermos de mais informações sobre a supereleição deste ano. Portanto, não haverá aqui nenhuma tentativa de correlações estatísticas. Limitamo-nos a transcrever alguns dados sobre os resultados eleitorais e avançar algumas hipóteses sobre as relações entre o Executivo e o Congresso à luz do perfil partidário resultante do processo eleitoral. Desse modo, duas partes compõem esta exposição.  A primeira, de natureza bastante descritiva, procura fazer um balanço do quadro partidário brasileiro e de sua evolução nos últimos anos. A Câmara Federal estará no centro dessa análise. A segunda parte, de caráter mais especulativo, tentará avaliar os efeitos da fragmentação partidária sobre a atuação do próximo governo. De modo mais específico, essa segunda parte lida com a seguinte questão: em que medida os resultados eleitorais podem comprometer a existência de uma maioria parlamentar estável de sustentação do Executivo e prejudicar, ou impedir, a realização do programa de governo defendido pela coligação partidária que levou Fernando Henrique Cardoso à Presidência?

1. O quadro partidário pós-eleição

A fragmentação do sistema partidário é um dos pontos que tem atraído a atenção dos pesquisadores, políticos e analistas da política brasileira[ii]. Em princípio, o multipartidarismo extremado afeta negativamente a eficiência de qualquer governo na medida em que reduz as possibilidades de formação de maiorias parlamentares estáveis e relativamente coesas, capazes de oferecer sustentação para a atuação do Executivo federal. A situação político-partidária brasileira que seguiu o fim dos regimes militares foi marcada pela existência de presidentes minoritários diante de um Congresso partidariamente fragmentado com fronteiras mal delineadas entre os partidos (ou parlamentares) que apoiam o governo e os que lhe fazem oposição. O resultado tem sido uma situação em que o Executivo, amplamente dependente de maiorias ad hoc, é levado a negociar pontualmente com grupos de partidos ou de parlamentares cujo papel de situação ou oposição é muito instável e não muito claro. Trata-se de um contexto multipartidário muito diferente daquele que resulta geralmente do bipartidarismo representado paradigmaticamente pelo Reino Unido e pelas democracias de colonização inglesa. Nesses, tipicamente, a definição dos papéis é mais precisa: a maioria governa mediante um gabinete unipartidário, a minoria faz oposição e não pensa em integrar o gabinete. O governo não precisa se preocupar a cada momento em negociar a aprovação de suas propostas.

As eleições de 1994 e a situação no Congresso

A situação referida acima implica um bipartidarismo ou um sistema partidário composto por poucos partidos. Mas a situação brasileira pós-abertura tem sido caracterizada por um pluripartidarismo cada vez mais fragmentado. As eleições de 94, apesar de algumas mudanças significativas na relação de forças entre os partidos, reproduziram o perfil partidário fragmentado. Desse modo, colocaram o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) diante de uma situação equivalente à dos anteriores presidentes civis. Em outras palavras: a existência de um multipartidarismo em que nenhum partido tem força para governar sozinho impõe um estilo de governo muito diverso daquele que se origina da existência de um partido majoritário ou de uma maioria constituída facilmente a partir da coalizão de dois partidos. Ao que sugerem os resultados das eleições para a Câmara Federal (CF) e para o Senado, o governo de FHC mais provavelmente será forçado, tal como os anteriores, a manter nas relações com o Legislativo um tipo de atuação orientada para a busca do consenso, mais próximo de um padrão da consociational democracy de Lijphart do que de um padrão mais conflitivo (adversarial) de governo vs. oposição[iii]. A necessidade da busca do consenso, vale dizer, de negociações contínuas, relaciona-se à permanência do um processo de fragmentação partidária iniciado há mais tempo. Segundo Olavo Brasil de Lima Júnior, a fragmentação média entre 1985 e 1990 foi de 0,81[iv]. Em 1986, nas eleições para a Constituinte, onze partidos conseguiram representação na Câmara Federal (“partidos parlamentares”, para fins de exposição), número que poderia ser considerado elevado e que, de acordo com Sartori, incluiria o sistema partidário brasileiro na classe do pluralismo extremado[v]. Mas então o índice de fragmentação de 0,65 que achamos era relativamente baixo em virtude do elevado número de cadeiras conquistadas pelo PMDB e pelo PFL[vi]. O PMDB, nessa ocasião, ficara com 53% dos lugares (257 deputados) e o PFL com 24% (118 deputados). O PDS, terceiro partido em ordem de importância, estava muito distante dos dois maiores. Tinha apenas 7% (33 deputados). Os dois maiores partidos, então formalmente unidos na Frente Liberal, aparentemente dispunham de uma tranquila maioria.  Porém, após a eleição, aconteceu algo que, julgado à luz da vivência partidária de democracias consolidadas, pode ser considerado fantástico: no transcorrer da mesma legislatura — sem que ocorresse qualquer eleição — o número de partidos na CF pulou de onze para 21, elevando a fragmentação para 0,86.

Vê-se aqui que a multiplicação do número de partidos e o aumento do índice de fragmentação, ocorridos no transcurso de uma mesma legislatura, não tiveram relação com variáveis extraparlamentares (sócio-econômicas, demográficas etc.) nem com variáveis relacionados ao sistema eleitoral propriamente dito. Os movimentos de cissiparidade e migrações partidárias — que acarretaram o enfraquecimento dos dois maiores partidos, o aumento do número de partidos médios e de micropartidos — vieram do interior do parlamento, o que significa dizer, do interior da classe política. Os eleitores, ou outros setores da sociedade, não estiveram envolvidos. O fator determinante localiza-se nos interesses particularísticos da maioria dos deputados que elaboram os regulamentos, as leis, as regras do jogo. É claro que esses interesses não podem ser entendidos sem referência a uma subcultura político-parlamentar específica que legitima a atividade parlamentar (e governamental de modo geral) mais como um sistema de dominação do que de representação de interesses societais. É essa subcultura que faz aceitável um padrão de conduta destinado a oferecer muitos benefícios e vantagens aos que conseguem chegar à Câmara (e a outras instâncias do poder). A legislação partidária e os regulamentos internos do Congresso, elaborados pela facção parlamentar da classe política, devem ser entendidos desse prisma. Eles visam ampliar, tanto quanto possível, o grau de liberdade e autonomia individual dos parlamentares diante dos partidos e dos eleitores.

A valorização personalística do parlamentar e o enfraquecimento da instituição partidária no interior do Congresso têm sido apontados com pessimismo por numerosos autores. Não é o caso de nos alongarmos neste ponto[vii]. Mas, como salientaremos no final deste texto, muitas pesquisas comprovam que, ao lado desses aspectos relacionados a um extremado personalismo e clientelismo que tendem a deslegitimar o sistema partidário, os partidos têm certo perfil ideológico derivado da representação de interesses sociais relativamente bem definidos. Aparentemente, estamos diante de uma situação de transição partidária que possibilita a coexistência de um conjunto de traços que tendem a deslegitimar o sistema partidário e fazê-lo pouco representativo ao lado de outros que tendem a legitimá-lo e a reforçar suas funções de representação. O resultado é um quadro político-partidário bastante complexo que obriga as reflexões sobre os efeitos de nosso multipartidarismo a levar em conta não só o formato aritmético do sistema (número de partidos, distribuição das cadeiras entre eles) como sua natureza (ideologia, clientelismo, organização interna, personalismo etc.).

Quadro I – Partidos parlamentares na CF

Partido

Eleições de 1986

Final da legislatura de 1986

Eleições de 1990

Eleições de 1994

 

cadeiras %

cadeiras %

cadeiras %

cadeiras %

PMDB

257 (52,9)

131 (26,5)

108 (21,6)

107 (20,9)

PFL

118 (24,2)

90 (18,2)

84 (16,7)

89 (17,3)

PDT

24 (4,9)

38 (7,7)

47 (9,3)

34 (6,6)

PDS

33 (6,8)

32 (6,5)

42 (8,3)

PP

37 (7,2)

PRN

31 (6,3)

40 (8,0)

1 (0,2)

PTB

18 (3,7)

28 (5,7)

38 (7,5)

31 (6,1)

PSDB

60 (12,1)

37 (7,4)

62 (12,1)

PPR

52 (10,1)

PT

16 (3,3)

17 (3,4)

35 (6,9)

49 (9,6)

PDC

5 (1,0)

15 (3,0)

22 (4,4)

PL

6 (1,2)

13 (2,6)

15 (3,0)

13 (2,5)

PSB

1 (0,2)

8 (1,6)

11 (2,2)

14 (2,7)

PSC

3 (0,6)

6 (1,2)

3 (0,6)

PC do B

6 (1,2)

6 (1,2)

5 (1,0)

10 (1,9)

PRS

7 (1,4)

4 (0,8)

PCB (PPS)

3 (0,6)

3 (0,6)

3 (0,6)

2 (0,4)

PTR

4 (0,8)

2 (0,4)

PST

5 (1,0)

2 (0,4)

PSD

1 (0,2)

1 (0,2)

3 (0,6)

PRP

1 (0,2)

1 (0,2)

PT do B

1 (0,2)

PMN

1 (0,2)

1 (0,2)

4 (0,8)

PV

1 (0,2)

 

487 (100,0)

495 (100,0)

 

513 (100,0)

Obs.: O PPR e o PP surgiram em fins da legislatura eleita em 1990. O PPR reuniu os parlamentares do PSD e do PDC. O PP reuniu parlamentares do PST e do PRT. Não registramos a legenda do Prona, existente no final da legislatura que está se encerrando, porque os dados referem-se aos resultados alcançados pelos partidos nas eleições. O Prona, na verdade, nunca chegou a eleger um deputado federal. Na legislatura que está se encerrando conseguiu uma cadeira em razão da transferência de uma deputada eleita pelo PDT carioca para esse partido. Nas eleições deste ano, a mesma deputada concorreu pelo Prona mas não foi eleita. No quadro acima, essa parlamentar foi registrada como eleita pelo PDT.

 

Nas eleições de 1990 para a CF, achamos um índice de fragmentação da ordem de 0,88, igual ao que resultou da distribuição das cadeiras nesta última eleição de 1994. Em comparação com a situação existente no final da legislatura da Constituinte, as eleições de 90 ocasionaram uma pequena redução do número de partidos, de 21 para dezenove. Agora, nesta eleição, dezoito partidos conseguiram ao menos uma cadeira na CF. Desse modo, considerando as três últimas eleições para a Câmara, o número de partidos parlamentares parece ter se fixado em torno de vinte. Mas, em termos da problemática do fracionamento partidário, a simples contagem de partidos é pouco relevante. Importante, aqui, é que o PMDB e o PFL não se recuperaram de perdas ocorridas após as eleições de 1986 (na realidade, tiveram uma ligeira perda), enquanto aumentava o número de partidos de porte médio. Desde as eleições de 1986 até as de 1990, a soma das proporções de cadeiras ocupadas pelo PMDB e o PFL na Câmara Federal vem declinando: 77% nas eleições de 1986; 45% ao final da mesma legislatura; 38% nas eleições de 1990. Agora, a ligeira perda do PMDB foi compensada pelo pequeno ganho do PFL, de modo que a proporção de deputados eleitos sob a legenda dos dois maiores partidos ficou praticamente nos mesmos 38%.

Depois das eleições de 1990, nenhum partido obteve mais de 150 das 513 cadeiras da CF (29% do total). O número de legendas com menos de dez deputados aumentou de cinco para oito no transcorrer da própria legislatura que votou a Constituição de 1988. Em 1990, oito, e em 1994, sete desses partidos com menos de dez deputados conseguiram, através de eleições, representação na Câmara. Porém, o fenômeno mais importante em termos do perfil do sistema partidário no Legislativo federal foi o aumento do número de partidos de tamanho intermediário ou médio em razão de migrações, cissiparidade ou de resultado eleitoral. Entre os partidos com 25 a 49 deputados, havia apenas um no início dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte (o PDS). Depois das eleições de 1990, seis partidos chegaram a essa classe. Nestas últimas eleições, o número de legendas de 25 a 49 cadeiras baixou para quatro mas, em compensação, na classe dos partidos de cinquenta a 74 cadeiras (10% a 14% da CF, aproximadamente) surgiram dois partidos, o PSDB e o PPR.

 

Quadro II – Distribuição dos deputados federais por tamanho dos partidos

Nº de deputados por partido

Eleições de 1986

Eleições de 1990

Eleições de 1994

150 ou mais

2

100 a 149

1

1

75 a 99

1

1

50 a 74

2

25 a 49

1

6

4

10 a 24

3

3

3

Menos de 10

5

8

7

Total de partidos

11

19

18

Aparentemente, a julgar pelas eleições de 1990 e 1994, o número de partidos médios[viii] parece estabilizado em torno de seis. Nessa classe, na situação brasileira, temos partidos relevantes, possuidores de certo potencial de chantagem, capazes de alterar os rumos da disputa parlamentar. Os partidos com menos de dez deputados, alguns com três, dois ou mesmo um deputado (que denominaremos de micropartidos), são obviamente partidos irrelevantes para a governabilidade do sistema. Na próxima legislatura, a soma de cadeiras dos micropartidos não passará de 3% do total.

O Quadro III mostra de modo mais sintético do que o quadro anterior a tendência ao aumento desses partidos de “classe média”.

 

Quadro III – Tamanho dos partidos na Câmara Federal

Nº de deputados por partido

Eleição de 1986

Final da legislatura de 1987-1990

Eleição de 1990

Eleição de 1994

Partidos grandes

(81 ou + deps.)

 

2

 

2

 

2

 

2

Partidos médios

(31 a 80 deps.)

 

1

 

4

 

6

 

6

Partidos pequenos (10 a 30 deps.)

 

3

 

4

 

3

 

3

Micropartidos

(Menos de 10 deps.)

5

11

8

7

Total de partidos na Câmara Federal

11

21

19

19

Os dados acima indicam que o número de pequenos e micropartidos permaneceu aproximadamente o mesmo entre as eleições de 1990 e 1994. Os micropartidos passaram de cinco para onze no transcorrer da própria legislatura de 1987-90, quando oito partidos que não tinham elegido um só deputado federal passaram a estar presentes na CF[ix]. Nas duas últimas eleições, seu número baixou ligeiramente. No decurso dessa mesma legislatura, dois partidos médios surgiram em razão de migração partidária (o PDT e o PRN) e um em razão de cissiparidade (o PSDB).

Nas eleições de 90, seis partidos elegeram entre trinta e 79 deputados, passando assim, pelos nossos critérios, a integrar a classe dos partidos de tamanho médio: o PDT, o PDS, o PRN, o PTB, o PSDB e o PT. No final da legislatura, dois novos partidos de tamanho médio foram criados por fusão: o PP (PST+PRT) e o PPR (PSD+PDC). Mas o número de partidos médios declinou ligeiramente: o PDS desapareceu enquanto o PTB e o PRN perderam deputados e foram rebaixados para a classe dos partidos pequenos (entre dez e trinta cadeiras).

Já a maioria dos micropartidos, entre as eleições de 86 e as de 94, permaneceu na mesma classe, quer dizer, não conseguiu crescer e provavelmente, de parte dos seus deputados, não houve esforço nessa direção porque essas legendas serviam basicamente a seus interesses pessoais. Nessa classe, levando-se em conta que o número de parlamentares por legenda é muito baixo, houve morte e ressurreição de alguns desses micropartidos, como foi o caso do PRP — que não elegeu ninguém em 1990 mas reapareceu na Câmara nas eleições deste ano — e do Prona — que surgiu no transcorrer da legislação passada mas que agora, como dissemos, não conseguiu representação apesar de seu candidato ter chegado em terceiro lugar na disputa presidencial (7% da votação). O PT do B, que aparece com um deputado no final da legislatura eleita em 1986, não elegeu nenhum deputado em 1990 e em 1994[x]. Mas três micropartidos da eleição de 86, os mais ideológicos, ascenderam à condição de partidos pequenos em 1994: o PL, o PC do B e o PSB.

Nestas últimas eleições, o número de partidos médios voltou a seis: PDT, PP, PTB, PSDB, PPR e PT. Em relação à legislatura anterior, essa classe perdeu dois membros: o PRN, que declinou para a condição de micropartido ao eleger só um deputado, e o PDS, que deixou de existir quando da fusão para a formação do PPR.

O aumento da fragmentação decorre, pois, de dois processos: do aumento do número de partidos médios e do declínio dos dois maiores partidos.  Nestas últimas eleições, a proporção de cadeiras ganhas pelo PMDB é de cerca de um quarto do total. Em 1986, o PMDB começara a legislatura com 53% e o PFL com 24%. Agora, apenas o PMDB terá inicialmente mais de cem cadeiras. Mas é provável que alguns de seus deputados migrem para o PSDB. Se essa migração não for suficientemente grande para elevar o PSDB ao status de maior partido da Câmara Federal, o número de partidos médios ficará em torno de seis, o que significa a manutenção de um elevado coeficiente de fracionamento. A continuidade da fragmentação deverá impor um estilo de relações “negociais” entre o Executivo e o Congresso pois é difícil, no transcorrer da próxima legislatura, uma mudança radical no quadro partidário. Ainda que no decurso dos trabalhos parlamentares muitos deputados de outras legendas transfiram-se para o PSDB a ponto de dobrar a representação tucana na Câmara, o partido do presidente não terá mais do que um quarto das cadeiras.

Os resultados para o Senado

A votação para o Senado Federal reforçou ligeiramente o fracionamento do conjunto do sistema partidário. Algumas legendas que anteriormente nele não estavam presentes — como o PSB, o PPS e o PL — conseguiram eleger um representante, enquanto o PT, que tinha apenas um senador, elegeu quatro.  Com isso, onze partidos obtiveram representação na Câmara Alta. O PMDB, o maior deles, tem apenas 26% do total de cadeiras e o PFL, o segundo, 22%. O índice de fragmentação chegou a 0,84. Mas deve-se notar a elevada correlação positiva entre os partidos que ganharam mais cadeiras na CF e os que ganharam mais cadeiras no Senado.

 

Quadro IV – Eleições 1994 – Senado da República

 

Nº de cadeiras

%

PMDB

22

27,2%

PFL

18

22,2%

PSDB

11

13,6 %

PPR

6

7,4%

PDT

6

7,4%

PT

5

6,2%

PP

5

6,2%

PTB

5

6,2%

PSB

1

1,2%

PPS

1

1,2%

PL

1

1,2%

 

81

100%

Obs.: Os resultados indicam o total de cadeiras no Senado, após a renovação, nestas eleições, de dois terços de seus membros. No momento em que escrevemos, não estava decidido se o senador Humberto Lucena (PMDB da Paraíba) estaria entre os reeleitos. No quadro acima, o referido senador foi incluído entre os eleitos pelo PMDB. Caso fique de fora, o PFL ficará com a sua vaga.

A votação para o governo dos estados

Nas condições brasileiras de forte influência dos Executivos estaduais nas bancadas de seus Estados, o problema da fragmentação partidária não pode ser examinado apenas do ângulo da representação no Parlamento. Os resultados das eleições para os governos estaduais constituem outro elemento que pode complicar o mapa político e, às vezes, acentuar o fracionamento do sistema partidário nacional.

Contudo, não foi o que aconteceu nessas últimas eleições. Ao contrário dos resultados para a Presidência e para o Congresso, houve certa confluência entre resultados colhidos pelos partidos para os governos estaduais, de um lado, e para o Legislativo federal, de outro. Os partidos mais fortes no Congresso conseguiram capturar mais estados. O PMDB, a maior bancada, venceu em nove estados contra seis do PSDB. Mas os resultados foram indiscutivelmente mais favoráveis aos tucanos. O PSDB conquistou os governos das três unidades da Federação do Sudeste de maior colégio eleitoral, o que equivale a dizer, dos estados de maior produto interno, maior população e maior importância política. As bancadas dos estados que passam a ser governados pelo PSDB chegam a 42% das cadeiras na CF. Somadas às dos dois estados ganhos pelo PFL (11%), sobem para 53%. Obviamente, apenas uma parte das bancadas estaduais é composta de parlamentares eleitos pelo PSDB ou seus aliados na campanha presidencial. Mas, nas barganhas do “toma lá, dá cá” das disputas políticas, não seria necessário enfatizar a força do Executivo estadual junto aos deputados federais do seu estado, mesmo quando estes últimos não são do mesmo partido. Por isso, os resultados das competições para os governos dos estados devem favorecer a elevação do coeficiente de governabilidade e até mesmo acarretar algum aumento da concentração partidária decorrente de um possível fortalecimento numérico do PSDB no Congresso.

 

2. Até que ponto a fragmentação pode atrapalhar?

Ainda é cedo para fazer uma avaliação dos efeitos da votação para os governos estaduais sobre a distribuição das cadeiras no Congresso. Tendo em conta, ademais, que a Presidência da República está em mãos do PSDB, é provável que esse partido se fortaleça no transcorrer dos trabalhos legislativos. Alguma migração partidária deve ocorrer em direção aos tucanos. Nesse caso, o partido que provavelmente sofrerá uma sangria mais intensa será o PMDB. Mas são especulações. No momento, pode-se apenas constatar que, para se chegar a 50% dos votos na CF, será preciso a soma dos votos dos três maiores partidos (PMDB, PFL e PSDB). Qualquer defecção impede a formação de uma maioria. O PSDB e seus aliados (PFL e PTB) somam apenas 35% do total. Para chegarem a mais de 50% precisam do PMDB. A colaboração eventual do PPR (10%) e do PP (7%) a um programa de reformas de tipo liberal, ou de desestatização, permitiria ao Executivo chegar precisamente a 52%, o que não é garantia de uma maioria estável. Com isso, a força de barganha de partidos que têm cerca de 10% dos lugares na Câmara aumentou consideravelmente.

 

Quadro V – Distribuição dos estados por partido

Partidos

Estados

% do eleitorado

PSDB

(SP, MG, RJ, CE, PA, SE)

51,3

PMDB

(RS, SC, GO, PB, PI, RN, MS, AL, RO)

20,9

PFL

(BA, MA)

10,3

PPR

(AM, TO, AC)

2,1

PDT

(PR, MT)

7,5

PSB

(PE, AP)

4,9

PT

(DF, ES)

2,9

PTB

(RR)

0,1

 

 

100,0

Em princípio, quanto maior a fragmentação, maior a dependência do Executivo diante do Legislativo. “Quanto maior a rotatividade ministerial, mais fragmentado e polarizado será o sistema”, diz Wanderley Guilherme dos Santos[xi]. Entendemos que seria mais adequado inverter a relação de causa e efeito, podendo a rotatividade ser tomada como um indicador de fragmentação.  Mas, uma rotatividade elevada deve levar a um rebaixamento dos níveis de eficiência governamental em virtude de mudanças sucessivas nos ministérios e da necessidade de o Executivo, para obter apoio parlamentar, recrutar seus membros mais por razões de apoio político-partidário do que por critérios de eficiência e/ou de afinidade programática. Estamos supondo, o que parece intuitivo, que as escolhas ministeriais por critérios de oportunismo político (necessidade de ampliação de apoio no Congresso), em comparação com as que são feitas por critérios de competência e afinidade ideológica com a Presidência, reduzem os coeficientes de eficiência. A sequência causal seria portanto a seguinte: (1) fragmentação partidária; (2) necessidade de apoio partidário no Legislativo; (3) ampliação do leque de participação de vários partidos no ministério; (4) tendência ao aumento da rotatividade ministerial; (5) declínio dos índices de eficiência governamental. A hipótese é de que, ceteris paribus, mudanças ministeriais rápidas aumentam a tendência à ineficiência em razão da redução da taxa de acumulação de experiência e de que a necessidade do consenso favorece (mas não impõe necessariamente) o imobilismo. Como nos governos civis anteriores, o Poder Executivo poderá ficar bastante dependente de muitas lideranças parlamentares. Nesse quadro de multipartidarismo, em princípio, não estão afastados os riscos de imobilismo cuja expressão máxima seria a incapacidade de o Executivo levar à frente as reformas constitucionais expressas no programa do PSDB e do PFL. Os perigos de paralisia decisória podem ser enfrentados mediante um estilo de fazer política amplamente fundado na busca do consenso. Mas este pode ser alcançado mediante concessões que terão como fundamento a eliminação de radicalismos de toda espécie. Neste caso, é provável alguma mutilação dos projetos reformistas defendidos pela coligação vitoriosa na competição pela Presidência da República. Naturalmente, esse risco diminui na proporção da aceitação das propostas governamentais pela chamada opinião pública, capaz de influenciar o Congresso.

Wanderley Guilherme dos Santos, no trabalho citado, mostra a paralisia decisória a que foi conduzido o governo Goulart em virtude da fragmentação e da polarização ideológica. Sem buscar nenhuma analogia com a situação existente durante o governo Goulart, o perfil partidário atual do Congresso constitui um fantasma a rondar o governo FHC. A questão central da governabilidade e da eficiência do próximo governo terá algum tipo de relação com as possibilidades de constituição de uma maioria estável de sustentação parlamentar.

Mas, mesmo aceitando que um mapa partidário fragmentado tende a ter efeitos negativos sobre os coeficientes de governabilidade, caberia examinar de modo mais concreto a dimensão do problema. É preciso considerar com que tipo de partidos o Executivo precisa barganhar. Nossa hipótese é de que, considerando o sistema partidário brasileiro, tratar-se-á de uma relação de trocas que envolverá, por um lado, fatores de natureza clientelística e, por outro, fatores de natureza ideológica. Os primeiros estarão orientados para a manutenção de vantagens e benefícios específicos para a facção parlamentar da classe política relacionados ao controle de fatias do poder estatal. Os segundos estarão relacionadas à manutenção da imagem dos partidos — ou de suas lideranças mais expressivas — junto ao eleitorado e envolvem a questão da representação de interesses extrapartidários. Entendemos que os dois aspectos estão presentes no sistema partidário brasileiro.

Já constitui um lugar-comum a afirmação de que a solidez programática e ideológica do sistema partidário brasileiro deixa muito a desejar em comparação com a existente em outros países. Na parte inicial deste texto, ao nos referirmos aos interesses dos parlamentares na manutenção de práticas debilitadoras do sistema partidário, enfatizamos um aspecto, o mais negativo, que vê o jogo político em função dos interesses de dominação da classe política. Mas este é um lado da questão. Se o lado da representação de interesses societais, externos à classe política, fosse inteiramente abandonado, os interesses específicos dos membros da classe política teriam mais dificuldades para serem alcançados ou talvez não pudessem mesmo ser atendidos.

No caso brasileiro, se os partidos fossem aquela geleia sem consistência, movidos unicamente por objetivos clientelísticos e personalísticos dos políticos, não haveria razão para se preocupar com a questão da fragmentação porque o Executivo não encontraria dificuldade na constituição de um bloco majoritário estável. Como salientamos no início deste texto, numerosas pesquisas revelaram que os partidos brasileiros relevantes possuem alguma consistência e expressam, de algum modo, tendências do eleitorado e representam interesses sociais determinados, como mostraram, por exemplo, as discussões quando da elaboração da Constituição. É justamente por isso que as estratégias de alianças têm importância, os potenciais de coalizão partidária não se distribuem igualmente e as relações Executivo-Legislativo ficam mais complicadas.

É possível localizar em todos os partidos relevantes uma “espinha dorsal”, um “núcleo ideológico dominante” que marca cada um deles em termos da ideologia e da composição social, tal como encontramos numa pesquisa que realizamos com deputados eleitos para a Constituinte[xii]. No mesmo sentido,  M. Dalva G. Kinzo, ao estudar as trajetórias partidárias  dos  parlamentares,  concluiu que “apesar da instabilidade e da volubilidade […] é possível discernir certo padrão no que se refere a uma parcela considerável de políticos […] A maioria seguiu trajetórias não de todo incoerentes […] Clivagens ideológicas substanciais se manifestaram entre os partidos   e  provavelmente se manifestarão sempre que estiverem em jogo questões tão   relevantes com aquelas votadas durante a Constituinte”[xiii]. Na realidade, como nota Carlos Alberto Marques Novaes em sua pesquisa sobre o funcionamento da Câmara, as lideranças políticas, mesmo na ausência de organizações partidárias mais sólidas e estáveis, tendem a se manter num mesmo campo ideológico: “As estruturas partidárias são frágeis, mas as afinidades ideológicas conformam campos estáveis”[xiv].

Por isso, a probabilidade de um deputado de “direita” (digamos, do PPR ou PFL) transferir-se para um partido de “esquerda” (digamos, o PT ou o PC do B) é extremamente baixa. A mesma coisa pode ser dita com relação a um político de “esquerda” que decida abandonar seu partido. Nesse caso, para reduzir os custos eleitorais de mudança de legenda, deverá procurar outra organização que pareça localizada num campo ideológico afim. A mudança de partido obedece ao que se poderia denominar de uma “lei de afinidade ideológica” porque, entre outros possíveis motivos, as diferentes facções da classe política não podem perder o seu eleitorado. Desse prisma, os políticos de partidos de “centro” têm mais flexibilidade migratória: os custos eleitorais da migração tendem a ser menores uma vez que a “traição” aos princípios não parece muito forte. Os partidos de “esquerda”, mais ideológicos, têm mais dificuldade no estabelecimento de coligações que escapem do universo ideológico socialista[xv]. Pensamos que as mesmas observações relativas às pessoas dos políticos podem ser estendidas aos partidos.

Se os partidos brasileiros, como indica a maioria das pesquisas, têm alguma consistência programática e ideológica, a constituição de um bloco governamental estável num contexto de pluripartidarismo extremado pode se apresentar como uma obra de engenharia complexa, delicada, que contém em si alto potencial de imobilismo derivado do esforço da busca de consenso.

Mas, aceitando que as características do sistema partidário, de modo geral, e seu fracionamento, de modo particular, são potencialmente um fator negativo para o funcionamento do sistema político no seu conjunto, na presente conjuntura, outros fatores podem reduzir os reflexos negativos no que diz respeito aos coeficientes de governabilidade[xvi]. Nesse sentido, nas presentes condições brasileiras, os seguintes aspectos devem ser levados em conta:

1) As possibilidades de alianças interpartidárias, capazes de oferecer sustentação ao Executivo. O PSDB, em termos programáticos e ideológicos, pode ser localizado em algum ponto entre o PT, o PDT, de um lado, e o PFL, o PPR, de outro, para considerarmos apenas os partidos com um perfil mais definido. O PSDB, por isso, tem elevado potencial de coalizão, podendo aliar-se a partidos, ou facções partidárias, à sua esquerda e à sua direita.  Com isso, tem maiores possibilidades de conseguir maioria no Congresso[xvii]. O PMDB também deveria ter um potencial de coalizão elevado, mas razões “éticas”, além das ideológicas, elevam seu índice de rejeição por parte de um partido de esquerda, como o PT. Outros partidos — como o próprio PFL ou o PPR (entre os de “direita”), o PT ou o PDT (entre os de “esquerda”) — têm um potencial de coalizão bem menor do que o dos tucanos[xviii]. E aqui não se pode esquecer o papel que a pessoa do presidente, que possui um campo de movimentação bastante amplo à direita ou à esquerda, pode desempenhar na formação de um bloco partidário majoritário e estável no parlamento. Assim, os riscos de falta de base parlamentar podem ser menores do que sugeriria uma análise formal da distribuição das cadeiras e da força da coligação PSDB-PFL-PTB no Congresso. Não seria demais buscar uma analogia com as formas das “democracias consensuais” nas sociedades plurais estudadas por Lijphart. Governar através de uma grande coalizão pluripartidária pode ser uma alternativa razoável ao modelo anglo-saxão da regra da maioria pura. Na verdade, nas presentes condições brasileiras pode ser a única alternativa, tanto mais factível quanto as segmentações setoriais brasileiras não são da magnitude das sociedades plurais descritas por Lijphart ou, pelo menos, não se refletem com intensidade no jogo partidário.

2) O segundo aspecto sobre o qual queremos chamar a atenção vem do estreitamento do leque ideológico ocorrido depois do fim do socialismo no Leste europeu e do nacional-populismo na América Latina. Não se quer dizer, com isso, que as diferenças ideológicas desapareceram. O “combate ao neoliberalismo”, por exemplo, deve continuar sendo por certo tempo uma das bandeiras das diferentes facções de “esquerda” dentro e fora do Congresso. Os interesses corporativos ligados à manutenção do modelo nacional-populista persistem e devem se manifestar, no plano político, na resistência a reformas que favoreçam o mercado em relação ao Estado. Porém, eleitoralmente, a bandeira nacionalista e estatizante deixou de ter a mesma atração do passado. Do ponto de vista das estratégias de maximização de votos aplicadas pela classe política, o nacional-estatismo não rende mais os mesmos dividendos. Desse modo, o multipartidarismo brasileiro, do ponto de vista ideológico, acaba por assemelhar-se mais a um pluralismo moderado do que a um pluralismo polarizado[xix].

3) Um terceiro fator deve possibilitar a superação, na prática parlamentar, de obstáculos que o simples exame da fragmentação partidária tende a potenciar. Em larga medida, como enfatizamos no transcorrer deste texto, a fragmentação parece fortemente associada a interesses da facção parlamentar da classe política na obtenção de vantagens pessoais, ou seja, ao personalismo político. O multipartidarismo brasileiro não é a expressão, no plano partidário, de conflitos decorrentes de uma marcada segmentação social, política, religiosa, étnica ou ideológica existente no interior da sociedade. Portanto, as possibilidades de barganhas clientelísticas que ampliem o apoio parlamentar ao Executivo podem superar as divisões partidárias. E, nas condições do sistema brasileiro, a Presidência, nas suas relações com o Congresso, possui muitos instrumentos de distribuição de benefícios e de punições. Um desses instrumentos de pressão-cooptação especialmente eficaz são os meios de que dispõe o Executivo para influir nas chances de reeleição (ou não- reeleição) dos parlamentares mediante o atendimento (ou não-atendimento) de reivindicações regionais e corporativas. Possui, pois, o governo, instrumentos fortes de barganha para conseguir a aprovação no Legislativo de seus projetos[xx]. Trata-se aqui de um aspecto institucional relacionado à força da Presidência num regime presidencialista. A ele deveríamos acrescentar outro, de natureza mais pessoal e simbólica, que deriva do prestígio político pessoal de presidentes eleitos por voto popular direto. No caso atual, a legitimidade do presidente tende a ser elevada notadamente por ter sido eleito no primeiro turno.

4) Por fim, cumpre salientar um dado, referido anteriormente, que deve agir no sentido de aumentar a força de negociação do Executivo federal sobre o Legislativo e contrabalançar a fragmentação partidária existente. Trata-se da vitória obtida pelo partido da Presidência nos três principais estados da Federação. Desta feita, o Executivo federal poderá, em princípio, contar com importante apoio de governadores que, ao mesmo tempo em que necessitam do governo federal, dispõem de força de pressão sobre os parlamentares de seus estados.

Por isso, apesar dos problemas que a fragmentação — e em especial o aumento do número dos partidos médios — pode trazer para a governabilidade do sistema, tendemos a acreditar que os fatores listados acima podem contrabalançar os efeitos negativos do atual perfil partidário. De todo jeito, provavelmente será uma questão a ocupar constantemente um espaço na agenda do presidente.

 

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Notas 

[i] Outros aspectos, como a regionalização, poderiam ser também considerados numa análise mais abrangente. Nos quadros desta comunicação, limitamo-nos ao problema da fragmentação avaliando apenas os resultados para a Câmara Federal, para o Senado e para os governos estaduais, e deixamos de lado os resultados para as Assembleias Legislativas dos estados, cuja análise, por um lado, demandaria mais tempo e espaço e, por outro, não parece tão relevante para os nossos propósitos.

[ii] O leitor interessado no estudo do sistema partidário brasileiro em relação com o processo eleitoral encontrará no recente livro de Olavo Brasil de Lima Jr. uma rica análise da evolução do sistema após 1980. A questão da fragmentação, e sua relação com outros fatores sociais e políticos, está desenvolvida especialmente no cap. V, “A heterogeneidade dos estados brasileiros: Os subsistemas partidários-parlamentares”. Cf. Democracia e instituições políticas no Brasil dos anos 80. São Paulo: Loyola, 1993. Sobre o tema, veja-se ainda, do mesmo autor: “A reforma das instituições políticas: A experiência brasileira e o aperfeiçoamento democrático”. Dados, 1993, vol. 36.

[iii] Arend Lijphart. Democracy in plural societies: A comparative exploration. Yale University Press, 1977.

[iv] Olavo Brasil de Lima Jr. Democracia e instituições políticas no Brasil dos anos 80, op. cit. O autor utiliza a fórmula de Douglas Rae, autor de um trabalho paradigmático sobre sistemas eleitorais (The political consequences of electoral laws). O índice de Rae varia de 0 a 1, sendo de 0,50 para o caso de uma divisão perfeita de votos (ou de lugares no parlamento) entre dois partidos. Para que se tenha uma ideia das magnitudes: a média (1945-73) da França na IV Re- pública foi 0,79; a da Itália, 0,71; a do Reino Unido, 0,52; a dos EUA, 0,49. Apud G. Sartori. Partidos e sistemas partidários. Rio de Janeiro: Zahar/ Ed. da UNB, 1982.

[v] Sartori, op. cit.

[vi] Em si, o aumento do número de partidos não implica necessariamente aumento do grau de fragmentação porque os micropartidos, sem poder de chantagem, quer dizer, sem capacidade de alterar ou afetar os resultados das votações no Congresso, contam pouco. Por outro lado, a fórmula de Rae não indica, como sabem os especialistas, se o multipartidarismo é segmentado ou polarizado, quer dizer, se os partidos, além de numerosos, estão profundamente marcados por diferenças ideológicas irreconciliáveis.

[vii] Carlos Alberto Marques Novaes, no seu detalhado estudo sobre o funcionamento da Câmara, mostra como a ação individual do parlamentar é “cada vez mais premiada porque crescentemente torna-se mais eficaz do que a ação coletiva coordenada”, quer dizer, da ação inter e intrapartidos. “Dinâmica institucional da representação”. Novos Estudos, Cebrap, nº 38, março de 1994, p. 102. Olavo Brasil de Lima Jr., por sua vez, chama a atenção para o enorme grau de autonomia dos representantes em face do eleitorado e para o fato de que, se “o partido vale eleitoralmente [em razão do monopólio da representação que possui], no Legislativo vale o parlamentar”. “Os partidos, o Congresso e o povo ou o que fazer”. In: O governo Collor no quadro pós-eleitoral. IUPERJ, Grupo de Conjuntura, nº 33, outubro de 1990.

[viii] Estamos chamando de partidos de tamanho médio os que têm de 31 a oitenta deputados (aproximadamente entre 6% e 15% da CF). Em parlamentos de outros países talvez devessem ser denominados de partidos pequenos. Na situação brasileira, diante de outros partidos muito menores, inclusive de “partidos” com um deputado, a designação de par- tidos de tamanho médio pareceu mais adequada, tanto mais que foi utilizada por nós quando a Câmara possuía “apenas” 487 cadeiras.

[ix] Trata-se das seguintes legendas: PSC, PRS, PTR, PST, PSD, PRP, PMN e PT do B.

[x] Na realidade, também em 1986 o PT do B não elegeu ninguém. Mas entre os deputados que abandonaram os partidos pelos quais foram eleitos, houve um que se transferiu para o PT do B, que assim “apareceu” entre os partidos parlamentares no transcorrer da legislatura eleita para a Constituinte.

[xi] Wanderley Guilherme dos Santos. Sessenta e quatro: Anatomia da crise. São Paulo: Vértice, 1986, p. 115.

[xii] Leôncio Martins Rodrigues. Quem é quem na Constituinte. Uma análise sócio-política dos partidos e deputados. São Paulo: OESP-Maltese, 1987.

[xiii] Maria Dalva Gil Kinzo. Radiografia do quadro partidário brasileiro. São Paulo: Konrad Adenauer Stiftung, 1993, p. 77.  Ver especialmente o capítulo: “Os partidos brasileiros. Fazem eles alguma diferença?”.

[xiv] Carlos Alberto Marques Novaes, op. cit., p. 113

[xv] Para as eleições de 94, levantamento de Jairo Marconi Nicolau mostrou que as opções preferenciais dos partidos de esquerda para a formação de coligações eleitorais foram com outros partidos de esquerda, fato indicativo de que a ideologia tem algum papel no jogo partidário brasileiro. Cf. “Breves comentários sobre as eleições de 1994 e o quadro partidário”. In: Dinâmica eleitoral, competição partidária, alianças e coligações. IUPERAJ, Grupo de Conjuntura nº 50, julho de 1994. No mesmo sentido, Carlos Alberto Marques Novaes, op. cit

[xvi] Mesmo Wanderley Guilherme dos Santos, que detalhou a relação entre a fragmentação partidária, a rotatividade ministerial e a paralisia decisória durante o governo Jango em trabalho já citado, em obra posterior chama a atenção para o fato de que onze democracias estáveis apresentam um índice médio de fragmentação acima de 0,80, “patamar em que se encontra o Brasil”. Crise e castigo. Partidos e generais na política brasileira. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1987, p. 68. Podemos aceitar que índices elevados de fragmentação, como mostram outros estudos internacionais, favorecem a instabilidade governamental mas não significam necessariamente instabilidade política entendendo, com W.G. dos Santos, a primeira como mudanças legais no jogo político e a segunda como mudanças nas próprias regras do jogo, ou seja, mudanças ilegais.

[xvii] Na legislatura eleita em 1990, cerca de 80% dos deputados foram eleitos através de coligações. É interessante observar que as coligações dos parlamentares do PSDB (seguidas das do PMDB) foram as mais amplas. Entre os tucanos eleitos, 15% realizaram em certos estados coligações apenas com partidos de direita enquanto outros 15% o fizeram somente com partidos de esquerda. Cf. Carlos Alberto Marques Novaes, op. cit., p. 111.

[xviii] Convém lembrar que, nos inícios da campanha eleitoral, o próprio PT tentou algum tipo de aliança com o PSDB que, contudo, considerou mais vantajoso eleitoralmente fazer uma aliança “à direita”, com o PFL e o PTB. De todo jeito, ainda que não concretizada, a tentativa de aproximação do PT com os tucanos é indicativa do maior potencial de aliança do PSDB.

[xix] Temos aqui um elemento de diferenciação comparativa- mente ao sistema partidário do período Goulart. Como nota Wanderley Guilherme dos Santos, utilizando os conceitos de Sartori, o sistema partidário brasileiro, na ocasião, era fragmentado e polarizado. De uma perspectiva contrária à de Wanderley Guilherme dos Santos no que diz respeito à evolução do sistema partidário no período anterior a 1964, cf. Antônio Lavareda, A democracia nas urnas. Rio de Janeiro: IUPERJ-Rio Fundo Editora, 1991. De todo jeito, penso que se poderia concordar com que, no contexto atual, a polarização é pequena embora a fragmentação seja alta.

[xx] Pesquisa de Argelina Cheibub Figueiredo e Fernando Limongi mostrou que, entre 1989-92, 62,4% do total de leis aprovadas na Câmara foram de competência exclusiva do Executivo. Cf. “O processo legislativo e a produção legal no Congresso pós-Constituinte”. Novos Estudos, Cebrap, n° 38, março de 1994. A disposição do Legislativo de fazer face ao Poder Executivo é, como indicam experiências anteriores, bastante moderada.

 

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