José Arthur Giannotti
Muito moço conheci Antonio Candido. Morávamos na Aclimação e às vezes fazia uma visita a ele e à Gilda. Só assisti a um curso do Florestan sobre a indução sociológica em que o funcionalista convicto admitia Weber e Marx como caminhos complementares. Formado em filosofia e a Faculdade não pagando salário, fui convencido a prestar concurso de sociologia no Ensino Médio. Tema básico do concurso, as mesmas aulas de Florestan sobre a indução. Eu as tinha entendido muito pouco. Foi Antonio Candido que me orientou e me emprestou os livros para que me preparasse. Prestamos o concurso e nos situamos nos primeiros lugares. Florestan reclamou: não estou aqui para formar filósofos.
Esta é minha primeira imagem de Antonio Candido: o pensador que ajuda a desembrulhar as figuras enroladas e indica o caminho de suas formações.
No entanto, não posso deixar de registrar a última. Poucas semanas atrás, assisto um filme sobre Marighela, cuja última imagem é Antonio Candido nos dizendo que Marighela foi um santo, um santo do socialismo. Este, embora ateu, também possui seu Olimpo. Estranhei muito. Marighela foi um corajoso soldado do Partido Comunista, que tinha a política soviética como caminho do paraíso. Dizia e fazia o que fosse conveniente para ela. Depois refleti: a partir do momento em que o socialismo sacraliza santos, deixa de ser socialismo. Tenhamos o cuidado: o grande Antonio Candido não pode ser afigurado tendo a cabeça cercada por uma áurea.
José Arthur Giannotti é professor aposentado de filosofia na USP e pesquisador do Cebrap.