Desde o final do século XVIII formou-se na cultura ocidental uma nova consciência do tempo. Enquanto no Ocidente cristão o “tempo novo” assinalara a eternidade vindoura, a surgir apenas com o dia do juízo final, daqui em diante “novo tempo” designa própria época atual. A atualidade concebe-se recorrentemente como uma passagem para o novo; ela vive na consciência da transitoriedade dos acontecimentos históricos e na expectativa de outra configuração de futuro.
Resumo
O pensamento histórico saturado de experiência parece destinado a criticar os projetos utópicos; o pensamento utópico, em sua exuberância, parece ter a função de abrir alternativas de ação e margem de possibilidades que se projetem sobre as continuidades históricas. Na verdade, porém, a moderna consciência do tempo inaugura um horizonte onde o pensamento utópico funde-se ao pensamento histórico. Em todo caso, esse influxo de energias utópicas na consciência da história caracteriza o espírito da época que marca a esfera pública política dos povos modernos desde os dias da Revolução Francesa. O pensamento político contaminado pelo modernismo do espírito da época e que quer resistir ao peso dos problemas da atualidade está carregado de energias utópicas; mas esse excesso de expectativas deve ser ao mesmo tempo controlado no contrapeso conservador da experiência histórica.
Na sua transatlântica caçada em busca de Força de Trabalho, o capitalismo comercial luso-brasileiro trouxe para as terras de Santa Cruz perto de 4 milhões de africanos, entre 1550 e 1850. Concluída essa longa deportação, vieram ou foram trazidos para o Brasil perto de 5 milhões de europeus, levantinos e asiáticos, entre 1850 e 19501. No bojo desses fluxos de populações, de culturas, de aspirações, ocorre, por volta de 1930, uma mutação fundamental: o mercado de trabalho nacional se territorializa.
Resumo
brasileira herdara um defeito de etabolismo que a distinguia de todas as outras regiões americanas. Dois séculos após a Descoberta — em razão da dinâmica do capitalismo comercial mas também por causa das características próprias do colonialismo lusitano —, já se consolidara a bipolarização que seria o fundamento da “Pax Lusitana” no Atlântico Sul. De um lado uma zona de produção escravista (Brasil), de outro uma zona de reprodução de escravos (Angola e demais regiões africanas de tráfico sob dominação lusitana). O desconhecimento dessa bipolarização obscurece a especificidade da nossa escravidão, a organização da produção colonial e o funcionamento do Estado brasileiro após a Independência. De fato, o governo imperial constituído no Rio de Janeiro em 1822 vê afirmar-se o imperativo geopolítico estabelecido durante o período colonial.
Há alguns meses a conversão de créditos da dívida externa começou a ser debatida no Brasil. O tema ganhou maior relevância com a política deliberada de formação de reservas por parte dos principais bancos norte-americanos, liderada pelo CITICORP, e a expectativa em torno da nova proposta de renegociação da dívida externa preparada pelo ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, que, como foi divulgado, deverá basear-se em um menu de alternativas.
Resumo
Antes de mais nada, cabe definir os aspectos que estão em discussão, já que no debate eles têm se confundido. Do lado das obrigações a serem convertidas, há duas situações básicas: (a) conversão de dívida externa já contraída. Neste caso, cabe ainda destacar a diferença de dois tipos de crédito. O caso mais comum se refere a um crédito junto a terceiros, geralmente uma instituição financeira. O outro diz respeito a créditos contraídos junto a empresas coligadas, isto é, um co-proprietário da pessoa jurídica devedora brasileira; (b) conversão de obrigações com juros que estão por vencer, o que significa, na realidade, alguma forma de capitalização de juros.
Esta exposição oferece oportunidade para refletir sobre o sentido de um prefixo, pois toma partido, discretamente, no debate em torno do pós-moderno ou do posterior ao moderno na arquitetura. Com este “pós” querem os protagonistas se desfazer de um passado; à atualidade não podem ainda dar um novo nome, na medida em que para os reconhecíveis problemas do futuro não temos até agora nenhuma resposta.
Resumo
À primeira vista os “pós-modernos” de hoje apenas repetem o credo dos assim chamados “pós-racionalistas” de ontem. Leonardo Benevolo, excelente historiador da arquitetura moderna, caracteriza da seguinte maneira esta orientação pós-racionallsta que se propagou precisamente no meio dos jovens arquitetos entre 1930 e 1933: “Uma .vez reduzido o movimento moderno a um sistema de preceitos formais, supõe-se que a origem do mal-estar resida na estreiteza e no esquematismo de tais preceitos acredita-se que o remédio consista em mais uma mudança de tendência formal, em uma suavização do tecnicismo e da regularidade, no retorno a uma arquitetura mais humana, mais cálida, mais livre e mais diretamente relacionada com os valores tradicionais.
“Arte Moderna” não significa arte contemporânea, ou então arte do nosso século ou dos nossos dias. Há um período, ao qual atualmente nos referimos como o das “fontes do século XX”, em que se pensou que a arte, para ser arte, deveria ser moderna, ou seja, refletir as características e as exigências de uma cultura conscientemente preocupada com o próprio progresso, desejosa de afastar-se de todas as tradições, voltada para a superação contínua de suas próprias conquistas.
Resumo
Reivindicando para o artista o objetivo de traduzir na obra de arte a sensação visual imediata, independentemente, e mesmo em oposição, de toda noção convencional da estrutura do espaço e da forma dos objetos, o impressionismo afirmara o valor da sensação como fato absoluto e autônomo: o artista realiza na sensação uma condição de plena autenticidade do ser, atinge na renúncia a qualquer noção habitual um estado de liberdade total, fornece o exemplo daquela que deve ser a figura ideal do homem moderno, livre de preconceitos e pronto para a experiência direta do real.
Entre as poucas análises feitas sobre a obra de Sérgio Buarque de Holanda, é comum a colocação de Raízes do Brasil no início e, às vezes, também como a fonte principal de indagações que seriam desenvolvidas ao longo do restante de seus trabalhos. E isto justifica-se. Encarada do ponto de vista das grandes análises historiográficas realizadas posteriormente, ela é considerada como uma obra de transição, onde o historiador e pesquisador sistemático ainda não predominam sobre o jornalista e crítico literário modernista.
Resumo
Tendo iniciado sua vida como crítico literário em 1920, na imprensa paulista, Sérgio Buarque pode ser considerado um modernista de primeira hora1. Em 1921, tendo mudado para o Rio de Janeiro, torna-se o representante carioca da primeira revista do movimento, a Klaxon. Apesar de não ter comparecido à famosa Semana de 22, em São Paulo, acompanha vivamente seu desenrolar e conseqüências, continuando o trabalho de divulgação do movimento através da publicação de ensaios e críticas literárias nos jornais e revistas da época.
Este trabalho foi parte de outro, escrito há vários anos. Não é um estudo sobre a historiografia norte-americana mais recente. Nele procuro apenas focalizar o impacto das teses de Gilberto – que se firmaram como the Freyre-Tannenbaum approach – na historiografia dos Estados Unidos. Como se verá, não foi um impacto menor.
Resumo
O provincianismo dos estudos norte-americanos sobre a escravidão foi rompido, durante os anos 40, pelas primeiras tentativas de conhecimento do fenômeno da escravidão a partir de uma perspectiva internacional, ou comparativa. Um esforço pioneiro, nesse sentido, foi realizado pelo historiador Frank Tannenbaum, com a publicação, em 1946, de seu ensaio Slave and Citizen: the Negro in the Américas. Os trabalhos de Gilberto Freyre receberam apreciação bastante favorável neste ensaio.
Repete-nos o saber intelectual, tanto quanto o saber popular, que a Bahia é preta e aristocrática, ou preta e oligárquica, conforme esteja se referindo ao passado ou ao presente. São muitos os que concordam, sem sequer duvidar, em que não há uma classe média na Bahia, muito menos uma burguesia, quanto mais um operariado. Certamente esse saber é ideológico; mas que saber, tendo expressão social, não é ideológico? A ciência mais sistemática pode também ser ideológica, o que nada atesta contra ou a favor da veracidade de suas afirmações.
Resumo
Estariam, então, as classes na Bahia fadadas a ser um exercício de dogmatismo acadêmico ou político daqueles que precisam acomodar a realidade aos modelos científicos ou políticos de outras sociedades ou de outros tempos? Acredito que não. Quem pensa o contrário procura desconhecer um paradigma fundamental das ciências sociais, um paradigma metodológico, é bom ressaltar, que não implica necessariamente um pleito substantivo: as classes são categorias teóricas que nos possibilitam postular que os conflitos sociais concretos e o desenvolvimento histórico têm uma relação sistemática entre si.
Numa tirada de brilho, e algo premonitória, José de Alencar ironizava aqueles “que se consideram em jejum e ficam de cabeça oca, se ao acordarem não espreguiçam o espírito por essas toalhas de papel com que a civilização enxuga a cara ao público todas as manhãs”. Os tempos mudaram, novas toalhas são feitas de material bem mais sutil do que o grosseiro papel-jornal, mas até certo ponto o caráter higiênico da operação permaneceu.
O liberalismo é expressão de uma espécie de guerra fria permanente. A frase, derivada da afirmação de Mairet, segundo a qual a democracia é une sorte de guerre civile froide entretenue par l’Etat, traduz a tensão latente na sociedade de classes, cuja história não consegue ocultar ao espírito crítico de um Macpherson, por exemplo, o substrato individualista possessivo do conceito de liberdade.
Resumo
A ideologia liberal vem em socorro do individualismo burguês, legitimando a posse, mas ao fazê-lo revela seu calcanhar-de-aquiles na contradição entre dois termos: liberdade e propriedade. O fetiche da propriedade é assegurado pelo entranhamento desta com aquele valor mais alto e universalmente perseguido: a liberdade. É quando a liberdade legitima a desigualdade entre os que apenas formalmente são proprietários — concebidos proprietários naturais de si mesmos — e os proprietários reais das riquezas acumuladas e por acumular.
Neste momento decisivo para os estudos filosóficos no Brasil, cabe por algumas horas fechar a casa para balanço. Alcançamos um nível de produção médio e contínuo. A pesquisa, que nos últimos anos se fechara nas universidades, passa a ser cultivada noutros centros e por profissionais que recusam a carreira docente. Além disso, muito jovem procura os cursos de filosofia sem qualquer interesse profissional; nem mesmo para aumentar a cultura geral, como se dizia antigamente, mas para encontrar um lugar onde possa discutir suas inquietações mais profundas.
Resumo
Convém fazer o inventário dessa produção difusa, sobretudo convém distinguir os registros em que ela se faz, pois nada mais prejudicial do que pedir a um livro que se destina à divulgação filosófica que apresente o rigor necessário a uma tese de doutoramento, ou que o texto polêmico siga as regras do tratado. A confusão de gêneros não só prejudica o próprio ritmo da produção, mas ainda subverte os julgamentos, transformando o arrivista num paradigma e o sábio na caricatura do sabido. É com o mero intuito de contribuir para o balanço de nossa produção filosófica e refletir sobre a especificidade de cada gênero que tomarei três livros, recentemente publicados, como objeto duma resenha crítica. São eles: Ensaios de Filosofia Ilustrada, de Rubens Rodrigues Torres
Filho; O Marxismo Ocidental, de José Guilherme Merquior e As Razões do Iluminismo, de Sérgio Paulo Rouanet.
Entrevista com Jürgen Habermas