Diversificando a pós-graduação brasileira

Debate

 

por Anna Carolina Venturini
22 jun. 2022

 

Pesquisas indicam que a pós-graduação brasileira é composta predominantemente por pessoas brancas e também apresenta desigualdades em termos sociais e regionais. A baixa participação de pessoas negras (pretas e pardas) e de outros grupos em situação de vulnerabilidade social está ligada a um processo histórico de sua exclusão de instituições de ensino superior, especialmente das universidades públicas.

Há quase duas décadas, programas e universidades começaram a planejar ações afirmativas na pós-graduação. A Universidade do Estado da Bahia (Uneb) foi a primeira instituição de ensino superior pública a estabelecer, em 2002, uma política de ação afirmativa voltada para cursos de pós-graduação. Em seguida, a criação de ações afirmativas em cursos de pós-graduação foi incentivada pela Fundação Carlos Chagas (FCC) e pela Fundação Ford (FF) por meio de duas iniciativas – o Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford (2001) e o Programa de Dotações para Mestrado em Direitos Humanos no Brasil (2003) – que são consideradas as primeiras voltadas para a inclusão de candidatos pertencentes a grupos sub-representados na pós-graduação.

No entanto, essas políticas apenas passaram a ser implementadas com maior intensidade a partir de 2012: em 2015 as duas primeiras universidades federais a aprovarem resoluções nesse sentido foram a Universidade Federal de Goiás (UFG) e a Universidade Federal do Piauí (UFPI).

Ainda em 2015, o Ministério da Educação (MEC) criou um grupo de trabalho para propor mecanismos de inclusão em programas de pós-graduação no país, o que resultou na publicação da Portaria Normativa n. 13/2016, a qual estabelecia que as instituições de ensino superior deveriam apresentar propostas para inclusão de pretos e pardos, indígenas e pessoas com deficiência. Apesar de a portaria não determinar a obrigatoriedade de ações afirmativas, os dados demonstram que ela exerceu um papel indutor, ao fazer com que órgãos colegiados de muitos programas e universidades passassem a discutir a inclusão de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na pós-graduação.

A análise da implementação de ações afirmativas na pós-graduação enfrenta diversas dificuldades práticas, especialmente o fato de existirem mais de 4 mil programas de pós-graduação stricto sensu, sendo quase 3 mil programas acadêmicos (mestrado e doutorado), reconhecidos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Além disso, os programas têm autonomia para definir os critérios para a admissão de estudantes e para elaborar seus editais de seleção. Isso faz com que as informações fiquem espalhadas em diversos sites, resultando na escassez de dados públicos e centralizados sobre essas políticas na pós-graduação.

O Observatório de Ações Afirmativas na Pós-Graduação (obaap) surge com o objetivo de concentrar informações materiais que estavam dispersas, permitindo que os dados sobre essas políticas fiquem organizados e sejam acessíveis a qualquer pessoa ou instituição interessada na temática. O site – que pode ser acessado no endereço https://www.obaap.com.br – contém um mecanismo de busca que possibilita que programas, pró-reitorias e outros tomadores de decisão que queiram implementar essas políticas localizem editais e resoluções e, a partir daí, identifiquem modelos adotados por outras instituições, pensem nas modalidades mais adequadas ao seu contexto e nos principais grupos que podem ser beneficiados por tais medidas. O obaap também permite que a sociedade civil consiga acompanhar o ritmo de implementação dessas políticas em instituições de ensino superior de todo o país.

Monitoramos editais e resoluções de universidades até 2021 e identificamos que 1.531 programas acadêmicos (mestrado e doutorado) de universidades públicas brasileiras adotam ações afirmativas, o equivalente a 54,3% da amostra. Em 2018, havia 737 programas com políticas afirmativas, o que indica que, em quase quatro anos, 794 novos programas aderiram a esse tipo de política. Há uma predominância de programas de universidades federais (86% da amostra) e do sistema de cotas (reservas de vagas para pessoas de grupos específicos), modalidade de ação afirmativa adotada por 73% dos programas. Nota-se, ainda, uma mudança em relação às políticas para cursos de graduação, uma vez que alguns dos principais beneficiários são pessoas pretas, pardas e indígenas, pessoas com deficiência, quilombolas e trans, além de vários outros grupos em situação de vulnerabilidade social.

As cotas nos cursos de graduação transformaram as universidades públicas, havendo hoje maior proporção de estudantes de escolas públicas, pretos, pardos e indígenas. Porém, a pós-graduação ainda está longe de alcançar essa diversidade em termos sociais, étnico-raciais e de gênero, especialmente em determinadas áreas do conhecimento.

Os dados destacam que as políticas afirmativas já são uma realidade na maioria dos programas acadêmicos nas universidades públicas e que temos ingressantes com um novo perfil étnico-racial e socioeconômico. É essencial que as universidades, os governos e as agências de fomento pensem em estratégias para garantir não apenas o acesso desses grupos, mas também sua permanência por meio de diferentes oportunidades acadêmicas, bolsas de estudos, moradia, alimentação, apoio para cursos de idiomas estrangeiros, intercâmbios e estágios de pesquisa, saúde mental e outras políticas.

A diversidade na pesquisa e pós-graduação é fundamental para o progresso científico e para a criação de espaços que proponham soluções mais efetivas para os muitos e diferentes problemas que enfrentamos no país. Ainda temos um longo caminho a percorrer para que a pós-graduação brasileira seja cada vez mais plural e tenhamos uma transformação que não se restrinja aos cursos de graduação, mas vá além e provoque impacto em toda a sociedade.

 

Anna Carolina Venturini é pesquisadora de pós-doutorado no IPP e no Afro, ambos no Cebrap, doutora em Ciência Política pela IESP-UERJ, mestre em Direito do Estado pela USP e coordenadora do obaap (Observatório de Ações Afirmativas na Pós-graduação).