DOSSIÊ SUBJETIVIDADES PERIFÉRICAS | Apresentação: situando o sujeito das periferias urbanas
Moisés Kopper e Matthew Richmond
http://dx.doi.org/10.25091/S01013300202000010011
As periferias são objeto de estudo privilegiado da sociologia e da antropologia urbanas no Brasil desde a consolidação dessas disciplinas na década de 1970 (Frúgoli Jr., 2005). Temas tão variados quanto pobreza, trabalho, moradia, religião, violência — e diversas formas de mobilização social — caracterizaram as periferias, simultaneamente, como: a) um espaço físico‑geográfico em oposição aos centros urbanos; b) uma arena de sociabilidade e expressão cultural; e c) um berço de projetos políticos de emancipação de populações menos favorecidas.
Menos problematizada pela literatura urbana brasileira, a noção de subjetividade emergiu apenas recentemente para captar a experiência individual de processos sociais, políticos, econômicos, históricos e geográficos que atravessam a formação de espaços periféricos. Este dossiê apresenta os resultados de pesquisas recentes que tomam por desafio pensar a relação entre periferias e subjetividade, ou, como a denominamos aqui no plural, subjetividades periféricas.
Contribuições para a definição dos conceitos periferia e sujeitas e sujeitos periféricos
Tiaraju D’Andrea
http://dx.doi.org/10.25091/S01013300202000010005
A intenção do artigo é problematizar os significados históricos do termo/conceito periferia, esboçando algumas definições a partir do uso realizado pelos próprios moradores. O artigo também procura sistematizar o conceito sujeitas e sujeitos periféricos com base nos atributos que o conformam.
Periferias e subjetividades políticas na perspectiva psicanalítica
Andréa Máris Campos Guerra
http://dx.doi.org/10.25091/S01013300202000010002
Com a psicanálise, mostramos diferentes planos que articulam subjetividade e política na periferia. Partimos de pesquisa e caso que apresentam superposições e impasses. Uma vez que o sujeito de direitos não corresponde ao homem concreto e o corpo não corresponde à imagem de eu ou ao desejo inconsciente, defendemos a necessidade de operar com todos esses planos. Assim, a noção de subjetividade política permite pensar o em‑comum sem redução a codificações dominantes hierarquizadas e alienantes.
Professor é uma pessoa: constituição de subjetividades docentes na periferia de São Paulo
Adelina Novaes
http://dx.doi.org/10.25091/S01013300202000010001
O artigo reúne resultados de dois projetos que procuram compreender as subjetividades de docentes da periferia da cidade de São Paulo. Ao articular os constructos “subjetividade social” e “representações sociais”, buscou-se apresentar contribuições ao debate sobre “políticas de subjetividade”. Os dados, produzidos por meio da metodologia Q e de grupos focais, confirmam o agravamento do mal-estar docente, figurando o tempo de docência como variável de destaque.
Samba gospel: sobre pentecostalismo, cultura, política e práticas de mediação nas periferias urbanas do Rio de Janeiro
Carly Machado
http://dx.doi.org/10.25091/S01013300202000010004
Partindo de uma reflexão sobre a articulação entre religião, política e cultura, este artigo propõe uma análise da relação entre o pentecostalismo e as periferias urbanas do Rio de Janeiro por meio da trajetória de um sambista gospel. O artigo apoia-se na centralidade da relação entre as periferias urbanas e a música gospel para pensar a formação de subjetividades periféricas, suas moralidades e práticas artísticas e culturais.
Subjetividades móveis: sentidos de periferia e percepções da crise entre motoristas de uber em Recife
Benjamin Junge e Álvaro Prado Aguiar Tavares
http://dx.doi.org/10.25091/S01013300202000010003
Nosso estudo examina como a circulação pela geografia urbana da cidade de Recife influenciou as percepções de motoristas de uber sobre as eleições presidenciais de 2018. Argumentamos que o movimento dos motoristas pela paisagem urbana, buscando conciliar o desejo de agência individual com o desespero sobre as perspectivas de melhoria econômica, complexifica sua compreensão de centro e periferia e dá origem a “subjetividades móveis”.
A Odebrecht e a formação do estado angolano (1984-2015)
Mathias Alencastro
http://dx.doi.org/10.25091/S01013300202000010007
Este artigo explora a trajetória da Odebrecht em Angola no contexto da relação histórica entre multinacionais e o Estado africano desde a chegada da empresa ao país nos anos 1980 até a crise de 2015. O texto oferece uma perspectiva original sobre as relações entre Estado e multinacionais, relevante para acadêmicos que estudam as relações entre Brasil e África.
Mulheres magistradas e a construção de gênero na carreira judicial
Maria da Gloria Bonelli e Fabiana Luci de Oliveira
http://dx.doi.org/10.25091/S01013300202000010006
O artigo baseia‑se nos dados do perfil sociodemográfico dos magistrados brasileiros, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2018, e na nota técnica sobre a Justiça Federal, produzida pela Comissão Mulheres da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) em 2019, para dialogar com estudos sobre a participação feminina na magistratura. O argumento é que o contraste de gênero no mundo profissional é construído por meio da distribuição desigual de privilégios e desvantagens a partir de um viés implícito. Este favorece o percurso dos homens em um ambiente receptivo e cria dificuldades para as mulheres, que precisam se ajustar ao espaço.
Ordem do dia: uma análise do trabalho da Unesco em torno das políticas culturais (1979-82)
Caio Gonçalves Dias
http://dx.doi.org/10.25091/S01013300202000010008
Em 1982, a Unesco realizou, na Cidade do México, a Mondiacult, uma importante conferência sobre políticas culturais envolvendo quase todos os seus Estados‑membros. O foco de análise deste artigo é a elaboração de um de seus documentos de base — a “ordem do dia” —, que produziu uma espécie de etnografia institucional a partir dos usos das ideias de cultura e de políticas culturais.
Assombrações de Apipucos: “O som ao redor” e os antagonismos em perpétuo desequilíbrio
Marco Antonio Gonçalves
http://dx.doi.org/10.25091/S01013300202000010009
O artigo pretende examinar O som ao redor (2012), de Kleber Mendonça Filho, explorando sociológica e imageticamente as continuidades e descontinuidades entre o filme e a obra Casa‑grande & senzala, de Gilberto Freyre. Se O som ao redor é uma alegoria sobre a interpretação do Brasil proposta por Gilberto Freyre, é, sobretudo, uma alegoria fantasmática que, em sua narrativa imagética, assombra as proposições
freyrianas sobre a sociedade brasileira.
A estética vertical de Roberto Bolaño: um caso para a hermenêutica da suspeita
Susanne Klengel
A obra de Roberto Bolaño é um caso muito atraente e, ao mesmo tempo, cada vez mais controverso para a crítica literária internacional. De modo geral, há um grande consenso e um fascínio em relação à originalidade estilística, bem como aos temas engenhosos e à constelação de personagens presentes em suas obras. Isso também se aplica à extraordinária dinâmica intertextual de seus escritos, a qual constitui uma fonte constante para novas pesquisas (ver, por exemplo, Loy, 2019). Além disso, não há sombra de dúvida de que a estreita ligação de Bolaño com o legado das vanguardas históricas, em particular com o surrealismo, está longe de estar suficientemente esclarecida (ver, por exemplo, Speranza, 2012). Soma‑se a essas observações o fato de que com frequência se atribui a seus textos uma perspectiva profundamente crítica sobre a violência e a criminalidade, assim como sobre as instituições, a burguesia, as regras sociais
e quaisquer formas de discurso hegemônico. Ao mesmo tempo, os retratos que o autor fornece de protagonistas flertando abertamente com o nacional‑socialismo, fascismos e outros regimes autoritários,
aos quais seus narradores concedem bastante espaço, assim como o olhar muitas vezes frio e indiferente na descrição de crimes extremamente violentos, são constantes fontes de desconforto. Tendo em vista o controverso debate, nos estudos literários, sobre as estratégias estéticas crípticas de Bolaño, será apresentado a seguir um breve panorama desses posicionamentos críticos, vividamente discutidos na atualidade.
Rosana Paulino
1967, São Paulo – SP
Residente em São Paulo
Rosana Paulino tem como foco de suas produções a discussão de questões sociais, étnicas e de gênero, destacando-se a investigação sobre o local simbólico social ocupado pelas mulheres negras no Brasil. É doutora em Artes Visuais e bacharel em Artes pela ECA-USP. Possui obras em importantes museus como MAM (São Paulo), UNM/University of New Mexico Art Museum (EUA) e Malba (Argentina). Participou de diversas exposições no Brasil e no exterior e sua obra tem sido objeto de vários estudos acadêmicos, livros e revistas. Site: www.rosanapaulino.com.br
Tanto nas obras internas desse ensaio visual como na capa procuro tratar de temas pouco discutidos na produção visual brasileira, a saber, questões relacionadas ao racismo científico e suas sombras que até hoje se projetam sobre a sociedade brasileira. Na série “Adão e Eva no Paraíso brasileiro” e “As filhas de Eva”, penso o país como um grande armazém onde fauna, gentes e flora estão no mesmo nível de exploração. Em “Paraíso tropical”, a história se repete, nesse caso com colagens sobre páginas que mostram espécimes de orquídeas. Na capa, uma versão em tecido da série “Paraíso tropical”, em que uma sutura mal feita une as partes díspares dessa ideia de nação brasileira.