Dilma Rousseff começou seu governo com uma proposta de continuidade do governo Lula. Mas recebeu para governar um país cuja economia continuava a crescer a uma taxa muito inferior àquela que é necessária para um verdadeiro catching up. Seu antecessor não havia enfrentado o desequilíbrio macroeconômico fundamental ao adotar um “tripé macroeconômico” insistentemente celebrado pelos economistas ortodoxos.
Resumo
Quando a presidente Dilma Rousseff foi eleita, no nal de 2010, com o apoio decisivo do presidente Lula, a sociedade brasileira supôs e a nova presidente confirmou que seu governo seria uma continuação do anterior. Entretanto, como esse governo não foi capaz de romper com a política do “tripé macroeconômico” dominante Brasil desde 1999, o governo Dilma só seria bem?sucedido se rompesse a armadilha de juros altos e câmbio sobreapreciado que caracteriza essa política ortodoxa. Algo que, depois de dois anos de governo, mos que ela tentou fazer, mas foi apenas parcialmente bem?sucedida. O que provavelmente explica por que, por enquanto, os resultados de seu governo foram medíocres em termos de crescimento do pib:
2,7% em 2011 e cerca de 1% em 2012. Mas será realmente macroeconômica a causa desses resultados, como estou sugerindo? Por que, não
obstante, a presidente apresenta recordes de aprovação popular que superam mesmo os de Lula? E por que essa popularidade tem base nos
pobres, já que os ricos (a classe alta e a classe média superior) e a mídia que controlam revelam tanta hostilidade em relação à presidente?
O governo Lula foi um governo bem?sucedido, como demonstraram os altos índices de popularidade alcançados e a neutralização das críticas da direita conservadora. Foi só um ano depois de terminado, em 2012, que o liberalismo conservador e moralista brasileiro se reorganizou para criticá?lo. O governo Lula teve êxito porque logrou quase dobrar a taxa de crescimento, porque diminuiu a desigualdade e melhorou o padrão de vida de milhões de brasileiros, e porque alcançou grande prestígio internacional. Mas esse sucesso não se deveu à política macroeconômica que adotou, e sim, respectivamente, à sorte de os preços das commodities exportadas pelo Brasil terem crescido extraordinariamente durante seu governo, à política de salário mínimo e de transferências de renda, e a uma política internacional independente e criativa.
O federalismo no Brasil enfraquece a União e favorece minorias sobrerrepresentadas no Congresso? O artigo sugere que a regra de desproporção adotada no país impede o veto da minoria sem que a maioria, por sua vez, tenha recursos para tiranizar a minoria. Em conjunto, as instituições do federalismo brasileiro aproximam o Brasil das fórmulas que favorecem a autoridade do governo central.
Resumo
O artigo refuta o argumento de que o federalismo no Brasil enfraquece a União e favorece minorias sobrerrepresentadas no Congresso, mostrando que a regra de desproporção adotada no Brasil impede o veto da minoria sem que a maioria, por sua vez, tenha recursos para tiranizar a minoria. Além disto, a União tem amplos poderes legislativos, e os partidos inibem tendências inerentemente limitadoras do federalismo. Por fim, não é fato que a aprovação de matérias de interesse federativo exija aprovação em uma multiplicidade de arenas decisórias em que supermaiorias são necessárias. Em conjunto, as instituições do federalismo brasileiro aproximam o Brasil das fórmulas que favorecem a autoridade do governo central.
Um dos grandes dilemas dos Estados democráticos modernos diz respeito à extensão da autoridade do governo central. Não parece haver fórmula institucional isenta de riscos. Arranjos institucionais que concentrem excessiva autoridade no governo central ensejam o risco da tirania da maioria. Por outro lado, arranjos que confiram poder de veto aos governos regionais ensejam o risco de que minorias paralisem reformas de interesse geral. Escolhas constitucionais que confiram aos governos subnacionais ampla autoridade sobre as políticas públicas implicam desigualdade de acesso a serviços embora ensejem a promessa de aproximar o governo dos cidadãos. Por outro lado, Estados centralizados parecem ter maior impacto na redução das desigualdades sociais do que modelos descentralizados.
Um registro preliminar da trajetória de Monteiro Lopes, o primeiro “homem de cor” a ser eleito deputado federal no Brasil com discurso de afirmação racial.
Resumo
O artigo pretende ser um registro preliminar da trajetória de Monteiro Lopes, o primeiro “homem de cor” a ser eleito deputado federal no Brasil sem prescindir de um discurso de afirmação racial. Dedica atenção à sua campanha eleitoral de 1909, ao sistema político da Primeira República, à emergente
mobilização afrodiaspórica e ao processo que se designou cor na política.
Manoel da Motta Monteiro Lopes nasceu na cidade de Recife, estado de Pernambuco, em 25 de dezembro de 1867. Filho do operário Jerônimo da Motta Monteiro Lopes e de Maria Egiphicíaca de Paula Lopes — ambos afrodescendentes —, tinha quatro irmãos (José Elias Monteiro Lopes, juiz de direito; João Clodoaldo Monteiro Lopes, advogado; Maria Júlia e Taciana Monteiro Lopes, professoras). Precocemente aproveitou as oportunidades de “estudo”. Fez sua formação básica no Ginásio Pernambucano; em seguida, matriculou?se na Faculdade de Direito do Recife, período no qual revelou sua “têmpera de lutador” e se tornou um “acérrimo abolicionista” e um simpático à causa republicana, consignou O Século (13/12/1910). Terminada a
fase de estudante universitário em 1889, veio o dilema: como e onde iniciar a carreira profissional? Um de seus irmãos havia se radicado em Belém do Pará, e, a partir da intermediação desse irmão, Monteiro Lopes mudou?se para o norte do país, onde exerceu cargos públicos e enfrentou embates políticos. As informações dessa fase de sua vida são desencontradas. Para o jornal Correio da Manhã (14/12/1910), ele esteve no Pará, em 1890, e no Amazonas, ocupando interinamente a chefia de polícia da cidade de Manaus. Já para a Gazeta de Notícias (14/12/1910), ele não assumiu, em 1892, o cargo de “chefe de polícia” no Amazonas, por questões de divergências políticas. Foi “nomeado promotor público de Manaus, sendo mais tarde elevado às funções de juiz de direito na mesma cidade”. Em face de informações contraditórias (e pouco confiáveis), importa saber que ele não ficou muito tempo no norte do país. Por volta de 1894, transferiu?se para a capital federal, a fim de se dedicar à advocacia.
Ficção e autobiografia nas narrativas de Philip Roth, Ricardo Piglia e J.M. Coetzee.
Resumo
É uma característica muito forte do romance das últimas décadas a inserção de aspectos autobiográficos nas narrativas. Este trabalho busca sugerir algumas justificativas para esse fenômeno. Em seguida, discute brevemente como isso ocorre em três autores, Philip Roth, Ricardo Piglia e J.M. Coetzee, e analisa um caso exemplar, o romance Diário de um ano ruim.
A mistura de ficção e autobiografia é uma das características mais marcantes do romance contemporâneo. Basta pensar em uma lista muito reduzida dentre os inúmeros escritores de gerações diferentes que nos últimos sessenta anos fazem essa mescla de maneiras bastante distintas, além dos três já mencionados acima: Primo Levi, Thomas Bernhard, W.G. Sebald, Georges Perec, Giuseppe Berto, Saul Bellow, Imre Kertész, Claudio Magris, Ernesto Vila?Matas, António Lobo Antunes, Julian Barnes, Art Spiegelman, Paul Auster, Bernardo Carvalho, Michel Laub, Ricardo Lísias.
Os vocabulários da connoisseurship a partir do século XVIII preencheram parte do espaço cultural antes ocupado pelas sensibilidades e categorias da filosofia natural aristotélica e da medicina dietética galênica. O declínio tanto do escolasticismo quanto da medicina galênica deve também ter algo a ver com a mudança nas linguagens e nas práticas do gosto.
Resumo
O ato de provar o gosto das coisas é tanto cultural quanto natural. A parte natural tem a ver com a constituição do que está na ponta do garfo e o que acontece fisiologicamente quando a comida toca a língua de alguém. E podemos presumir que a forma geral dessas coisas naturais é estável ao longo do tempo. A parte cultural tem a ver com expectativas e entendimentos sobre o gosto que as coisas devem ter, com quadros de referência relacionando o gosto à natureza dos alimentos e às consequências corporais, e com os vocabulários disponíveis para falar sobre eles e descrevê?los a outros: essas coisas são variáveis em termos temporais e culturais.
A comida já teve um gosto diferente do que tem agora. Muitas pessoas dizem isso. Geralmente elas se referem a frutas, vegetais, pão, cerveja e carnes que não são mais o que eram — não mais tão saborosas, tão autenticamente o que devem ser. Ou as variedades não são criadas para serem saborosas, ou são produzidas e distribuídas de um modo que as torna desinteressantes e insípidas, ou perdemos a arte de prepará?las para reter ou realçar seus sabores. A nostalgia gustativa está muito presente no menu moderno tardio.
Habermas é o principal teórico contemporâneo do Geist hegeliano, aquele que melhor soube nos explicar a sua rica estrutura, aquele que encontrou o melhor idioma para tornar explícitos os compromissos que estão implícitos no fato de sermos criaturas discursivas normativas. Mas por que, então, não preferir a versão do próprio Hegel para essas ideias? O artigo aborda algumas respostas possíveis a essa questão.
Resumo
A primeira vez que ouvi o nome de Habermas foi há quase trinta anos, na primavera de 1979, quando eu havia acabado de chegar à Universidade de Pittsburgh como novo professor assistente. Aqueles que conhecem meu orientador, Richard Rorty, não se surpreenderão ao saber que, embora sua própria obra?prima, A filosofia e o espelho da natureza, tivesse acabado de sair, ele estava muito menos interessado em falar sobre isso do que em transmitir seu entusiasmo pelo livro Conhecimento e interesse, de Habermas. Seguindo sua recomendação, li esse trabalho — com crescente empolgação. Ele fazia coisas maravilhosas e originais com linhas de pensamento pelas quais eu sempre me interessara, mas que eu não via como integrar ao meu interesse central pela natureza da linguagem e o seu papel em nossas vidas. Fazia isso, em parte, ao oferecer uma interpretação de grandes linhas de força da tradição filosófica desde Kant. A ambição e a absoluta força desse trabalho me encantaram e inspiraram na época — e inspi?
ram até hoje. Mais que qualquer outra coisa, creio que o que a minha imaginação captou foi a perspectiva revigorante de um novo modo de pensar sobre como a filosofia da linguagem poderia ser legitimamente entendida como “filosofia primeira”.
Habermas is the foremost contemporary theorist of Hegelian Geist, the one who has taught us the most about its fine structure, the theorist who has best found an idiom for making explicit the commitments that are implicit in our being discursive normative creatures. So, what is not to like about Hegel’s
version of these ideas? There are a lot of possible answers to that question.
Nesta entrevista, os pesquisadores Elza Berquó e Nelson do Valle Silva relembram suas trajetórias profissionais e a consolidação da pesquisa quantitativa nas ciências sociais no Brasil.
Resumo
Por sua regularidade, capilaridade, relativa padronização e abrangência temática, os censos demográficos estão entre as principais matérias?primas dos estudos sobre as mudanças de longo prazo na sociedade brasileira. No entanto, analisar dados dos censos implica também conhecer seus processos de produção e, consequentemente, a própria história dos levantamentos de informação social quantitativa no Brasil.
A entrevista a seguir foi realizada no contexto do primeiro workshop do Projeto Censo1. Idealizado e coordenado pela professora Marta Arretche (cem?Cebrap e usp), o Projeto Censo, iniciado em meados de 2012 no âmbito do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), objetiva examinar as mudanças sociais, políticas e demográficas ocorridas nos últimos cinquenta anos, tomando como eixo a análise das desigualdades. No percurso de nossa pesquisa, diversas inquietações surgiram durante a utilização dos censos. Nós, entrevistadores, éramos parte da equipe de suporte metodológico do projeto e nosso objetivo ao entrevistar dois dos maiores pesquisadores brasileiros que já trabalharam com essas informações era o de (re)descobrir as histórias que envolvem a produção e o uso dos censos demográficos. A trajetória profissional dos professores Elza Berquó e Nelson do Valle
Silva diz muito sobre a consolidação do campo das ciências sociais no Brasil e ambos são parte da história dos levantamentos e da análise dos dados censitários no país.
Resenha de Hobbes e a liberdade republicana, de Quentin Skinner.
Resumo
A mais recente incursão de Skinner no pensamento político de Hobbes é algo mais do que uma elegante contribuição à reconstituição histórica da concepção de liberdade do filósofo inglês. Trata?se também de um “lance” (move) — para usar uma expressão cara ao próprio Skinner — nos embates atuais entre teóricos liberais e republicanos. Crítico da hegemonia do pensamento liberal na política contemporânea, Skinner oferece um suporte historiográfico importante às pretensões normativas do neorrepublicanismo. Sua genealogia do conceito de liberdade é o melhor exemplo desse tipo de suporte, e Hobbes e a liberdade republicana ocupa um lugar de destaque nessa genealogia.
Focalizando a turbulenta década inglesa de 1640, o livro documenta os momentos em que Hobbes elabora uma alternativa de grande consistência teórica à então convencional concepção republicana de liberdade, desenvolvendo uma concepção negativa de liberdade que será mais tarde apropriada pela tradição liberal. Hobbes e a liberdade republicana é produto do encontro entre a historiografia do pensamento político e o debate analítico e normativo na teoria política contemporânea.
Resenha de Patópolis, de Marcelo Coelho
Resumo
A bidimensionalidade de Patópolis, de Marcelo Coelho, sua falta de profundidade e subjetividade é um dos aspectos que poderiam identificá?la como obra pós?moderna. Mas talvez esse aspecto se deva antes à cidade fictícia dos gibis de Walt Disney que fornece o nome e o tema mais manifesto do livro.
Em princípio o leitor nada com dificuldade na piscina rasa da superfície pop da obra, descobrindo no entanto que debaixo dela há outra, e ainda outra, e assim por diante. Trata?se antes de uma profundidade de superfícies, não reduzida à intertextualidade, à qual o autor no entanto presta sua homenagem. Essa sobreposição de planos bem pode ser uma sobreposição de rostos, cada um dos rostos?superfície que uma pessoa teve destruídos por sucessivas decepções: “O menino que se olha no espelho sabe perfeitamente disso”, afirma?se em certa altura. Ele pode compreender a conclusão a que chega Foucault na página final de As palavras e as coisas, referida no livro e conforme a qual o homem seria uma invenção com data recente. Também é nova no tempo a criança, passado de quem narra, recordada, como em outros momentos, tão sem ênfase que quase não reparamos que se trata de nota autobiográfica (ou pseudoautobiográfica).
Lionel Andrés Messi. Bola de Ouro, FIFA, 2009-2012.
Resumo
Lionel Andrés Messi é o epígono, o resultado de um processo histórico que passa pela revolução tática promovida pela seleção brasileira na Copa de 1970, por sua evolução positiva encarnada na seleção holandesa na Copa de 1974, e pela peculiaridade da escola argentina de promover jogadores altamente técnicos, que podem entrar em uma batalha campal de faltas violentas aceitando?as como o lutador de boxe aceita os jabs de seu adversário.
Como todo processo histórico, Lionel pode ser confundido com um ser humano particular, ou mesmo uma pessoa, ilusão que qualquer entrevista do craque pode facilmente desmentir. Afinal de contas, Lionel não o é: não emite opinião, não se irrita com as botinadas adversárias e só raramente com os companheiros. Não exibe falsa modéstia, tampouco egolatria (a não ser por alguma improvável sugestão do seu departamento de marketing). Não falta aos treinos, não comete atos indisciplinares nem mesmo faltas em campo. Apaixonou?se pela mãe de seu filho desde a sua inexistente adolescência e — também desde essa data — conquistou quase todos os títulos que disputou, sendo em todas as competições o destaque e artilheiro absoluto, com exceção da Copa do Mundo (a Copa América é outra exceção, mas que o aproxima ainda mais de Pelé e Maradona, que nunca a venceram).
A publicação recente das informações do Censo 2010 reacendeu o debate sobre o crescimento na metrópole, em especial o relativo às áreas centrais. Utilizando informações desagregadas espacialmente, o artigo mostra a presença de padrões de crescimento substancialmente mais complexos do que os considerados no debate, com taxas de crescimento diferenciadas em diversas regiões, tanto no centro quanto nas periferias.
Resumo
Este artigo analisa o crescimento populacional intraurbano em São Paulo nos anos 2000. A publicação recente das informações do Censo 2010 reacendeu o debate sobre o crescimento na metrópole, em especial o relativo às áreas centrais. Utilizando informações desagregadas espacialmente, o artigo mostra a presença de padrões de crescimento substancialmente mais complexos do que os considerados no debate, com taxas de crescimento diferenciadas em diversas regiões, tanto no centro quanto nas periferias. As causas para tais tendências demográficas são exploradas com indicadores relativos à produção imobiliária, à variação da renda, à presença de favelas, à migração e à fecundidade, indicando a presença de diversas trajetórias de crescimento com crescente heterogeneidade no tecido metropolitano.
O presente trabalho discute o crescimento demográfico intraurbano na região metropolitana de São Paulo utilizando dados dos censos demográficos de 2000 e 2010 do ibge. O assunto é de grande interesse acadêmico, visto que uma parte significativa das mazelas urbanas características de nossas grandes cidades, experimentadas principalmente pela população de mais baixa renda, foram creditadas a um padrão de urbanização por expansão
de periferias e favelas que tinha no elevado crescimento demográfico uma das suas principais características. O assunto é também de grande interesse para as políticas públicas, dado que a pressão das elevadas taxas de crescimento demográfico das décadas de 1960 e 1970 sobre políticas e serviços públicos contribuiu para a criação de grandes desigualdades de acesso, especialmente para os mais pobres. Merece destaque aqui a trajetória brasileira de metrópoles com tecidos urbanos cada vez mais estendidos, com graves consequências em termos de acesso a serviços, mobilidade urbana e sociabilidade cotidiana, sobretudo para os mais pobres.
Rodrigo Bivar